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Como Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, superou insegurança com a própria voz

Como Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, superou insegurança com a própria voz

Vocalista encarou baixa autoestima durante início da banda, nos anos 1980

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Dinho Ouro Preto

Fernando de Ouro Preto, o Dinho, é um sobrevivente. O frontman do Capital Inicial, destaque do rock nacional brasiliense dos anos 1980, superou o abuso de álcool, drogas e a baixa autoestima em relação à voz –que lhe trazia dúvidas sobre o futuro da carreira. “Eu não conseguia olhar para as pessoas, de tão encabulado. De me achar impróprio, inadequado. E, lá pelas tantas, me dei conta de que as pessoas estavam ali porque gostavam. Parece uma obviedade, mas é profundamente transformador”, diz, em entrevista para a #8 edição da Billboard Brasiladquira a sua aqui.

Ao lado da banda de rock, lidou ainda com as transformações na indústria da música: a chegada das redes sociais, a conquista das plataformas de streaming e o ciclo de altos e baixos do rock’n’roll no país. O Capital Inicial –de hits como “Natasha”, “Tudo Que Vai” e “Não Olhe Pra Trás” –segue como um dos principais nomes do gênero, mais de 40 anos depois. Músicas como “Primeiros Erros” constantemente aparecem entre as mil faixas mais ouvidas do Brasil. A banda atualmente faz 12 shows por mês e se apresenta, em 2024, pela nona vez no Rock in Rio.

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“A consequência de poder olhar no olho das pessoas é que tudo é amplificado. Esse elo é multiplicado por cem quando elas percebem que você está ciente e as vê individualmente. Minha vida mudou depois disso. Me transformei como artista, e transformou nossa relação com o público. Foi um divisor de águas, mas levou uns 20 anos [risos]”, explica.

Billboard Brasil: O Capital Inicial está em turnê para celebrar os 40 anos de carreira. Como se sente ao relembrar essa trajetória até aqui?
Dinho Ouro Preto: É um momento de retrospecto inevitável. Você fica avaliando o que poderia ter feito diferente e o que mudaria caso tivesse oportunidade. Houve momentos de grande felicidade e realizações, mas também de muita dureza, desentendimentos e hostilidade [risos], permeados por momentos esfuziantes. É curioso o que nos aconteceu, porque fomos a última banda de Brasília a gravar. Começa com os Paralamas do Sucesso, mas depois vêm a Legião Urbana e a Plebe Rude. O Capital fica penando por último. Com uns 20, 21 anos, lembro como um dos momentos mais complicados da minha vida, quando eu realmente pensei em desistir e fazer outra coisa. Isso aconteceu mais de uma vez, como na época em que saí do Capital e fiz discos mais alternativos, que não deram certo. Fiquei na dúvida se continuaria. Esses momentos aconteceram ao longo destes 40 anos, intercalados por fases de imenso sucesso popular.

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Capital Inicial (Leo Aversa/Divulgação)

E o primeiro disco veio em 1986…
Eu ainda estava em Brasília e me lembro de segurar um disco do Paralamas na minha mão. Tinha dificuldade de entender que aquilo era real. Eu conheço o Bi Ribeiro e o Herbert desde os 11 anos. A gente cresceu juntos, andava de carrinho de rolimã, skate. De uma hora para outra, tem disco de verdade tocando nas rádios em 1984. Quando a gente vai para São Paulo, a coisa muda. Pensamos: “Precisamos gravar também”. Mas a coisa não rola. Portanto, aparece esse momento de dúvida: “Será que nós somos tão bons quanto nossos amigos? Será que tem motivo?”.

Gravamos em 1986, e o primeiro disco vai muito bem para a gente. Era uma sensação perene de achar que isso tinha história, com começo, meio e fim. Na boa, isso durou muito tempo. Que era legal, bacana, voz da geração, foi importante ser registrado e bora voltar para casa [risos]. A gente achava que o que fazíamos, as bandas de rock, era diferente do pop, que era outra coisa. Gradualmente, vimos que a composição virou um hábito. Você percebe que tem outro disco pronto. Em 1987, lançamos “Independência”. E acabamos nos tornando músicos profissionais. Esse processo era natural e fácil.

É difícil compor para você até hoje?
Para compor precisa ter uma destreza e naturalidade que nunca tive. Sou disléxico e tenho TDAH [transtorno do déficit de atenção com hiperatividade]. Desenvolvi métodos para lidar com isso, e continua sendo difícil. O que eu faço é nunca parar. Vou anotando coisas que me chamam a atenção, como pequenos comentários, diálogos com pessoas, comentários que leio ou vejo em filmes. Tenho um companheiro de composição, que está comigo desde 1989, o Alvin L. É um grande amigo. Começamos a compor pelas referências em comum, e isso ajuda o diálogo entre nós. Eu escrevo, mando para ele, ele me manda, eu termino. Estou dizendo para ilustrar a diferença do que eu sou e o Renato Russo era, por exemplo. Vi artistas sem esse problema e com uma capacidade infinita de improvisar.

Não sou religioso, sou ateu. Então, eu tenho dificuldade em dizer que é um dom que cai do céu [risos]. Às vezes, parece que é uma inspiração, que o cara foi realmente escolhido para aquilo. Uns nascem com isso, e outros constroem. Eu sou da segunda opção. Sou ciente disso hoje. O esforço colocado, o quanto eu sofri com isso, com comparação e vários momentos de insegurança e incerteza. Isso permeou estas décadas todas. Acho que tive vários problemas de saúde mental. Eu não lembro da minha adolescência como um período feliz, mas de angústia. Talvez esteja presente nas primeiras coisas que a gente fez, ter uma visão meio torta do mundo.

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Capital Inicial (Leo Aversa/Divulgação)

Que tipo de problemas de saúde mental?
Hoje eu me medico. Tomo ansiolíticos e estabilizador de humor. Talvez eu devesse ter sido medicado quando eu era mais jovem. A história de você ser disléxico e ter TDAH… Isso não tinha nome na época. Isso é fonte de uma frustração enorme. Porque você entende que é capaz de tudo, mas tem uma dificuldade que parece uma camisa de força. Você luta contra aquilo. Quando eu era menino, eu não sabia o que era, mas eu sentia.

Como você vê a cena hoje em dia?
Todo mundo consegue gravar e mostrar sua música. O Aborto Elétrico [banda de punk rock do fim dos anos 1970] nunca gravou, isso é inimaginável hoje. O outro lado da moeda é que você fica pulverizado no oceano de informação. Quando começamos, lá atrás, fazer do rock’n’ roll uma carreira era inimaginável. Tínhamos os Mutantes, Rita, Casa das Máquinas, era uma cena pequena. Ter sucesso nacional, atravessar gerações, era inimaginável. Hoje a garotada tem acesso às redes sociais, streaming e tem o nosso exemplo, as gerações dos anos 1990 e 2000. Se eu pudesse aconselhar, eu não diria que é a hora de pensar em marketing, em construção de carreira. Então, tem que pensar em música, tornar-se compositor e dizer algo relevante. Aí, sim, você vai se destacar.

Tem algum arrependimento?
Ter tentado [a carreira] fora do Brasil. O que é complicado dizer, porque era muito importante [a música] ser em português. Era fundamental que as pessoas entendessem o que estava sendo dito. Mas não vou ficar me lamentando. Acho que foi muito maior do que eu jamais imaginei.

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Em algum momento você pensou em desistir da música?
Hoje, em retrospecto, eu percebo minhas virtudes e meus defeitos. Tenho algo no palco que talvez os outros não tenham: o prazer de estar ali. O lado da criação me pegava, mas a parte de tocar sempre achei um tesão. Talvez seja a resposta da pergunta sobre por que eu nunca parei. Eu gostava para caralho dessa sensação, dessa descarga de adrenalina. Eu não bebo, não fumo para tocar e sinto as endorfinas. Sinto o meu sangue bombear e o prazer que é. No balanço dessas duas coisas, da dificuldade inerente e um prazer infinito, o prazer prevaleceu. Foi o que me fez nunca parar e chegar aonde cheguei.

O Capital Inicial durante ensaios para o show no festival Doce Maravilha
Capital Inicial (Davi Sá/ divulgação)

Uma vez, você disse que seu maior sonho era escrever um livro. Esse sonho continua?
Gostaria muito de conseguir [escrever o livro]. E isso é frustrante, porque eu já comecei e parei algumas vezes. Penso em fazer uma coisa meio como Truman Capote [1924-1984] em “A Sangue Frio”, uma mistura de fato e ficção. De não saber se aquilo aconteceu ou não, de algumas coisas serem imaginárias e outras não. Disciplina, ordem, eu tenho dificuldade. Mas não vou deixar me atormentar mais, porque já me atormentou a vida inteira [risos].

E quais são seus próximos passos?
Estou preparando mais um disco, estou com as músicas todas prontas. Eu espero que o Capital ainda grave neste ano. Não gosto muito de nostalgia. Os 40 anos da banda precisavam ser celebrados, não tinha jeito. Não queria que eu desse a carreira do Capital como encerrada. Ok, acabou, vamos só olhar para trás. O que mantém uma banda viva é a possibilidade de ter um futuro, de pensar nos próximos projetos, quem vamos chamar, assim como qual é a sonoridade que vamos buscar, que parcerias vamos fazer… Gostaria de começar a turnê também neste ano. Acabei acumulando muito material. Por isso, tenho o suficiente para lançar um disco agora, fazer uma turnê e lançar outro na sequência. Eu vinha acumulando, ao longo da pandemia, essas pinceladas [de letras], que mais tarde entendi o motivo de terem sido importantes para mim naquele momento.

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