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Urias: ‘Me considero uma diva pop, não vou negar, mas não sou só isso’

Urias: ‘Me considero uma diva pop, não vou negar, mas não sou só isso’

Cantora é destaque na Billboard Brasil de janeiro

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Nascida —e renascida— como Urias Martins da Silva, ela decidiu manter o nome (bíblico) de batismo ao iniciar sua jornada artística. Os primeiros passos da cantora transexual de 29 anos na música foram parecidos com os de tantas outras cantoras nacionais e internacionais: com covers de faixas famosas compartilhadas na internet.

Assim, aos poucos, chamou a atenção de um público que só cresce e segue dando play em tudo o que ela faz. Conterrânea e amiga de Pabllo Vittar, de Uberlândia, Minas Gerais, Urias gostava de misturar Alcione com Azealia Banks. Dessa miscelânea, nasceu seu primeiro álbum autoral, “Fúria”, de 2022, tornando-a revelação da música brasileira. A grande virada veio em 2023 com o sucessor, “HER Mind”, no qual interpreta canções em inglês, espanhol e, claro, em português.

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O batidão refinado, lançado em duas etapas –com direito a versão em vinil–, levou Urias para cada canto do Brasil com a turnê do disco –culminando na maior apresentação de sua carreira, no The Town, em setembro. Em entrevista à Billboard Brasil, Urias refaz seus passos até aqui. Um passeio desde a rotina dividida entre as covers e o trabalho CLT, até a decisão de explorar as profundezas da própria mente e o que o futuro (que não deslumbra) lhe aguarda.

Em entrevistas anteriores, você já se incomodou com perguntas sobre seu corpo e sensualidade. De onde vem esse incômodo? E como tem lidado com isso agora?

Quando lancei “Fúria”, tudo o que era me perguntado, não só em entrevistas, mas de pessoas no geral, era sobre meu corpo. Tanto num lugar de erotização como de importância social. Eu me sentia muito afastada de uma certa normalidade. Quase que “exotificada” mesmo. Eu queria falar sobre outras coisas e instigar as pessoas a me fazerem perguntas que ultrapassassem o meu corpo. Então decidi que queria falar sobre a minha mente, o que resultou no “HER Mind”. Li um estudo que comparava o cérebro de pré-adolescentes cisgêneros e transexuais, e isso me trouxe um leque de ideias para o álbum. Aproveitei o que eu aprendi e coloquei isso nas músicas. As pessoas estudam a cabeça do ser humano há séculos, mas eu fui excluída dessa humanidade, ninguém nunca estudou a minha mente e o meu corpo. Isso, para mim, era uma grande comprovação do meu lugar biológico, que não é só algo social, mas também de advogar para que o meu corpo seja reconhecido como parte da natureza –o que é verdadeiro. Eu trouxe flores e coisas do tipo para o álbum como uma forma de mostrar que eu desejo me integrar à natureza e reafirmar a minha existência.

“HER Mind”, o álbum, foi um grande marco na sua carreira. Você tem colhido os frutos até agora e participou de grandes festivais, como o The Town. Era algo esperado?

Eu não esperava. Não costumo criar expectativas para não me decepcionar lá na frente. Eu ansiava que as pessoas que já me acompanhavam iriam continuar curtindo, entendendo e absorvendo o álbum. Esperava que meus fãs fossem ferver com o álbum, entender o trabalho e continuar comigo. Mas não sabia que iria me abrir tantas portas. Na minha vida inteira eu sempre fui assim: ‘Você vai fazer e, chegando lá, a gente vê’. Não costumo ficar pensando sobre o ano que vem, onde eu estarei. Sou pé no chão, mas não deixo de fazer minhas coisas. Vou lá e dou o meu melhor. Agora, se for sucesso ou não for, pelo menos está lá no meu portfólio que eu fiz [risos]. Graças a Deus e aos orixás, tudo está sendo grandioso.

Você comentou sobre não criar expectativa para não quebrar a cara. É algo que já aconteceu contigo?

Eu achava que não tinha mais sonhos para realizar, e aí veio tudo isso. Tanta coisa acontecendo, estou realizando tantos sonhos, viajando o Brasil com a minha turnê.

E como foi se apresentar num dos maiores festivais do país, com um público de 100 mil pessoas?
Foi um show de extrema importância não só pela grandeza do The Town, um festival que já chegou do tamanho que chegou. Mas o processo para colocar meu show no palco de um evento enorme tirou de mim coisas igualmente gigantescas. Mudei o modo como ensaio, a estrutura, iluminação, tudo. Aprendi sobre os meus limites, sobre o que eu sou capaz de entregar, sobre quantas horas eu consigo ensaiar em cima de um salto alto [risos]. Sem falar em todo o retorno que essa apresentação trouxe para o meu trabalho, um público novo que me ouviu com mais atenção.

Você é perfeccionista? Participa e opina de tudo o que acontece em seus shows?
Tudo, tudo, tudo. Chego para a minha equipe e divido minhas ideias. Escrevo meus roteiros para os videoclipes. Nos primeiros, até os croquis dos meus looks fui eu quem desenhei. É óbvio que, no início da minha carreira, eu não tinha a estrutura da equipe que eu tenho hoje, então eu tinha que fazer tudo. Eu nem sabia o que era stylist.

Depois do lançamento de “HER Mind” você foi alçada ao posto de diva pop. Concorda com essa definição? Sonoramente, acredito que não. Mas eu sou uma filha de diva pop, e se não tiver a coreografia, a capa, o look, o cabelo… Eu não vou sentir que está certo. Me considero uma diva pop, não vou negar, mas não sou só isso. Existem muitas possibilidades de expressão, e esse título não me define de maneira completa. Mas, sim, eu amo um cabelão batendo, o povo gritando.

Para esse trabalho você decidiu não contar com nenhuma colaboração, embora toda a indústria da música esteja apostando nos feats. como estratégia para bombar. Foi uma escolha consciente?
Eu cheguei a tentar, mas quando vi o conjunto da obra, senti que estava completa. Abordei alguns artistas independentes, nomes de fora do país que fazem parte de uma cena que eu acompanho, mas quando chegou a hora de fazer todos os trâmites, eu me senti insegura. Muita coisa bate. Depois, quando eu vi o disco pronto, agradeci a mim mesma por não ter mandado [as músicas para outros artistas], fiquei feliz com a forma que já estava.

E como as coisas funcionam agora, que você tem um time maior trabalhando ao seu lado?
Eles me deixam muito livre, desde meus empresários até os produtores que trabalham comigo. Eu me sinto à vontade com eles, e sempre que acabo um projeto me questionam: “E agora, você vai falar sobre o quê? O que você quer lançar?”. Costumo dar o fundamento do que eu estou imaginando e deixo quem trabalha ao meu lado criar. Enxergo essa relação como coletiva. Todo mundo faz um pouco.

Foi daí que surgiram os planos para explorar “HER Mind” em outras plataformas?
Sim, decidimos junto que iríamos lançar a versão em vinil. Sempre quis fazer isso, acho muito chique para um artista ter um trabalho nessa plataforma. Se eu pudesse, inclusive, lançaria até CD, mas sei que o público não consome esse tipo de mídia mais. Também decidi trabalhar em peças de merchandising oficial, com a ideia de me aproximar dos meus fãs. Quando a gente gosta de algum artista, a gente quer estampar esse amor por aí, nas roupas, em tudo. Foi um grande close.

Como você avalia sua trajetória?
Desde a minha primeira cover, desde o primeiro álbum… Não imaginava nada disso acontecendo. Sonhar eu sempre sonhei. Mas ver que realmente as coisas estão acontecendo… No início, eu tinha que dividir a música com a minha rotina de trabalhadora com carteira assinada. Fiz todo tipo de coisa: atendente de shopping, telemarketing, professora de inglês, de dança. Hoje vejo que as coisas não estão só acontecendo, mas também me permitindo viver disso, pagar minhas contas.

A experiência como professora de inglês te faz flertar com o idioma nos seus trabalhos. Você pensa em se lançar no mercado internacional?
Eu procuro manter minha mente sempre aberta em relação a isso, como no “HER Mind”. Sempre vejo se o público vai acompanhar as minhas ideias.

Você mescla eletrônico, música latina e també brasileira. É algo que pretende continuar fazendo?
Nos meus próximos projetos, quero cantar em português. Estou com saudade de me comunicar na minha língua. Sempre quis fazer essa mistura de música eletrônica com elementos brasileiros, como berimbau, cuíca. Quero que a parte da “fritação” das músicas remeta ao samba. Eu queria que as pessoas ouvissem lá de fora pensando que tinha um gostinho brasileiro. Queria provar para mim mesma que havia muitas outras possibilidades de fazer música brasileira, mesmo que em outro idioma.

Trabalhar com essa mistura é um desafio para você?
A música eletrônica, querendo ou não, não deixa de ser música brasileira. Quero que as pessoas que me escutam, seja nas baladas ou nos fones de ouvido, pensem: “Isso é do Brasil”. Essa vontade veio com um sentimento de desafio. Eu brinco que não me dou um minuto de paz.

Como o Dia da Visibilidade Trans, celebrado em 29 de janeiro, bate em você?
Não é uma opção minha não falar sobre esse assunto. Ainda acontecem as mesmas coisas no nosso país, ainda é uma questão de sobrevivência para mim. Não deixo de levantar a bandeira, pois isso faz parte de quem eu sou. Essa data é muito relevante, mas ainda não recebe a importância que deveria. Temos muito para caminhar ainda. A gente precisa que aliados se aproximem da causa. Nós [pessoas transexuais] já estamos organizadas. Precisamos ser ouvidas.

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