Banda Uó voltou: ‘O que nós fazíamos dez anos atrás as pessoas estão fazendo hoje’
Em entrevista exclusiva, Mel, Mateus e Davi falam sobre turnê de celebração
Não, você não clicou num link antigo por engano. Após marcar época entre 2010 e 2018, quando anunciou um hiato, a Banda Uó está de volta á ativa. Neste ano, o trio de Goiânia embarca em uma turnê inédita para comemorar o que só o tempo o fez entender: como sua presença foi visionária no pop brasileiro e na vanguarda da presença de cantores LGBTQIA+ no mainstream nacional.
Na primeira entrevista da banda neste retorno, anunciado com exclusividade à Billboard Brasil, Mateus Carrilho, Davi Sabbag e Mel (que estrela a capa da edição de janeiro ao lado de Raquel e Pepita) contam como foi difícil fazer segredo sobre o reencontro da Banda Uó, que deve percorrer diversas cidades pelo país. “Só as pessoas envolvidas no projeto sabiam. Não contamos nem para os nossos amigos!”, divertem-se.
A reunião era um desejo antigo dos fãs, que há cinco anos lotam as publicações dos integrantes nas redes sociais de comentários e pedidos.
“Não podemos postar nada sem que eles peçam para voltarmos. Só faltava começarem um mutirão. Em um festival a que eu fui, as pessoas me paravam e pediam o comeback. Até fiquei com medo de terem vazado algo antes da hora”, conta Mateus. “Com a nostalgia impulsionada pela pandemia, diversos outros grupos voltaram aos palcos. Nós também sentimos essa sinergia de comemorar o que a banda foi.”
Mas, afinal, o que foi a Banda Uó? Criada em 2010, ela logo viralizou na internet pela combinação explosiva e um tanto quanto inusitada de uma estética excêntrica, com letras bem-humoradas e faixas dançantes, como “Búzios do Coração” (“Eu não sou Seu Jorge nem pareço com Alcione, não tem nem comparação/ Não sou mãe de santo, mas entendo os búzios do seu coração”) e “Cremosa” (“‘Cê vai ser exorcizada/ Vai virar uma beldade indomada/ Pegará a empresa inteira/ E depois ser demitida por causa da sua beleza”).
Tudo isso chamou a atenção do produtor musical Rodrigo Gorky, que, na época, ainda integrava o grupo Bonde do Rolê. “Era como se eles fossem filhos do Bonde. Então, pedi por favor para produzi-los”, ele conta.
Em 2011, foi a vez de o trio ganhar a internet com “Shake de Amor”, versão tecnobrega de “Whip My Hair”, música de estreia de Willow Smith. Só em 2012 lançaram o primeiro disco, “Motel”, com hits como “Faz Uó”, que já mobilizava jovens a fazerem dancinhas e postarem na internet, bem antes dos desafios do TikTok.
Já assinados com a DeckDisk, lançaram o segundo álbum, “Veneno”, em 2015. “Lembro de a gente chegar e falar que queria fazer uma música chamada ‘Arregaçada’, e ninguém nos impedir”, diz uma Mel até hoje perplexa. A faixa, que conta com um sample de “U Can’t Touch This”, clássico de MC Hammer, se tornou o maior hit da banda, com mais de 5 milhões de streams no Spotify, e virou tendência no TikTok nos últimos meses de 2023.
No final do trio, o som da Banda Uó ficou mais pop, o que ajudou a emplacar a música “Catraca” na novela “I Love Paraisópolis”, da Rede Globo. “Mudamos um pouco o estilo [para tentar a TV], porque vimos que a indústria ainda tinha preconceito com o brega”, lembra Davi.
De lá para cá, o cenário mudou bastante –ainda bem. Dá até para dizer que a Banda Uó andou para que Pabllo Vittar pudesse correr (em cima de seus saltos vertiginosos). Afinal, o trio foi um dos primeiros a fazer um mix de gêneros musicais de diversas regiões do Brasil, com referências internacionais extremamente atrativas para a juventude da época. Uma geração que vive, ouve ou até produz músicas sem a obrigação de se encaixar num rótulo. E tem algo mais pop do que isso?
“O que nós fazíamos dez anos atrás as pessoas estão fazendo hoje em dia. No Brasil, o que é pop é o sertanejo e o brega, e trazíamos isso para a nossa música, mesmo com os jovens não ouvindo tanto esses gêneros naquela época”, crava Davi. E Mateus acrescenta: “Um dos nossos trunfos também foi a valorização dos símbolos e da estética brasileira nos nossos clipes”.
“A gente veio de uma época em que não tinha referências na indústria. Nós cavamos muita coisa. Sofremos bastante, não éramos convidados para nenhuma premiação ou festival. Muita coisa que fizemos só foi ter notoriedade agora que o Brasil está valorizando artistas do pop. Estávamos muito cansados disso tudo. Precisávamos desse tempo para entender qual foi o nosso legado”, desabafa Mel.
Além da herança artística do trio, sua presença como cantores LGBTQIA+ sob os holofotes também foi transgressora para a indústria e para os jovens que cresceram ouvindo a banda. “Nós viemos nessa vanguarda, criando uma narrativa pop do país, fazendo parte dessa comunidade e tocando para um público que também faz parte dela”, conta Mel.
Os três relatam que, inicialmente, se blindavam em relação à mídia, evitando falar sobre sexualidade por temer o preconceito, principalmente em programas de televisão. No entanto, entenderam, por causa dos fãs, o quanto a representatividade era importante. A presença dos cantores no showbiz não só era, como segue sendo relevante para muitas pessoas. “Esse reencontro também serve para mostrar que estamos vivos e maduros”, diz Mel.
Nos últimos cinco anos, ela, Mateus e Davi se dedicaram às carreiras solo, cada um à sua maneira, aprendendo a fazer música ao lado de outras pessoas e se aprofundando em suas identidades como cantores. A volta do grupo também sacia a saudade do que construíram e viveram juntos, aumentando ainda mais essa potência artística.
Mas é importante ficar claro: trata-se de uma reunião pontual do grupo, e não de seu retorno definitivo. A turnê, com direito a banda e dançarinos, está prevista para acabar em junho. Os bastidores serão documentados em vídeo. E quanto a músicas inéditas? Os integrantes parecem divididos entre o medo de não conseguir honrar o legado e a certeza do entrosamento artístico que os conecta até hoje de forma tão natural.
Isso prova que a Banda Uó continua fiel à sua essência: sem ser previsível, deixa os fãs atentos aos seus próximos movimentos, seja de dança ou de dominação mundial.
Turnê de reencontro
O primeiro show anunciado acontece no dia 20 de abril no Hopi Pride Festival, no interior de São Paul, o único festival LGBTQIA+ realizado em um parque temático no Brasil. O grupo ainda se apresenta em diversas capitais ao longo do ano com datas a serem divulgadas –veja mais informações sobre ingressos aqui.
Unindo a música pop com o balanço do brega, a Banda Uó foi sucesso absoluto desde seu primeiro EP “Me Emoldurei de Presente Pra Te Ter” lançado em 2011. Nesse mesmo ano, o trio foi vencedor do prêmio Melhor Clipe pelo Video Music Brasil com a música “Shake de Amor”.
O trio acumula parcerias com grandes nomes da música nacional e internacional como Luiz Caldas, Preta Gil, Karol Conká, Mr. Catra e Diplo, participou de programas como Som Brasil, promovido pela Rede Globo, e fez parte da trilha sonora da novela “I Love Paraisópolis”, também exibida pela emissora.