Os bastidores de ‘Escândalo Íntimo’, de Luísa Sonza
Tudo sobre o álbum da cantora, que chegou abalando os charts
No clássico da literatura “As Mil e uma Noites”, a princesa persa Xerazade criou um estratagema genial para se livrar do destino cruel ao qual o sultão Xariar reservava às suas consortes (o sujeito, temeroso de uma traição, ordenava que as moças fossem decapitadas no dia seguinte ao casamento). Ela criou então uma série de histórias, cuja conclusão só se dava no dia seguinte. Por mil e uma noites (haja assunto!) Xerazade enfeitiçou Xariar com seus contos. Até que, apaixonado, ele desistiu de passar a cimitarra no pescoço da amada.
Num hotel cinco estrelas de São Paulo, Luísa Sonza escuta a história da nobre persa e faz uma analogia com as consequências do sucesso.
“No meu caso, a decapitação viria através da indústria, dessa sociedade capitalista e problemática”, desabafa.
Mas, afinal, qual é a similaridade entre o personagem principal de uma compilação de contos do século 9 e uma das artistas pop mais bem-sucedidas dos últimos tempos? É que “Escândalo Íntimo”, novo álbum de Luísa, que chegou às plataformas de streaming no dia 31 de agosto (e ela tem planos de lançar uma versão em vinil), é formado por uma série de canções que contam sobre um relacionamento amoroso.
E, a exemplo da persa, ela deu pequenas pistas e spoilers ao longo das semanas que precederam seu lançamento. Os xariares de Luísa agradeceram e se empolgaram. “Escândalo Íntimo” quebrou o recorde de streamings no país: 8,5 milhões só no Spotify em menos de 24 horas, batendo “Super”, o mais recente disco de outra estrela do pop nacional, o cantor paulista Jão.
“Escândalo Íntimo” foi gravado em Los Angeles, cidade para onde Luísa se bandeou no mês de julho ao lado de colaboradores fiéis, como o produtor e diretor musical Douglas Moda, o diretor criativo Flavio Verne, e compositores aliados como Jenni Mosello (que trabalhou em “Doce 22”, disco anterior de Luísa), Carolzinha e Bruno Caliman –este último uma espécie de autor/talismã do universo sertanejo.
“Ficamos 45 dias no estúdio. Criou-se um entendimento, uma identificação muito grande”, explica a cantora. “Foi um processo de composição muito intenso. A Luísa contagia as pessoas: a gente ficava triste ou feliz, conforme o mood dela no dia”, diz Jenni.
A autora conta que Luísa tinha um bloco de anotações com os assuntos que ela queria tratar no disco. “É por isso que as músicas soam tão sinceras, a gente se permitiu vivenciar as experiências dela.”
Bruno, hitmaker por trás de sucessos de Luan Santana, Gusttavo Lima e Munhoz e Mariano, entre outros, colaborou com “Chico”, “Iguaria”, “Carnificina” e “É Demais”, canções que vão do pop à MPB.
“Para mim, foi muito empolgante. Garimpar influências do passado e ao mesmo tempo soar contemporâneo. Foi incrível fazer parte dessa história”, derrete-se.
Embora Luísa se permita falar de sexo e desejo, “Escândalo Íntimo” tem qualidades que vão além do discurso sexual. Tem blues que se transmuta em pop, canção de essência sertaneja que vira balada soul, música acústica que vira pancadão. É um trabalho para o público atual, que não se divide mais em nichos: gosta tanto de rock quanto do forró de Wesley Safadão.
A lista de participações tem a dupla sertaneja Maiara e Maraisa, as cantoras Duda Beat e Marina Sena, e o rapper Baco Exu do Blues, entre outros. As letras fazem referência ao cancioneiro de Chico Buarque e Rita Lee, mas também à dupla José Augusto e Paulo Sérgio Valle.
Ele retrata o momento em que o popstar diz “e agora?” e tem de se decidir entre manter uma fórmula de sucesso que pode estar desgastada ou tentar algo novo. O Skank fez isso quando trocou o reggae pelo Clube da Esquina, a dupla Anavitória passou do folk fofo para a MPB tradicional e para o afoxé. Luísa atirou para o que deu na telha, e se deu muito bem.
Céu e inferno, sonho e realidade
“Campo de Morango”, o primeiro single, deu a falsa impressão de que se tratava de mais um álbum de batidas inspiradas em trap, rap e a música eletrônica.
Mas Luísa se permitiu trilhar caminhos mais ousados. “Chico”, dedicada ao ex-namorado, o influenciador Chico Veiga, conhecido como Chicoin ou Chico Moedas, tira inspiração da bossa nova.
“Diziam pra mim/ Que essa moda passou/ Que monogamia é papo de doido/ Mas pra mim é uma honra/ Ser uma cafona pra esse povo”, professa a letra.
Este foi o segundo single de “Escândalo Íntimo” e chegou ao top 30 do Spotify Global, além de ocupar o #1 do Billboard Brasil Hot 100. Já a faixa “Luísa Manequim” é inspirada no samba-rock “Luísa Manequim”, do compositor luso-brasileiro Abílio Manoel.
Outro destaque é “Penhasco2”, no qual faz um dueto com a popstar norte-americana Demi Lovato. As duas, aliás, cantaram juntas no The Town. “Senti a Demi muito engajada com o Brasil, muito interessada, muito preocupada com o show.” Uma das curiosidades é que Demi canta em português –e sem aquela dicção de gringo que entra de gaiato no samba. “Parecia uma brasileira”, afirma Luísa.
O show da turnê de “Escândalo Íntimo” estreou oficialmente na primeira edição do The Town. O cenário trazia uma divisão entre céu e inferno, sonho e realidade, diante do qual Luísa desfilou seus maiores hits.
O álbum chega acompanhado por um documentário na Netflix sobre os bastidores da gravação e da vida de Luísa. O disco, aliás, tem um final aberto: baseado nos sonhos e pesadelos de sua protagonista, ele sugere –ou não– uma continuação. A Xerazade do pop, afinal, adiou a decapitação e ganhou uma sobrevida.