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O pianista brasileiro que sonhava em tocar com Whitney Houston e conseguiu

O pianista brasileiro que sonhava em tocar com Whitney Houston e conseguiu

O pianista Jetro Alves da Silva tornou-se, além de pianista, um amigo da cantora

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O pianista Jetro Alves da Silva durante concerto no Rio de Janeiro

Minha família e eu assistíamos ao “Nelson Mandela Concert” pela televisão do nosso apartamento, na rua Barata Ribeiro, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Era 1988, e o evento pedia a liberdade de Nelson Mandela [1918-2013], ex-presidente sul-africano e ativista condenado injustamente à prisão perpétua por sabotagem e conspiração. Artistas pretos como eu subiam ao palco. Mais ou menos como eu, na verdade. Pretos, sim. Artistas, também. Mas eu ainda era um novato aos olhos de Emílio Santiago, que havia me dado emprego como tecladista.

A câmera, então, focou a Whitney Houston [1963-2012], e eu, na mesma hora, disse: “Um dia toco com ela”. Um pensamento alto, que passava pela minha cabeça como algo muito factível e que fez com que todos rissem de mim. Decerto pensaram: “O Jetro pirou”. Àquela altura, ter tido condições de morar em um apartamentinho em Copacabana graças ao meu piano parecia muita coisa mesmo. O máximo que um preto da Baixada Fluminense poderia ter atingido. Mas, no fundo, eu sabia que aquele apartamento não era o meu máximo.

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Jorja Smith (Reprodução/Instagram)

Em pouco tempo, tive a sorte de conseguir uma ajuda financeira que me levou a Boston, nos Estados Unidos, para estudar na Berklee College of Music, universidade considerada uma das melhores do mundo –onde também, anos depois, eu viria a lecionar. Mas o que eu mais queria era tocar com ela.

Vamos para 1999. Eu liguei para Rickey Minor, baixista e ex-diretor musical do Grammy, para mostrar uma composição para Al Jarreau, um dos maiores cantores de jazz da história. Mas Rickey usou a ligação para me oferecer uma bifurcação do destino: “Você não quer tocar na banda de Chaka Khan ou na de Whitney Houston, não?”Então foi assim: “Caramba! Sou tecladista da Whitney Houston! Vou sair em turnê com ela!”. Detalhe: faltavam poucos dias para eu me casar. Então, estou eu, em Viena, na Áustria, tocando na turnê “My Love Is Your Love”. E a Whitney sempre terminava os shows com “Jesus Loves Me”, um gospel –era uma coisa linda, procurem no YouTube. “Yes, Jesus loves me/ Oh, yes, Jesus loves me”, ela cantava. Abri os olhos e era ela, na minha frente, falando comigo. “Muito obrigada”, ela disse. Eu chorava, porque não tinha ideia do meu impacto naquela megabanda –e muito menos na vida daquela que era então a maior cantora do mundo.

De repente, uma notícia: “Jetro, a turnê vai ser estendida”. Mas a minha cabeça já estava fazendo planos para o casamento. Eu só não imaginava que teria que negar um pedido da chefe. E então era ela, de novo, em minha frente —e como era linda, né? “Jetro, seguinte: você vai segurar o seu emprego ou vai se casar?” E insistiu: “Sua mulher vem de Concorde e vocês se casam na turnê”. Não aceitei, não queria ter um casamento celebrado pela minha chefe Àquela altura, apesar do gesto amigo, ela era só minha chefe. Mas esses movimentos de uma popstar daquele porte com um músico da banda me sensibilizaram. Tinha algo a mais por vir.

E veio. Em 2010, eu voltaria a ser músico da banda dela –e eu já não queria mais a estrada, estava como professor em Berklee, estabelecido. Mas, sim, aceitei, seduzido por uma cantora que, sabendo da minha forte conexão com a religiosidade, afirmou no último ensaio que eu seria o responsável por “estudos bíblicos” na turnê. Ganhei missão maior do que apenas tocar. No meu aniversário, ganhei um jantar tête-à-tête com ela. É mole? Eu e a Whitney Houston. Foi o maior barato. Um momento que eu jamais jogarei fora e que mostrava, para a minha surpresa, como tinha ali alguma intimidade, um laço.

Isso se confirmaria tempos depois quando, ainda na estrada, ela me parou e disse que havia tido um sonho. “Era um homem de chapéu, mais velho, negro. Ele conversava comigo e dizia que a minha voz era o trompete do mundo.” Aquela foi minha última conversa com ela. A cantora com quem eu sonhava lá no meu apartamento em Copacabana e com quem depois tive uma relação afetuosa, até espiritual. Dois anos depois, estávamos eu, meu piano e as músicas de Ms. Whitney E. Houston em um concerto em homenagem a ela em Berklee. Era 13 de fevereiro, dois dias depois da morte daquela chefe que acabou virando uma grande amiga.

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