Um dos maiores nomes do trap no Brasil, Matuê admite sofrer de síndrome do impostor
Cantor cearense detalha processo criativo para show no The Town
“Pode me chamar de Matuê, Tuê, de Matheus”, diz, sorrindo”. Do outro lado da tela, é possível avistar um jovem de 29 anos, cujos olhos brilham a cada palavra que sai de sua boca. A humildade faz até esquecer, por pelo menos um segundo, de sua magnitude. Matuê é um dos mais bem-sucedidos cantores em atividade do país. Sucesso avassalador, é uma máquina de hits como “Kenny G”, “É Sal” e “Anos Luz”, muitos deles emplacados no Billboard Brasil Hot 100. Não é pouca coisa, não.
Isso acontece porque, por trás dos carros, das joias e das letras sobre o luxuoso estilo de vida que um dos maiores trappers do país conquistou com unhas, dentes e versos afiados, Matuê carrega consigo o DDD 085, de Fortaleza, no Ceará. A cidade natal é encarada como um talismã que o guia em todos os aspectos de sua vida. Matheus Brasileiro Aguiar mora até hoje na capital do estado, onde montou sua gravadora, a 30PRAUM –responsável pela carreira de outros grandes nomes do gênero, figurinhas fáceis no Hot 100, como Teto e Wiu.
Mas mais do que manter contato com suas raízes, o trapper enxerga o poder que a música tem quando o intuito é educar e, também, inspirar as novas gerações.
“Eu vejo que as pessoas têm uma visão regionalizada sobre o Nordeste. Então, eu peguei para mim essa missão, como um artista de um gênero jovem, de sempre levantar a bandeira da minha região”, conta. “Como foi com o Plantão, festival que desenvolvemos e aconteceu em Fortaleza, em abril deste ano. Sugeriram fazê-lo também em outros lugares, mas depois vimos o quão incrível foi atrair as pessoas para virem conhecer a cidade e ver o quanto nós evoluímos [como cena].”
Ele também revela que, além de sempre procurar trabalhar com artistas locais, os auxilia como pode em problemas judiciais com gravadoras, por exemplo.
“Não quero ver ninguém da minha área deixando de fazer música”, afirma. O legado de Matuê ganhou novas formas, cores e, principalmente, sons, no palco da primeira edição do The Town. Em um show que levou, em suas palavras, uma visão futurista do que ele acha que representa essa nova geração artística do Nordeste.
“A gente eleva muito a autoestima da rapaziada quando consegue mostrar nossa capacidade conceitual e criativa em cima de um palco”, diz.
Até chegar ao formato do show “Matuê Convida o Nordeste”, criado especialmente para o evento, foram necessárias algumas versões que combinassem o formato colossal de um festival com 100 mil pessoas por dia e a visão criativa que Matuê almejava para o projeto. A principal inspiração para o conceito do show foi sua avó Núbia Brasileiro.
“Eu nasci praticamente grudado na minha avó. Ela era professora de artes, poeta e escritora. Escrevia muito sobre o seu orgulho de ser nordestina e ser de Fortaleza. E isso foi uma das coisas que ela me passou”, conta.
“O que eu carrego da minha avó foi o que eu aprendi com ela em vida. Mas, depois que ela morreu, confesso que não fui atrás para ler o que ela fazia, porque sempre foi algo que mexeu muito comigo. Então, o processo desse show foi muito emocionante para mim. Enquanto vasculhávamos o material dela, me deparei com certas coisas que se conectam com o que eu venho fazendo, e eu nunca tinha tido a clareza de entender o que ela queria dizer. Eu sempre soube que ela deixou para mim um legado na música e na arte, mas agora isso se concretizou de uma maneira muito mais forte.”
Para prestigiar tamanha homenagem, Matuê levou o avô Lagildo Brasileiro, de 86 anos, para São Paulo. Mesmo tão acostumado ao palco e às multidões, o músico admitiu que estava nervoso para a apresentação.
A presença do avô, companheiro de Núbia em vida, tornou a apresentação ainda mais especial. “Ele já tem 86 anos e, apesar de ser muito forte e lúcido, sempre me fala: ‘Meu filho, eu não sei quanto tempo mais eu tenho, então eu preciso aproveitar’. Eu falei para ele vir, porque ia ser especial para a avó”, contou.
Essa sensibilidade dialoga com a revelação de que, no começo do sucesso, o cantor sofria com a famigerada síndrome do impostor –ou seja, quando alguém sente que não merece tudo o que conquistou. Nesse caso, não é como se Matuê ainda estivesse questionando o próprio valor, mesmo admitindo que ainda reflete sobre seu papel como artista, mas, sim, encarando a responsabilidade de contar sua história e de sua família naquele palco, na frente de milhares de pessoas que o têm como ídolo.
Na entrevista feita antes do show para a TV, o trapper surgiu com a voz embargada, como se lutasse para segurar as lágrimas. E era mesmo essa batalha que estava enfrentando naquele momento.
“No início [de um show], nós não podemos nem dar espaço para a emoção, porque estamos focados na entrega”, disse ele no camarim logo após a apresentação, que contou com a voz e a imagem de Núbia no telão, recitando alguns de seus textos, com versos homenageando Fortaleza –como “vê-la uma vez é amá-la para sempre”.
“Do meio para o fim, consegui dar uma relaxada e sentir mais a vibe do show. Eu me conectei com as músicas e com as imagens, aí me deixei ficar mais um pouco emocionado”, admitiu.
Se a responsabilidade pelo sucesso deixa Matuê acordado noite adentro, a apresentação em homenagem a avó deve ter feito com que o cantor, pelo menos, tenha sorrido ao deitar a cabeça no travesseiro naquela noite.
Afinal, Matuê honrou não só sua região, mas também sua família e a própria história, fazendo o que insegurança nenhuma pode impedir. Ao comandar o palco em frente a uma multidão a perder de vista, se provou um dos maiores cantores brasileiros da atualidade, com o orgulho e a excelência que carrega em seu sangue há muitos versos e gerações.