Dez anos depois de suas duas primeiras indicações, Gaby Amarantos estará de volta ao Grammy Latino, cuja cerimônia acontece em 16 de novembro. A cantora paraense foi indicada com “TecnoShow” na categoria melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa exatamente uma década após seu disco de estreia, “Treme”. Recheado de versões de hits internacionais, o álbum é uma espécie de reconexão entre a cantora e a música de aparelhagem que fez sua fama. Em entrevista à Billboard Brasil, ela fez um balanço da sua carreira e comemorou que, após tanto tempo, o tecnobrega vem sendo reconhecido nas premiações internacionais. Segundo ela, o preconceito que sua música sofreu em uma rádio de São Paulo recentemente é apenas um sintoma de um problema muito maior na indústria musical do país.
Billboard Brasil: “TecnoShow” foi indicado ao Grammy Latino dez anos depois de “Treme” também ter concorrido ao prêmio. O que você espera?
Gaby Amarantos: Já chorei tanto, estou tão feliz. Ando num estado de graça, que paro e penso: “É isso mesmo: eu fui indicada ao Grammy”. Meu Deus, já vou começar a chorar [risos]. É muita luta, são muitos anos. Meu sonho é colocar o tecnobrega na lista dos estilos musicais brasileiros, sabe? A gente vê hip hop, funk, kpop, piseiro, pop nas listas e muitas vezes não vê o tecnobrega. Acho que agora, com essa indicação, a gente vai conseguir trazer esse olhar para o nosso ritmo. Artistas já estão falando comigo para gravar. Isso vai fortalecer a cena não só para a Gaby, mas para outros artistas também. Para a gente poder colocar esse estilo no pedestal, no lugar de destaque que ele merece. Assim, a minha missão de vida vai ter sido cumprida.
O álbum “TecnoShow” é um tributo ao tecnobrega, àquela música de aparelhagem, que bota todo mundo para dançar. O disco é repleto de versões abrasileiradas de sucessos internacionais. Como foi se reconectar com esse período?
Eu estava há muito tempo esperando essa reconexão. Desde o meu primeiro álbum eu já queria ter gravado músicas do “TecnoShow”, mas só consegui gravar as minhas autorais. O tecnobrega é uma das primeiras culturas musicais do Brasil a fazer essas versões internacionais. O brasileiro está finalmente entendendo mais a cultura do tecnobrega, da aparelhagem. Minha equipe buscou todas as autorizações das músicas internacionais para poder lançar nas plataformas. Isso é muito importante, eu sei que é um assunto burocrático, mas é muito importante a gente legalizar esse movimento, tirar da marginalidade e mostrar para as pessoas o quanto ele é potente. Estou preparando o “TecnoShow Volume 2”, que vai vir com vários feats e trazer o tecnobrega para as plataformas, para a galera poder ouvir qualquer lugar do mundo. Tudo legalizado!
As versões seguem em alta, vide “Coração Cachorro” e “Lovezinho”. Acha que o brasileiro tem esse apetite pela antropofagia, pela mistura?
É trazer para a nossa linguagem, né. A gente consome tanta coisa gringa incrível, não só norte-americana, mas asiática como o kpop, africana como o afrobeat…. Mas a gente não se limita a consumir e copiar uma sonoridade. A gente é brasileiro, né. A gente tem muita criatividade, então fazemos do nosso jeito. O tecnobrega também é mais uma forma de traduzir essas músicas.
Você denunciou recentemente que uma rádio se recusou a tocar uma de suas músicas. Como você vê o preconceito regional e a invisibilidade do Norte na indústria musical brasileira?
O preconceito regional parte muito da ignorância e da falta de conhecimento em relação a toda a cultura incrível que a gente produz aqui no Norte. Mas o mais importante a falar desse assunto é que as pessoas canalizaram muito ódio em cima de uma única rádio e eu queria aproveitar essa oportunidade para falar para as pessoas que não é só uma rádio. A gente tem diversas outras rádios públicas, rádios que se dizem de música popular brasileira, que têm programas de música brasileira e não tocam música do Norte. Como que uma programação de uma rádio não tem música do Norte? Como é que pode a música do Norte ser invisibilizada desse jeito em lugares que dizem tocar música brasileira? É essa provocação que eu quero fazer para as pessoas, para refletir num todo. Como é que uma premiação de música que é uma das maiores do Brasil não tem uma categoria que contempla artistas da Amazônia, por exemplo? A Gaby não quer brigar, não quer causar. Eu só quero provocar, no meu lugar de comunicadora, de artista, com o microfone e a voz que eu tenho. Gente, se não tem Norte, não é Brasil. Está incompleto.
Conte um pouco mais sobre o processo criativo de “Pirarucool”, seu projeto mais recente, lançado em outubro.
É um EP que tem remixes e releituras. Ele veio com vários feats maravilhosos, com Lexa, Johnny Hooker, Majur e com a Leona Vingativa, minha filhota aqui do Jurunas. É a forma como eu mostro para as pessoas uma outra Amazônia fora do estereótipo a que elas estão acostumadas. Muitos acham que aqui é só mato, que a gente não tem tecnologia, que a gente não tem desenvolvimento. A gente é uma potência e a cena está muito forte, com festivais de música incríveis. As pessoas precisam vir mais para a Amazônia para poder mergulhar nessa cultura, conhecer essa música.
Assim como o funk, o tecnobrega dialoga muito bem com o pop internacional. Além de Beyoncé, quais eram as suas influências gringas?
Do ponto de vista internacional, eu tenho muita sorte de ter crescido num bairro da periferia de Belém chamado Jurunas. O Jurunas é um lugar muito musical, onde eu cresci com a Rádio Cipó, que era uma rádio que tinha nos postes. Ouvia música o dia inteiro, a minha infância inteira. O vizinho da frente tinha uma aparelhagem, então ele tocava a música o dia inteiro também. Sempre ouvi muita música brasileira, música paraense, muito carimbó, muito brega, tudo que era sucesso nas novelas. Mas eu sempre gostei muito de música eletrônica. O que chegava pra mim era house, techno. O tecnobrega é filho do house, assim como o funk é filho do Miami bass. O paraense, assim como o carioca, foi encontrando a sua forma de fazer essa música internacional. Eu pegava a letra, sei lá, de Roxette, Cindy Lauper, Beyoncé e queria cantar esses hits em português. Então eu escrevia as letras e fazia as versões. A gente disponibilizava numa plataforma e a galera já saía distribuindo. A gente queimava o CD e já saía vendendo no mesmo dia. Aquilo se espalhava rápido pelo estado inteiro.
Você cresceu em contato direto com a Floresta Amazônica. Como essa vivência influenciou a sua música e a sua trajetória como artista?
Tive a sorte de ter uma infância ribeirinha. Todas as férias, finais de semana e feriados eram na Amazônia. Tomava banho no rio, subia na árvore para apanhar o açaí, pescava. Aprendi o nome das árvores, das frutas, dos chás e das ervas com meus avós. Toda essa imersão na cultura amazônica eu trago para minha música.
Nas últimas semanas, uma capital amazônica (Manaus) foi engolida pela fumaça e convive com uma seca histórica. As mudanças climáticas parecem ter chegado para ficar. Como os artistas podem desempenhar um papel nesse processo de conscientização?
O que acontece em Manaus é muito grave. As pessoas ficam tão comovidas com o que tá acontecendo em Israel – que é super importante e muito triste de se ver – mas essa essa comoção é seletiva. Não se não se olha para o Norte, pouco se fala do que acontece em Manaus. Eu fui uma das poucas artistas a falar sobre isso, não só porque sou da Amazônia, mas porque essa causa me toca. Os manauaras são nossos irmãos, vizinhos aqui do lado.