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Como o trap, o rap e o funk saíram da periferia para revolucionar o mainstream

Como o trap, o rap e o funk saíram da periferia para revolucionar o mainstream

Capa da terceira edição da Billboard Brasil trouxe grandes expoentes do gênero

Sucesso, fama e dinheiro: 2023 foi um ano próspero para os artistas da chamada música urbana: o encontro de funk, trap e rap atingiu seu auge até aqui e ocupou espaço nos mais variados cantos do Brasil. Os números são impressionantes –seja na quantidade de plays, seja nos milhões de seguidores em redes sociais. “Nós somos a cara do Brasil”, resume Rodrigo Oliveira, presidente da GR6, produtora especializada em funk.

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Duquesa, L7NNON, Livinho, MC Luanna, N.I.N.A, Slipmami, Veigh e Vulgo FK representam, nas páginas da Billboard Brasil, esse coletivo –que tem crescido com força e brilho próprios, trilhando caminhos, traçando estratégias e sem deixar ninguém para trás –embora as diferenças entre homens e mulheres ainda sejam acentuadas. “O mercado é machista”, decreta MC Luanna.

No Billboard Brasil Hot 100, mais de 20% das músicas contam com rappers ou MCs de funk. Entre 2022 e 2023, a reprodução de músicas de rap e trap no Spotify, principal plataforma de streaming do país, passou de 1,1 bilhão para 2,1 bilhões (um crescimento de 90%), segundo dados da Crowley.

Esses números se traduzem em relevância real. O próprio Spotify, por exemplo, criou o CREME, festival dedicado aos gêneros. O The Town, que reuniu 500 mil pessoas em São Paulo, teve um palco dedicado a artistas de rap e trap (além de artistas que também estiveram presentes no palco principal –caso dos MCs Cabelinho, Ryan SP e Hariel).

Gêneros nascidos e lapidados nas periferias, antes vistos com preconceito, hoje fazem girar o mercado de música e do entretenimento, atraindo, claro, a atenção das marcas. No início dos anos 2010, um grupo de funkeiros paulistanos acionou uma empresa de roupas e acessórios norte-americana citada por nove em cada dez MCs. Na conversa, pediram apoio e patrocínio. Como resposta, os funkeiros teriam recebido uma sugestão direta —e extremamente ofensiva: a marca desembolsaria o dobro do sugerido para que os músicos nunca mais falassem dela nas letras nem usassem seus produtos nos videoclipes.

A história mostra como as empresas viam o mercado da música urbana no Brasil: com desprezo. Mas, com o crescimento vertiginoso do segmento, ficou difícil ignorá-lo. De tanto martelar nomes de grifes nas rimas, os MCs de funk e de trap enfim chamaram a atenção de marcas, como a francesa Lacoste e a norte-americana Oakley.

“Ver a presença do crocodilo no cenário da música urbana contribui para nos conectar com diferentes comunidades ao redor do mundo, nos mantendo atuais e relevantes”, afirma a Lacoste, por meio de nota oficial.

Luiz Fernando Musa, CEO da agência Ogilvy Brasil, ressalta justamente o ponto destacado pela Lacoste e um dos grandes trunfos desses gêneros: a diversidade. “É fundamental entender o movimento da música urbana como plataforma que tem potencial de conexão com diversos públicos.”

Vulgo FK acrescenta: “O nosso estilo de vida, como falamos e nos vestimos, influencia bastante os jovens. A música é 80%, mas os outros 20% vêm da identificação”.

A aproximação do mercado com a periferia se explica em números. Segundo dados de 2020 dos Institutos Data Favela e Locomotiva, as cerca de 13 milhões de pessoas que vivem nas favelas do Brasil movimentam R$ 119,8 bilhões por ano –mais do que 20 dos 27 Estados da federação.

Essa nova relação entre música e marcas se traduz em parcerias como a de MC Hariel com a Lacoste, a de Livinho com a cerveja Itaipava, a de MC Don Juan com a Heinz, a de L7NNON com Red Bull, a de Mano Brown, dos Racionais MC’s, com a Fila e tantas outras.

“As gravadoras estão correndo atrás de um trem que partiu faz uns quatro anos”, resume um empresário que trabalha com funk e trap há mais de uma década, mas preferiu não se identificar. Em 2023, os grandes conglomerados da música enfim despertaram para a importância de terem, em seu casting, artistas desses estilos, principalmente de trap.

Exemplos de como o mercado mainstream bobeou foram as entradas de Vulgo FK na Som Livre e de Kayblack na Warner. Os dois estão entre os nomes mais bem-sucedidos do trap no Brasil: entre as mil músicas mais ouvidas dos charts, Vulgo marcava presença nove vezes, enquanto Kayblack aparecia em 15 faixas até o fechamento desta reportagem, em novembro.

No início do ano, Rodrigo Oliveira, presidente da GR6, produtora especializada em funk, percebeu o crescimento do trap e foi atrás dos dois artistas, que já se destacavam na cena paulistana. Rodrigo contratou ambos por um valor milionário, mas que ainda cabia nos dedos de uma mão. O empresário, então, se reuniu com executivos de gravadoras e ofereceu parceria com seus novos contratados, concluindo o negócio por valores também milionários, mas que ficavam na casa da dezena. Tanto Vulgo FK quanto Kayblack já tinham trabalhos no forno quando assinaram contratos com majors.

O álbum “Perdas e Ganhos”, do primeiro, emplacou diversas músicas no Billboard Brasil Hot 100, com destaque para “Ballena”, presença cativa na lista há 13 semanas consecutivas, chegando a ocupar a 25ª posição do chart. Já Kayblack emplacou o single “Melhor Só”, em parceria com Baco Exu do Blues.

Essa profusão de novos artistas acumulando milhões de plays nos streamings e lotando shows pelo Brasil fez com que o mercado fosse atrás de novos nomes. E assim o trap cresceu, com diversos selos independentes espalhados pelo país.

A Labbel Records, que cuida de Duquesa; a Supernova, responsável por Veigh; a Mainstreet, que tem o rapper Borges como sócio; e a 30PraUM, que pertence a Matuê e agencia Teto e WiU, são exemplos de sucesso que tentam manter uma distância segura da grande indústria.

“É muito fácil ser influenciado, mas aqui [em Fortaleza, sede da 30PraUM], não. O cantor tem mais tempo de ficar no estúdio e já sai diferente da maioria”, conta Clara Mendes, CEO da 30PraUm. Investir em talentos da região em que viveu ou cresceu é importante para os artistas. Como Matuê, que não deixa o Ceará, Veigh, por exemplo, investe nos parceiros de Itapevi (Grande São Paulo). E assim a corrente se fortalece.

A união é uma marca da cena atual da música urbana. “Cada um tem o seu espaço, a sua expertise. A soma é importante”, avalia Konrad Dantas, fundador da KondZilla. “O vínculo dos artistas, que extrapola o âmbito profissional, cria uma audiência engajada para além da música”, diz Lucas Lang, sócio da Mainstreet.

Esse caminho de mãos dadas é diverso e vem marcando a história da música brasileira, criando oportunidades onde nem sempre havia e transformando a vida de muita gente país afora. É como conta Duquesa: “Antes, minha família lidava com a minha carreira musical como um hobby. Hoje, ligo para a minha mãe toda semana para contar onde estou, para onde viajei. Meus parentes ficam todos felizes. Virei o orgulho da minha cidade.”

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