Como o Carnaval se transformou em modelo de negócio para cantores e marcas
Anitta, Daniela Mercury e Claudia Leitte investem pesado na festa
Carnaval é a maior festa do Brasil –quiçá do mundo. O evento acontece no início do ano, enquanto o verão presenteia o país com sol quente e chuvas frequentes durante os cortejos. São cinco, dez, 30 dias de comemoração que passam por avenidas, sambódromos, ruas e vielas.
Nomes como Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Pabllo Vittar, Bell Marques e Durval Lelys são entidades da folia e, com o passar dos anos, abriram espaço para outros artistas e gêneros, que hoje vão muito além do axé e do samba –até o pop de Anitta e Lexa e o sertanejo se beneficiam dos blocos de rua, como o “Bem Sertanejo”, de Michel Teló, que reuniu mais de 1 milhão de pessoas em São Paulo em 2020 e se repete em 11 de fevereiro na capital paulista. Para cantoras e cantores de todo o país, o feriado se tornou uma oportunidade de investimento em grandes festas públicas e também privadas, como é o caso de Anitta.
Em 2016, a funkeira criou os “Ensaios da Anitta”, festa fechada que acontece entre janeiro e fevereiro. Para botar o evento de pé, são necessárias 150 pessoas, que trabalham diretamente com a cantora, e outros 900 funcionários contratados a cada edição. Além da festa privada, ela também promove, há sete anos, o Bloco da Anitta, que ganha as ruas em formato mais tradicional.
Para 2024, a expectativa é receber 280 mil pessoas nos “Ensaios”, mas Anitta se descreve como alguém que não se apega aos números. “É um modelo de negócio, mas hoje eu escolhi não ficar presa a isso. Não sou mais refém do meu trabalho. Demorei muito tempo para chegar neste lugar em que estou, para poder escolher o que eu quero fazer. Para mim, o Carnaval é um prazer. É onde me sinto feliz”, diz ela em entrevista à Billboard Brasil.
No Rio, o evento será realizado no Jockey Club brasileiro, com capacidade para 10 mil pessoas. A arrecadação só com a venda de ingressos no primeiro lote (R$ 110) foi estimada em, no mínimo, R$ 1,1 milhão. Além disso, o evento da cantora é patrocinado por marcas como Skol Beats, Rexona e MAC, cujos investimentos não são divulgados.
Dona de uma trajetória de mais de 20 anos no axé, Claudia Leitte é um dos símbolos do Carnaval. Entra ano, sai ano, a baiana coloca seu bloco nas ruas do Brasil. Em 2024, ela tem eventos marcados em São Paulo e Salvador. Para a cantora, este ano ficará marcado como o “Carnaval da vida”. “Nós passamos por um momento de ostracismo com a pandemia, e ainda é ruim falar disso. Eu tenho muita coisa para dividir [com o público]”, diz.
O planejamento da cantora é baseado na música que ela quer trabalhar naquele ano —e isso influencia desde a roupa que vai vestir em cima do trio até a estratégia comercial. “Tudo vem dali. Já tentei me pautar pelo que a indústria dita, mas para mim tudo vem da música.”
Em 2023, Claudia contou com mais de 1.500 pessoas trabalhando durante a agenda de Carnaval, com um total de 11 shows. Indiretamente, foram cerca de 4.500 profissionais. Para bancar tamanha estrutura, a cantora investe “na casa dos milhões”. Ela não revela números exatos, mas são valores altos injetados na contratação de pessoas, equipamentos e serviços, como figurino, segurança e transporte.
Empresas também lucram
A folia como negócio também chama a atenção de empresas, que atuam durante as festas buscando atingir os milhões de foliões que se divertem país afora. É o caso do iFood. “Nosso investimento no Carnaval de rua começou em 2018, de maneira mais restrita. Em 2020, nosso plano de expansão ficou maior. Somos uma empresa nacional, e alguns brasileiros não sabem disso. O Carnaval pareceu ser um momento certo para trabalharmos esse posicionamento”, conta Ana Gabriela Lopes, diretora de marketing do iFood.
Como tudo no mundo, o planejamento da companhia foi afetado por conta da pandemia de covid-19, mas retomado em 2023. Hoje, a empresa atua nos Carnavais de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Durante a festa, o iFood distribui brindes personalizados, promove ativações em blocos de rua e patrocina camarotes.
Foi só em 2019, 81 anos após chegar ao Brasil, que a Coca Cola Company passou a incluir a maior festa do Brasil em seus negócios, com foco nas regiões Sudeste e Nordeste do país. Para 2024, a marca idealizou um produto exclusivo para ser vendido em blocos. Avaliou o modelo de consumo dos foliões e criou um coquetel alcoólico pronto para beber com base nos sabores favoritos do consumidor. “[Cerca de] 60% de tudo o que é vendido acontece neste período do ano. É um momento extremamente relevante para a empresa”, explica Camila Freire, líder da categoria de RTD (as bebidas prontas para beber) da gigante norte-americana.
Berço do axé e dos trios elétricos, Salvador atraiu mais de 1 milhão de turistas em 2023, com 95% de ocupação média da rede hoteleira durante os dias de folia. Para 2024, a expectativa é que o Carnaval injete R$ 1,5 bilhão na economia da cidade e crie 220 mil empregos temporários durante os 12 dias de festa.
“Isso faz com que a arrecadação do município aumente, e esses recursos podem ser reinvestidos na área da saúde, na área social e na educação. Nossa estimativa é de um investimento de cerca de R$ 100 milhões, incluindo recursos da prefeitura e também dos patrocinadores que colam com a gente”, diz o prefeito de Salvador, Bruno Reis. De janeiro a outubro do ano passado, a cidade teve uma ocupação hoteleira média de 60%, superando 2022 (55%). “O Carnaval é a nossa principal vitrine para o mundo e, podem ter certeza, vamos realizar uma festa que faça jus a este momento que Salvador vive”, promete.
Por falar em Salvador, Daniela Mercury é uma das rainhas da folia, e não só por lá. Aos 58 anos, 40 deles dedicados à vida artística, ela diz (e canta) “ser o Carnaval”. Não à toa, esse é o título do seu trabalho audiovisual gravado no ano passado em Salvador e São Paulo.
“É uma festa muito importante para o brasileiro. É histórico, faz parte da nossa vida”, ressalta. Para dar conta de suas nove apresentações no curto período, a baiana investe pesado nessa época do ano e amplia o time. Por ano, ela contrata, em média, 3.000 profissionais para trabalhar nos dez dias de folia.
“Eu coloco mais bailarinos, técnicos, seguranças, vocalistas, músicos e percussionistas. Este ano investimos R$ 2 milhões a mais”, conta. E esse investimento é recompensado. “Há uns dez anos, em Salvador, meu retorno [financeiro] dava em média R$ 70 milhões. Só de retorno de mídia, sem contar internet”, compartilha a cantora.
Preparativos adiantados
Em comemoração das quatro décadas na ativa, a voz do “Canto da Cidade” expandiu sua atuação e levou, pela primeira vez, seu trio elétrico, o antigo Pipoca da Rainha, para o Rio de Janeiro, rebatizado de Chá da Rainha (numa fusão com a festa Chá da Alice). Afinal, outro importantíssimo polo carnavalesco do país é o Rio, com sua mistura de desfiles na Sapucaí, blocos de rua e festas fechadas. “Segundo estudo da fundação João Goulart, o Carnaval movimentou mais de R$ 4,5 bilhões em 2023. Nossa expectativa de crescimento para 2024 é de 15% a 20%”, afirma Ronnie Costa, presidente da Riotur.
“O Carnaval é a maior venda do Rio de Janeiro. Por meio dele, conseguimos mostrar nossa geografia, cultura e gastronomia”, completa. Segundo ele, a expectativa para 2024 é de que a cidade receba 6 milhões de pessoas –praticamente dobrando a população local. Uma festa dessa dimensão precisa ser organizada com antecedência. A equipe carioca começa os preparativos para a folia seis meses antes.
Além dos desfiles das escolas de samba na Sapucaí, um dos grandes atrativos do Rio é o Carnaval de rua, que antecipa o início das comemorações. “Começa um mês e meio antes do feriado e ultrapassa a terça-feira de Carnaval”, afirma Costa. Para este ano, 698 blocos foram inscritos, dos quais 453 vão desfilar nas ruas da cidade –isso sem falar nos blocos clandestinos. Ele também destaca a criação de um corredor para megablocos no centro do Rio, que estreia neste ano e vai receber o Bloco da Anitta, o Fervo da Lud e o tradicional Cordão da Bola Preta. Cada um promete agitar mais de 100 mil pessoas.
Já em São Paulo, o Carnaval de 2023 conta com mais de 15 milhões de pessoas trabalhando nos blocos de rua. Neste ano, o investimento da Prefeitura é de R$ 84,7 milhões para o Carnaval, sendo parte desses custos sendo coberta por meio de publicidade –como aconteceu no último ano. Em 2024, a cidade vai sediar o desfile de mais de 678 blocos de rua –maior número da história até o momento.
O Carnaval é o mais puro suco do Brasil e se transforma a cada ano. Recebe novos gêneros, formatos e modelos de negócio —desde o de grandes artistas, como os citadas nesta reportagem, até produtos criativos vendidos por foliões durante os blocos (quem nunca topou com um geladinho de cachaça que atire a primeira pedra). Também é o feriado responsável por movimentara economia local, empregar pessoas e impulsionar o turismo. Em 2023, a Embratur apontou que mais de 80 mil turistas estrangeiros vieram ao Brasil para a festa.
Hoje, a folia faz parte da agenda fixa de grandes cantores brasileiros e, para eles, a data é tão importante quanto grandes festivais de música, como Lollapalooza e Rock in Rio.