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Deixados de canto: corais tentam se reerguer na música pop gospel do Brasil

Deixados de canto: corais tentam se reerguer na música pop gospel do Brasil

Antes esquecidos, o canto coral vê surgir grupos dispostos a cantar em... grupo.

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Capas dos álbuns "Jesus, Alegria dos Homens" e do Coral Universidade de São Paulo, ambos de 1974

Nos cultos evangélicos no interior do Maranhão, a música era a parte predileta do adolescente Phabullo Rodrigues da Silva, hoje Pabllo Vittar. E ele nunca esteve sozinho: Daniel Garcia (mais conhecido como a drag queen Gloria Groove) e Priscilla (ex-Alcantara) também estão entre os artistas que se forjaram nos corais das igrejas. Agora, uma nova geração tenta levantar a voz para reerguer um gênero que já foi um estandarte da música no país.

Na década de 1970, houve um aumento da produção e da venda de discos em um país que vivia o “milagre econômico”, com uma inflação muito abaixo dos anos anteriores —coincidentemente, conglomerados da comunicação se consolidavam, e o Brasil se tornava um dos maiores mercados consumidores do mundo. Isso também influenciou o mercado fonográfico protestante, que passou a ter gravadoras, como a Doce Harmonia, que viam a população de evangélicos e o número de templos pentecostais e neopentecostais crescer desde a década de 1950. Mas, para os corais, a boa fase duraria pouco: na década seguinte, o canto coral entrou em declínio.

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“Engraçado, mas isso não ocorreu só no Brasil. Na Europa também existiu uma queda do canto coletivo, dos anos 1980 aos 2000. E, agora, nos três universos em que ele habita —o erudito, o congregacional e o popular— é possível ver um boom pós-pandemia”, diz Renata Bueno Tavares, que cresceu cantando na Igreja Adventista e, hoje, é regente de corais na Alemanha. “A gente vai ver interessantes expressões e renovações”, acredita.

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(Amy Maitland)

O nacionalismo, segundo Renata, também criou um ranço nas pessoas. Na Europa, isso aconteceu, principalmente, quando o canto coral foi cooptado pelo fascismo. “As pessoas pararam de cantar por associar o canto coletivo aos coros nazistas.” A regente diz que a onda nacionalista também traumatizou o Brasil quando, em 1931, o canto se tornou parte obrigatória do currículo escolar na Era Vargas. “Está voltando porque é uma necessidade natural do ser humano, mas houve um trauma.”

Outra explicação para o declínio desse tipo de música foi o sucesso do pop norte-americano. Responsáveis pela fusão de blues, jazz e gospel, os EUA também inundaram o mercado musical com seu pop-rock —e as rádios brasileiras disseram amém. “O produtores, as gravadoras, todo mundo começou a seguir essa lógica e a incentivar grupos gospel, deixando de lado os grandes corais”, diz Salvador Sousa, autor do livro “História da Música Evangélica no Brasil” (Clube de Autores/Editora Ágape, 2011).

A partir da década de 1980, então, o mercado musical cortava as asas de corais que vinham se proliferando e experimentando uma interessante fusão do rhythm and blues das igrejas norte-americanas com ritmos brasileiros, que iam do baião à bossa nova. Mas essa guinada à brasileira ficou mesmo estocada nos anos 1970, coincidentemente uma época também muito experimental na música pop feita por aqui. “Era possível observar o lançamento de discos de grupos menores, com cinco, seis pessoas. O custo de um coral é alto, e a prática é trabalhosa”, frisa Salvador. Como o mercado gospel ia se tornando mais lucrativo, o número de estúdios e gravações aumentou. Os corais, no entanto, passaram a ser chamados de grupos, ou de conjuntos. E foram enxugados.

Apesar de desprivilegiados na produção fonográfica, os corais eram ainda peças-chave nas igrejas.

A cantora Fernanda Brum, por exemplo, um dos maiores nomes da música gospel a partir do final da década de 1980, cresceu fascinada com o pai dirigindo corais na Igreja da Graça, em Madureira. “Onde quer que você chegasse, havia um coral. Mas eles foram dando lugar para os quintetos, quartetos e, depois, enfim para os ‘canários’, aqueles crooners que ficam mais à frente. Eu sinto muita falta de corais como o Prisma”, analisa, citando o grupo criado por Eli Prates em 1980 e dono de uma discografia de quase 60 álbuns de estúdio, com mais de cinco milhões de cópias vendidas.

Aos 5 anos, conta Fernanda, ela se viu impactada por um coral da Petrobras. Foi o início da paixão pelo canto. Em 1997, já com três discos solo no currículo, a cantora formou o quinteto Voices, ao lado de Marina de Oliveira, Eyshila, Jozyanne e Liz Lanne. O grupo seguiu junto por 15 anos.

“Todas nós vínhamos de corais. Então, mesmo com a questão econômica e a transformação do formato, inserimos corais em nossos álbuns. Sentíamos essa necessidade”, relembra a cantora. Grupos contemporâneos querem reacender a magia que os mais velhos encontraram em corais, como os seminais Coro da Igreja Evangélica Fluminense e o Coro da Primeira Igreja Presbiteriana do Rio, ambos da década de 1930, ou como o Coral Excelsior e o Coral da Renascença, destaques nos anos 1960 e 1970.

Grupos como One Service, Coral Resgate e Preto no Branco surgiram na última década, ao mesmo tempo em que a música protestante sentia (e ainda sente) os efeitos de um formato de adoração popularíssimo chamado worship (sobre o qual a Billboard Brasil se debruçou na edição #6). Mas o gênero, marcado por forte influência de pop, rock e folk, é apenas mais um dentro das influências que esses grupos buscam incorporar. A bem da verdade, eles parecem uma versão atualizada, e em português, da música gospel norte-americana, mais ligada ao R&B.

“As pessoas passaram a querer ouvir e cantar coisas diferentes. Também há uma necessidade natural de realizar atividades em grupo. O canto coral é perfeito para isso”, ressalta Laís Lourenço, integrante do One Service, liderado por Lucas Augusto e Paloma Assis, e com 70 integrantes de lugares diversos de São Paulo.

Com singles que passam de 1 milhão de streams, como “Eu Tenho Pai” e “Santo dos Santos”, o grupo se prepara para lançar o álbum “Passion”, sucessor do DVD “One Vision”, com influências do afrobeat e do trap. A estratégia de não se fixar em um formato deu certo e as aproximou de grandes nomes do gospel, como Aline Barros e Eyshila, que começaram na década de 1990, e de fenômenos recentes, como Priscilla e Júlia Vitória.

Esse movimento pode ser visto como fenômeno de um mercado gospel que, como os outros, vai encontrando brechas para subverter fórmulas já saturadas. Resta saber se os novos grupos conseguirão, além de dar fôlego e nova vida ao canto coral, também se estabelecer como importante celeiro de talentos vocais da música pop brasileira.

O jornalista, pesquisador Yuri da BS
Yuri da BS

É jornalista, pesquisador e programador musical. Repórter da Billboard Brasil desde o lançamento da marca, em 2023. Toca o projeto Bota Som de pesquisa e pancadões — por isso, o BS.

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