Paul Gilbert, guitarrista do Mr. Big, conta impacto da perda da audição na carreira
Músico relembra como precisou driblar o problema de saúde
Paul Gilbert, guitarrista do Mr. Big e um dos maiores instrumentistas de sua geração, fala, em depoimento exclusivo à Billboard Brasil, de como percebeu a perda da audição e que solução encontrou para driblar o problema.
“Você raramente percebe que está perdendo a audição. No começo, tem dificuldade em compreender um diálogo por completo. De cada dez palavras, entende sete e adivinha o resto. O problema é que, com o passar do tempo, a gente escuta cada vez menos. Eu perdi diálogos inteiros porque não compreendia o que a outra pessoa estava falando. Se você acha que foi esnobado por mim, sinto muito. Talvez tenha sido a surdez em seus estágios iniciais.
Eu lido com essa situação desde os meus 20 anos. Mas, claro, fui um adolescente típico da minha geração, daqueles que escutavam rock pesado no volume máximo enquanto tentavam imitar a virada de alguns de seus bateristas prediletos –no meu caso, Neil Peart, do Rush, e Alex Van Halen, do Van Halen. Só percebi que estava passando por um sério problema de audição em 1998, quando gravei ‘King of the Clubs’, meu primeiro disco solo. Durante a mixagem, eu ficava implicando com o técnico de som porque não conseguia escutar os pratos da bateria. Foi então que ele me mostrou que estavam no volume máximo. Foi o sinal que eu precisava para cuidar da minha saúde.
Na verdade, eu já devia ter prestado atenção no meu histórico familiar. Meu avô e minha mãe tiveram problemas de audição e nunca dedicaram suas vidas ao rock. Nas bandas de que participei e participo, como Racer X e Mr. Big, e na carreira solo, eu era um fã da música à toda altura. Se tivesse dado mais atenção ao histórico familiar, eu teria escutado música e tocado num volume mais baixo.
A primeira reação à perda auditiva é o medo. Porque a única coisa que eu sei fazer é música e me desesperei quando o teste de audiometria acusou que eu havia perdido grande parte da minha capacidade de escutar. Não me imaginaria trabalhando, sei lá, num McDonald’s da vida. Eu não conseguiria escutar se o cliente quer fritas acompanhando o hambúrguer ou não. A solução foi me readaptar. No final das contas, consigo trabalhar. Uso um aparelho de surdez no dia a dia. Ele não tem a praticidade de um óculos –que também uso–, mas é o melhor que posso ter no momento. No palco, utilizo um fone de ouvido especial que bloqueia o som exterior. Sou um músico disciplinado, raramente perco o tempo de uma canção. Mas, por precaução, deixo o baterista de sobreaviso para ele me avisar se estou correndo ou não com o tempo da música.
Para mim, a maior dificuldade está na compreensão de palavras. Nunca sei o que Eric Martin, vocalista do Mr. Big, fala para a plateia, porque estou de fones. Ele pode, sei lá, estar xingando a ONU (Organização das Nações Unidas) e vou me portar como se fosse a coisa mais doce que ele proferiu. A maior tortura se dá no dia a dia. Por exemplo, nas reuniões da escola do meu filho. Quando tem muita gente no mesmo lugar, eu balanço a cabeça e finjo que estou entendendo. E se tiver de assistir a algum filme, eu certamente o farei com legendas.
Perder a audição é perder a interação com as pessoas, o contato com o resto do mundo. Os meus diálogos têm de obedecer a um certo código de comportamento. A pessoa tem de conversar num tom alto e olhar para mim. Porque se não conseguir entender o que ela fala, tentarei pelo menos ler os seus lábios.
Ainda assim, continuei minha vida profissional e me adaptei a uma nova realidade. A tecnologia ajuda com certos empecilhos que possam aparecer. Tenho de tirar uma canção com um arranjo complicado? Coloquei no meu computador um software chamado The Amazing Slow Downer, que desacelera a melodia para que eu possa entender cada acorde. É claro que o fato de hoje eu ser um músico muito melhor ajuda bastante.
Recentemente, lancei ‘The Dio Album’, um tributo a Ronnie James Dio, vocalista que tem uma carreira solo histórica e atuou em bandas como Black Sabbath. É um artista que eu admiro e me permitiu trabalhar canções de vários períodos da carreira dele. Uma das faixas é ‘Lady Evil’, que ele gravou com o Black Sabbath no disco ‘Heaven and Hell’, de 1980. Ela traz uma curiosidade: descobri que a introdução da música é semelhante a ‘Devil Woman’, do Cliff Richard, roqueiro inglês dos anos 1960. Infelizmente, nunca consegui perguntar isso para o Dio, já que ele morreu há mais de uma década. ‘The Dio Album’ é um trabalho instrumental. Mas, às vezes, me permito algumas ousadias. O início de ‘Don’t Talk to Strangers’ é sussurrado. Eu usei então um pedal wah wah, que lembra o de uma voz humana, para dar um bom efeito.
O meu grupo, o Mr. Big, está em plena atividade. Estamos pensando em lançar um novo trabalho e, em abril de 2024, estaremos no Brasil, no festival Summer Breeze. O show faz parte de ‘Big Finnish’, turnê de despedida do grupo. Algumas de nossas melhores recordações são do Brasil. Trinta anos atrás, tocamos numa praia de São Paulo para uma multidão. Foi um dos melhores shows.
Gosto muito do meu trabalho no Mr. Big, mas creio que a gente fez tudo o que poderia fazer. Quisemos parar enquanto ainda sentimos prazer de tocar ao vivo.
Sabe, tenho sorte também de a minha família ser compreensiva. Porque, muitas vezes, eu poderia estar ao lado deles, mas estou dando aulas de guitarra por vídeo, editando outras aulas e trabalhando no próximo –e definitivo– álbum do Mr. Big. Criar canções pode ser um processo fácil, mas também muito cansativo. E aí você fica de mau-humor, vai caminhar para ver se a inspiração chega… Estou passando exatamente por esse processo e todos compreendem.
Gosto de saber que as pessoas usam minha história para se inspirar. Gostaria de voltar ao passado e dar uns toques ao adolescente Paul Gilbert. Tipo: ‘Não coloque seus fones de ouvi- do num volume similar ao de um show quando estiver escutando música, não bote os ouvidos no alto-falante de palco. Ah, Paul: sabe quando você coloca o som no talo? Não faça isso, seus ouvidos vão agradecer’. E quanto a você, que está lendo este depoimento… Se você está naquela fase de achar que o som do cinema está baixo demais, que as pessoas não falam alto o suficiente e que o seu disco predileto nunca mais soou tão limpo quanto nos seus tempos de adolescência… Sinto muito, o problema está em você!”.