A visão de Milton Cunha sobre o futuro dos desfiles das escolas de samba do Rio
Uma das grandes estrelas do Carnaval carioca conversou com a Billboard Brasil
A pandemia foi um baque para o Carnaval. O samba é contato, é suor, é perdigoto. Foi muito difícil para o mundo do samba, para uma cultura que não tem dinheiro guardado, conseguir sobreviver. Quando isso passou, a transição da pandemia fez com que ascendessem ao poder os filhos e netos de bicheiros.
A volta à normalidade é com essa garotada mandando. Esse retorno está mais profissional, mais próximo da internet, das redes sociais. O Gabriel David [diretor de marketing da Liesa, filho do bicheiro Anísio Abraão David] tem conseguido patrocínios vultosos. Essa é uma galera mais estudada e mais preparada para lutar no grande mercado, mais antenada a novas tecnologias.
Existe no Carnaval um público que vai para os camarotes da Sapucaí ferver. Com a galera deles, com o show deles. Eles não precisam do desfile. Poderia estar passando um desfile militar que eles estariam aproveitando da mesma maneira. É um problema não ter nas frisas gente aplaudindo a narrativa da escola, que precisa desse apoio. Esse é um público que só aplaude a rainha midiática. É uma questão importante ver como esse público de camarote vai reagir ao espetáculo.
A arquibancada tem outro problema. O turista, como ele não domina a língua do samba, os enredos, para ele é tudo igual. É fantasia, pluma, pluma, pluma, ala, ala, ala. Vê duas escolas e vai embora. O turista chega às 22h, 23h. Ainda faltam duas escolas, e ele já foi embora. É um problema para setores específicos. Os organizadores têm na mão essas batatas quentes: o turista ocasional e a juventude em camarote.
Como solução, acho que é possível assinar um termo de compromisso para quem está na arquibancada e vá embora antes, cederia o lugar para aquele fã de Carnaval que não tem condições. É preciso pensar em meios de o turista autorizar essa troca, para que o lugar não fique vazio. É preciso tirar a cultura popular, o desfile das escolas de samba, da oscilação do mercado, do capitalismo feroz.
Acredito que a venda de ingresso seja o último dos moicanos a inverter a correnteza. Quando esse ingresso, por exemplo, for bancado por um superpatrocinador que compre mil entradas e dê para seu cliente que, por sua vez, entregue para um cliente engajado com o Carnaval, as coisas vão mudar. É importante que você garanta que metade do camarote tenha ganhado ingresso para ir lá e se debruçar na grade, gritando os sambas-enredo, foda-se a outra metade que vai cantar lá dentro com a puta que o pariu.
Essa gente meio Odete Roitman precisa ser controlada, para que no futuro parte do público seja tia Celina e muitos outros tantos sejam Heleninha, bebendo, caindo, gritando. Porque, sem as Heleninhas, o Carnaval não sobrevive.