Anderson Talisca, o boleiro que quer ser reconhecido no rap
Companheiro de Cristiano Ronaldo no Al-Nassr quer alavancar carreira musical
Companheiro de Cristiano Ronaldo no Al-Nassr, na Arábia Saudita, o baiano Anderson Talisca largou o sonho de viver de música pelos campos. Agora estabelecido, usa o futebol para alavancar sua carreira como Spark Trap. Veja o depoimento exclusivo à Billboard Brasil.
“Na minha casa, em Feira de Santana, Bahia, não ouvíamos música. Meu primeiro contato com ela foi por meio de um programa do governo federal que incentivava as crianças a estudarem. Para ganhar bolsa, eu precisava aprender música. Tive aulas de caixa, timbal, surdo, bacurinha e instrumentos de corda. Minha primeira apresentação foi num desfile de 7 de setembro, em homenagem à Independência do Brasil, tocando bumbo. Tinha muita gente assistindo, e eu nunca havia participado de algo tão surreal. Mas doeu um pouco, né? Sempre fui alto e muito magrinho. Carregar o instrumento por mais de três horas não foi fácil, mas valeu a pena. A escola formava músicos, era como uma indústria. Os programas de esportes foram criados alguns anos depois… Futebol, tênis, natação. As aulas ajudaram muita gente, e a mim também. Eu sabia que tinha habilidade para jogar bola e, por coincidência, minha turma entrou em uma competição.”
“Segui estudando música e, aos 12 anos, comecei a tocar com uma banda de axé fora da escola. Ensaiava longe de casa, a uns 30 minutos de bicicleta. Viajávamos, fazíamos shows, e eu chegava muito tarde, às vezes até faltava às aulas. Acabei deixando a música a pedido da minha mãe. Meus pais são separados, eu tinha três irmãos mais velhos, e ela estava grávida. Foi bem difícil tomar essa decisão. Lembro que minha mãe disse que se eu escolhesse o futebol poderia fazer música no futuro, mas que o inverso seria mais improvável. ‘Sei que é seu sonho’, ela disse”.
“Foi quando me dediquei mais ao esporte. Tive a possibilidade de fazer um teste em Salvador e, em 15 dias, assinei meu primeiro contrato profissional para jogar bola. Na época, ganhava pouco mais de R$ 500. Foi tudo muito rápido. No alojamento do clube, meus colegas ouviam música no celular, mas eu não tinha condição de ter um. O que eles mais escutavam era Racionais MC’s, pelas letras, porque o período em um alojamento não é fácil. Você se alimenta mal e, se o clube não tiver boa condição financeira, já era. Mas quem faz música não tem chance de ficar em alojamento nem de estudar por mais de cinco anos até virar profissional, como no esporte. Talvez, se lá atrás eu tivesse a mesma oportunidade e estrutura, teria estourado na música no mesmo nível do futebol, porque eu já fazia tudo com muito amor e qualidade. Mas sempre soube, no meu coração, que eu tinha talento para jogar futebol. Passei por times em Portugal, no Benfica, na Turquia, jogando pelo Besiktas”.
“Em 2020, quando atuava pelo Guangzhou Evergrande, na China, assisti a um filme com meu irmão, e o nome do personagem, Spark, ficou na minha cabeça. Já tinha gravado algumas músicas e decidi que esse seria meu nome artístico. No mesmo ano, lancei meu primeiro EP, “Sorte”, como Spark Trap. Minhas composições vêm da convivência com outras pessoas, falo sobre o que vivemos. Aprendo muito com parceiros que já trabalharam comigo e com meu produtor, que mora comigo na Arábia Saudita, onde jogo pelo Al-Nassr”.
“Como no futebol, me cobro muito e quero sempre entregar o melhor na música. Sou disciplinado e sei aonde quero chegar. Treino com o time na parte da manhã e volto para casa para passar as próximas horas no estúdio que montei. Um dia, percebi que um dos meus colegas, o jogador Abdulrahman Ghareeb, estava ouvindo minha música. Fiquei quieto, mas, no dia seguinte, durante o treinamento, ele tocou a bola para mim e me chamou de Spark. Pensei: ‘Como é que ele sabia disso?’. Quando fui perguntar, vi que ele tinha meus álbuns baixados. Todos os outros jogadores começaram a ouvir minhas músicas. Eu fiquei felizão, porque eles escutam mesmo, nunca tive que pedir”.
“Antes de entrar no campo para um jogo, ouço músicas de artistas referências para mim, como BLXST, Matuê, L7NNON. O que admiro muito em um artista é quando ele mantém a dedicação, mesmo já tendo público e fama. E também quando lida com sensibilidade com as pessoas que o admiram e são fãs. Meu maior sonho é fazer sucesso na música. Poder lotar um show sozinho e cantar para quem curte meu som. Sonho em sair na rua e ser abraçado pelas pessoas por causa da minha música. Acredito que estamos fazendo um trabalho bastante intenso, com muita humildade”.
“Meu single recente, ‘Medusa’, já é um pouco mais a cara da rua, tem uma pegada mais comercial. Gosto e consigo passear por várias vertentes. Não sou do trap nem do R&B. Eu sou hip hop.”