Gusttavo Lima e o incêndio que destruiu casa na infância: ‘Vivi sob um pé de manga’
Capa da Billboard Brasil #9, cantor falou sobre saúde mental e família


Com a mesma facilidade com que abre seus projetos, Gusttavo Lima, capa da edição #9 da Billboard Brasil, lembra da infância sofrida, incluindo a época em que viveu debaixo de um pé de manga, após a casa de sua família pegar fogo.
O Gusttavo que você vai conhecer nesta entrevista exclusiva (leia a primeira parte da entrevista aqui) surpreende ao falar até de saúde mental e da ajuda psicológica que o conduziram por um importante processo de autoconhecimento.
Hoje a sua vida é o extremo oposto da sua origem. Você concorda que o fato de ter vivido em uma realidade tão humilde foi decisivo para a sua determinação?
Eu tenho plena certeza. E vou te falar uma coisa: até hoje não acredito no que estou vivendo. Entro num estado de gratidão tão grande, vejo as fotos de onde eu estava, de onde eu vim, a lágrima escorre no olho. Até hoje a ficha ainda não caiu pelo fato de eu estar vivendo o que vivo.
Lembro de você ter me contado uma vez que morou, quando criança, embaixo de uma árvore.
Eu tinha 3 ou 4 anos de idade. Morava em uma casinha de pau a pique, que pegou fogo e a gente não conseguiu salvar nada. A comida que a gente comia meu pai plantava na horta lá de casa. Minha família era muito simples, mas a minha mãe era muito caprichosa. A gente não tinha nada, nem geladeira, e nossos mantimentos queimaram todos, nossas roupas também.
A gente deve ter ficado uns 15 ou 20 dias embaixo de um pé de manga. Pegamos um pedaço de plástico e fizemos como se fosse uma cabana. Nessa época minha mãe foi picada por um barbeiro e teve [doença de] Chagas. Por isso usou marcapasso durante 20 anos. Foi então que ela se aposentou e nossa vida ficou um pouquinho melhor, porque ela começou a ganhar aposentadoria, que era de R$ 200 naquela época.
Você perdeu sua irmã e sua mãe em momentos distintos que o abalaram demais.
Perdi a minha irmã, a Luciana, em 2012. Ela morreu dormindo, do nada. Deixou uma bebezinha de um ano, que hoje está com 12, a Laurinha, minha sobrinha. Minha mãe morreu em 2015, mas ela mãe estava sofrendo, já tomava muito remédio controlado, então ela descansou. O que minha mãe fez aqui na Terra não vou ver nenhum ser humano fazer, não.
A gente morava em uma rocinha de pau a pique e, qualquer andarilho que ela visse, colocava para dentro de casa, fazia comida. Teve andarilho que morou com a gente por mais de dois anos. E eu ficava bravo, porque eu tinha a minha caminha e eu precisava sair para o andarilho dormir. Eu nem imaginava o bem que ela estava fazendo, minha mãe foi fora da curva.
Você vê muito dela em você?
Muito! Acho que o amor pela família, por exemplo, pelo meu pai, pelos meus irmãos, pela minha mulher, pelos meus filhos. Sou um cara muito família. No palco eu até posso ser meio zuretado, falo besteira, mas, fora dele, eu dou a vida pelos meus. E não precisa ser família, pode ser amigo, conhecido.
Na maioria das vezes, eu me decepciono, mas ao mesmo tempo em que existem pessoas ruins, existem pessoas boas. E são as pessoas boas que estão ao nosso lado para o que der e vier. Eu nunca vou esquecer de onde eu vim.
Vamos falar sobre saúde mental. Eu queria saber como você trata sua cabeça? Como são suas noites de sono?
Quem hoje no Brasil dorme? Eu tenho um ritual: sempre que eu vou me preparar para dormir, para não ficar rolando na cama, tomo um suco de maracujá bem forte. Tomo também melatonina. Mas, quando o sono não bate, fico preocupado, porque, se eu não dormir, não tenho voz. E como vou cantar sem voz? Quando a gente chega ao hotel às 4h da manhã, o sono vai embora.
Durante a semana, você acorda cedo. Como ajusta seu horário?
O primeiro dia é sempre difícil. Eu durmo meia-noite ou uma da manhã. Na terça, eu já consigo dormir às 22h ou às 23h. E, com filho pequeno, às 7h ele já está batendo na minha cara: “Acorda, papai”. Você pode ver que estou com a mão toda suja, porque estava consertando o carrinho dos meninos. Estou desde as 7h da manhã pintando os carros.
Esse é o meu tempo de qualidade, quando eu esqueço do mundo. Uns dois ou três dias por semana eu consigo dormir bem. Mas, quando vou para a estrada, às vezes, preciso de remédio para dormir.
Você faz terapia?
Faço. Eu achava que era conversa fiada, mas eu indico, é legal para você abrir a mente. Eu nunca trouxe traumas da minha infância. Muitas pessoas culpam os pais por tudo o que viveram. Muitas vezes, a gente tem que compreender que a forma que nossos pais nos trataram foi a forma que eles aprenderam.
Mesmo que não seja a melhor forma, a gente precisa ter sensibilidade para saber que a criação de antigamente era mais rústica, mais bruta. Hoje, você não pode falar nada que já vira um alvoroço. A terapia me ajudou a redescobrir quem sou e não a ficar jogando [nos outros] a culpa do que aconteceu na minha vida.
Criar filhos é um grande desafio, não?
É o meu grande desafio. Mais do que a música, do que tudo. Você educa e, infelizmente, os meninos crescem e vão embora. Você cria filho para o mundo. As pessoas pensam que meus filhos vivem só no luxo. Eles têm coisas boas, mas a criação e as brincadeiras do dia a dia são muito parecidas com o que eu vivi na minha infância.
Você e Andressa nunca tiveram muitos funcionários para cuidar dos filhos, né?
Não. A Andressa sempre fez esse papel muito bem. Nunca tivemos babá. A gente até tem uma pessoa de confiança quando precisa. Mas coisas essenciais, como banho, educação sexual, levar e buscar na escola… Nunca deixamos outra pessoa levar e buscar nossos filhos na escola, sempre somos nós. Quando estou de folga, às 12h eu levo os meninos, às 18h eu busco. Quando não posso, é a Andressa. Esse é o meu maior desafio: ter tempo de qualidade com meus filhos, criar boas lembranças. Estou me desdobrando, mas acho que me saio bem.
Você vê algum talento artístico neles?
Eles são supermusicais. Mas, se me perguntar, digo que não quero que vão para a música. É muito sofrimento, ao mesmo tempo em que é gostoso. Mas as noitadas, as viagens… O que cansa são as viagens.
Você, há um tempo, falou que tem uma procura dos streamings para transformar sua vida em documentário, filme ou reality show. O que avançou?
Filme. A gente começa a gravar neste ano. No ano que vem, se Deus quiser, até o fim do ano ele estará pronto. Esse filme vai mostrar quem realmente é o Gusttavo. A gente mesmo é que vai fazer. O produtor com quem mais me identifiquei foi o Hermano Vianna. Ele fez um esboço da minha vida que me deixou emocionado.
Eu não quero um filme que tenha cara de novela, quero um negócio mais rural, de onde eu vim, sabe? A referência é “Dois Filhos de Francisco” [longa de 2005 que conta a história de Zezé Di Camargo e Luciano]. A verdade que aquele filme passa, a ótica, as imagens, a textura são fora da curva.
No ano que vem você vai lançar seu novo projeto, o “Paraíso Particular”?
Sim, vamos fazer dez edições do “Paraíso Particular” e, em 2025, faremos 80 shows no total. Já anunciamos uma edição para abril, em Belo Horizonte, no Mineirão. É um evento que vai acontecer à tarde, começar às 16h e às 19h/20h acabou.
E quantos shows você vai fazer em 2024, ao total?
Neste ano vai dar de 150 a 160.
É uma redução drástica.
Sim, a gente vai reduzindo aos poucos. Acredito que em 2026 a gente consiga diminuir para uns 60 e, em 2027, para uns 50. O que tinha para fazer, eu já fiz. Eu já rodei este país todo. Você sabe, eu sou cara família, quero estar mais com a família junto. Dinheiro a gente dá um jeito, a gente vai ganhando.
Desses 80 shows que eu te falei, acredito que a gente consiga fazer uns dez shows públicos, abertos, para dar acessibilidade aos fãs que não conseguiram ver o Gusttavo. Eu já trabalhei demais na minha vida: 17 anos de sucesso e 26 anos dedicados à música. É bem considerável.
Mas você ainda está muito novo, né, Gusttavo?
Estou com 34 anos. Acho que ainda dou um molho, né?
*Esta entrevista foi originalmente publicada na edição #9 da Billboard Brasil impressa, cuja capa é estampada por Gusttavo Lima. Compre ou assine a revista aqui.