Como Prateado transformou o pagode e se tornou referência do gênero
Responsável 600 canções, produtor que sonhava ser padeiro foi parar na música
Wilson Rodrigues tinha um objetivo de vida: o jovem ajudante de padeiro queria assumir o posto principal numa panificadora do bairro de Lins de Vasconcelos, na zona norte do Rio de Janeiro. À época, ganhava, além do salário, dois pães franceses e uma garrafa de leite por dia.
Em abril de 1987, após a morte do pai, mudou-se com mãe e a irmã para São Paulo. Foi na capital paulista que o baixista de igreja e iniciante do Cacique de Ramos –celeiro de artistas como Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e, claro, Fundo de Quintal– descobriu que o samba dava dinheiro e pensou que aquele talvez fosse o seu futuro.
Com o incentivo da dona Maria Doracy, a música brasileira ganhou Prateado (apelido herdado do pai). Além de produtor de mão cheia, tendo trabalhado com artistas como Thiaguinho, Arlindo Cruz, Soweto, Sensação e Mumuzinho, ele também é um grande compositor –até a publicação desta reportagem, eram 594 obras registradas em seu nome no Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
Nas últimas três décadas, a probabilidade de você ter frequentado uma roda de samba e não ter ouvido uma canção produzida ou composta por Prateado é menor do que ganhar sozinho na loteria.
A alquimia de Prateado no pagode
No primeiro grande boom do pagode, no início dos anos 1980, os produtores tinham como principal função organizar os músicos para uma execução de excelência, com foco nos arranjos das gravações de estúdio. Ao vivo, o violão sete cordas substituía o baixo, já que as rodas de samba pediam mais energia e velocidade para acompanhar instrumentos como o banjo e o repique de mão. E foi a mudança provocada por Prateado nesse cenário tão consolidado que destacou seu trabalho revolucionário.
O produtor disseminou pelo pagode, geralmente afeito ao conservadorismo sonoro e apegado às tradições, características de outros gêneros. Duas delas viraram suas marcas: o protagonismo de instrumentos de sopro e linhas de amor versadas, quase como rimas de rap –afinal, ele é fã de jazz e hip hop.
Talvez a canção que melhor exemplifique essa qualidade seja “Quando a Gente Ama”, dos Travessos, produzida por Prateado e lançada em 1997. A música começa com um solo de saxofone para, na sequência, o vocalista Rodriguinho recitar:
“Não sei o que é que falta para esse amor dar certo/ Será que eu errei em te agradar demais/ Eu acho que você não gosta muito disso/ Alguém que só te ama não te satisfaz“.
Na faixa, de quase quatro minutos e meio (considerados longuíssimos para os padrões atuais), instrumentos clássicos do pagode aparecem apenas depois de um minuto e meio. Produtor de nomes como Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal, e um dos maiores nomes do gênero, Rildo Hora destaca uma terceira qualidade em seu colega.
“Ele é um grande produtor. Mas, como baixista, é definitivamente um dos melhores de todos os tempos. Ele levou o baixo para os palcos no pagode. Hoje você vê vários grupos com baixo por aí.”
É ser humano!
Apesar de ter seus “truques”, Prateado diz não haver fórmula para o sucesso. Na verdade, seu grande segredo é saber que nada sabe, tal qual um filósofo. Uma de suas maiores qualidade dentro de estúdio é se permitir ser ignorante, no sentido de não saber de tudo mesmo, e abrir mão de suas convicções em prol da arte.
“Tenho um modus operandi diferente de outros produtores, sei que não preciso ter a melhor ideia e também sei que o brasileiro tem um DNA musical muito rico. Por isso, costumo dizer que prefiro acertar do que estar certo. Nas minhas produções, tenho o voto de Minerva, mas sempre vou ouvir quem está comigo. Tenho que deixar meus companheiros criarem.”
Para exemplificar seu método, o músico cita um causo ocorrido com um de seus principais parceiros de interpretação: Belo.
“Tínhamos que mandar o single do álbum ‘Primavera’ [2009] para as rádios. Eu escolhi ‘Ainda Estou Apaixonado’ como música de trabalho. Como produtor do álbum, achava que tinha que ser aquela. O Belo nunca foi de se meter muito nessas
questões, mas disse que não achava uma boa escolha, queria outra música. De início, tentei manter, mas acabei ouvindo meu parceiro. E a música que o Belo escolheu foi ‘Reinventar’.”
Segundos dados do Ecad, essa é terceira música mais tocada de Prateado pelo Brasil afora. As qualidades musicais e humanas do produtor chamaram a atenção de Thiaguinho, que o convidou para fazer parte de sua banda e ser diretor musical do fenômeno “Tardezinha”, uma das festas de maior sucesso do Brasil –e, claro, com um setlist recheado de sucessos de Prateado.
A irmandade entre os dois, que se conheceram ainda na época do Exaltasamba, ficou registrada em um evento no
Rio de Janeiro, em que se abraçaram e choraram ao som de “Oyá”, composta por Prateado e Carica, e eternizada pelo grupo Sensação.
Caneta de peso
Logo após chegar a São Paulo com a família, visitando sambas na megalópole, Prateado conheceu Carica. Os dois formariam o grupo Sensação, que marcou época entre os anos 1990 e 2000, e se tornariam uma grande dupla de compositores– uma espécie de Bebeto e Romário do samba. No início, as letras nasciam em caminhadas de 12 quilômetros na volta de festas no
bairro da Bela Vista (região central de SP) até o Peruche (zona norte), onde ambos moravam.
“Foi uma época linda da minha vida. Carica e eu tínhamos uma sintonia incrível, conseguimos criar tanta coisa nessas andanças que é até difícil explicar”, lembra Pretado.
Não é possível cravar se John Lennon e Paul McCartney, caso tivessem nascido num país lusófono, seriam capazes de compor “Procura-se um Amor”, mas tudo indica que a dupla brasileira, se nascesse numa nação anglófona, teria condições de criar “Please Please Me!”. Mas essa é uma questão que nunca será respondida. O que sabemos é que, no Brasil, o que Prateado toca vira ouro.