O nome da canção “Liberdade”, lançada por Gabriel O Pensador e Armandinho em setembro passado, reflete um momento diferente na carreira do cantor gaúcho. Em entrevista à Billboard Brasil, o autor de “Desenho de Deus” contou que precisou se libertar do próprio egoísmo e se abrir para parcerias, os tão falados feats. Além de Pensador, Armandinho contribuiu com nomes como Braza e Planta e Raiz só em 2023. Ele revelou que o próximo feat será com os rappers da Oriente.
Ao analisar o mercado da música, lamentou a falta de originalidade dos dias de hoje, lastimou o declínio do CD como mídia física e garantiu que seu reggae pop é único no Brasil. Na conversa realizada em um hotel de Florianópolis momentos antes de um show gratuito no Largo da Alfândega, ele se declarou à Santa Catarina, estado onde escolheu viver e constituir família. Por fim, o músico de 53 anos foi franco ao relembrar abertamente o bullying sofrido na infância e a tortuosa luta contra a dependência em álcool.
Só este ano, você esteve em três feats, com Planta e Raiz, Braza e, mais recentemente, Gabriel O Pensador. Esse tipo de colaboração não era comum na sua carreira. Como tem sido trabalhar com outros artistas?
Agora estou conseguindo dividir e compor músicas com outros artistas. Eu era muito egoísta, queria escrever sozinho, não conseguia escrever com outro compositor. Queria fazer as frases do jeito que eu acho que tinham que ser. Sentia como se alguém viesse na minha casa e quisesse mudar os móveis. Não, não, não! Mas eu consegui vencer isso, consegui me tornar uma pessoa mais aberta. Compor junto não é compor na minha casa, é compor nas duas casas, entendeu? Lancei com o Gabriel O Pensador uma música que se chama “Liberdade”. Eu chegava no show e dizia: “liberdade, consciência, juventude e fé”. O refrão dessa música com o Gabriel é exatamente isso. Ele entra rachando num rap e a música ficou muito boa, tem uma mensagem muito legal. Estou gravando também com o Oriente uma música bem praiana, que se chama “Praieira”. Que é uma menina que gosta de jogar a canga na areia, que gosta de curtir os bloquinhos de Carnaval no Rio. Bem a cara do Rio de Janeiro.
O mercado hoje valoriza muito os feats, porque eles multiplicam a audiência ao atingir diferentes públicos… É difícil se adaptar a esse novo momento?
Hoje a gente tem mais liberdade de mostrar o nosso trabalho. Mas eu acho que às vezes o que falta é construir um trabalho inédito, não imitar ninguém. Meu som, um reggae pop, é um reggae que talvez não tenha outra banda no Brasil que faça. Hoje tem muitos cantores que vêm, passam e vão embora. É difícil virem artistas para ficar hoje em dia, apesar dessa facilidade de divulgar o nosso trabalho na internet.
O consumo de música mudou muito nos últimos vinte anos. Foi dos CDs ao streaming…
Antigamente o CD tinha um atrativo porque era como se fosse um vinil. “Tu” prensava milhares de CDs, chegava nas cidades antes do show e distribuía. Então, a cidade inteira passava a escutar o teu trabalho antes do show, isso era muito bom, porque chegava no palco e tava bombado. Quando os CDs saíram de cena, eu confesso que senti falta. E tem aquela coisa de ser um álbum que conta uma história. Hoje vêm singles, vêm duas, três músicas. O disco contava uma fase que o artista estava passando e eu sinto falta disso hoje.
Você sofreu com a gagueira na infância. É verdade que a música te ajudou a superar esse problema?
Eu era muito gago quando era criança. Logo depois que os meus pais se separaram, eu devo ter ficado com algum trauma, e de uma hora para outra eu fiquei gago. Fiquei com dificuldade de fala. E a gente sabe que na escola, cara, isso aí para para sofrer bullying é fácil. Tinha colegas que chamavam outros amigos para me ver falar e rir. Quando eu comecei a tocar violão, me dei conta que quando ligava aquele metrônomo –”tac, tac tac”– eu começava a falar meio que ritmado, como o rap de hoje. A música entrou de vez na minha vida porque comecei a ter orgulho de ler os textos. Acabei virando atração, porque todo mundo me chamava para tocar nas peças de teatro. Eu transformei um problema em uma qualidade e a música desde essa época entrou na na minha vida e tomou conta.
Você fala abertamente sobre sua recuperação como dependente do álcool no passado. É uma mensagem de responsabilidade que deseja passar aos fãs?
A mensagem de verdade é que várias pessoas poderiam dizer assim: “cara, não sou só eu, o Armando também. É um cara que passa positividade para a gente, apesar de ele ter os dois polos”. Eu sou bipolar, tenho que tomar minha medicação, e consigo controlar isso, levar a minha vida e mostrar para o público só a minha parte boa. A parte boa que eu tenho se chama Armandinho e a parte completa que eu tenho se chama Armando, uma pessoa que tem problemas como todas as outras.
Gostaria que falasse um pouco sobre a sua relação com Santa Catarina. Lugar que escolheu para morar e dedicou canções como “Rosa Norte” e “Praia Brava”.
Eu acho que Rio Grande do Sul e Santa Catarina meio que são São Paulo e Rio, entendeu? A gente pode morar no Rio, mas trabalha em São Paulo. Pode morar em São Paulo, tem afazeres no Rio. Aqui os dois estados são muito próximos, né. E Santa Catarina é um lugar que é mais cosmopolita que o Rio Grande do Sul, tem mais turismo pelos atrativos que tem. Eu me mudei para cá há 22 anos porque sou surfista e comecei a fazer shows no centro do país. Estava muito difícil ter que voltar para Porto Alegre. Adotei Santa Catarina como minha segunda pátria, que hoje considero a primeira pátria junto com o Rio Grande do Sul. Eu sou gaúcho de Porto Alegre com muito orgulho, mas sou catarinense de coração e as minhas filhas, inclusive, nasceram aqui.