‘Deixo na mão de Deus’, diz Max Cavalera, sobre seu retorno ao Sepultura
O roqueiro e seu irmão, Iggor, regravaram discos clássicos do quarteto mineiro
Era uma vez, um grupo chamado Sepultura. Formado em Belo Horizonte no ano de 1984 pelos irmãos Max e Iggor Cavalera (vocal e guitarra e bateria, respectivamente), pelo baixista Paulo Júnior e pelo guitarrista Jairo Guedz –que em 1987 foi substituído por Andreas Kisser. O grupo desenvolveu um estilo tribal de heavy metal, que se tornou referência no mundo inteiro.
Max saiu em 1996, inconformado com a dispensa de sua mulher, Gloria Cavalera, das funções de empresária do quarteto. Iggor pediu as contas dez anos depois. Os irmãos formaram, então, o Cavalera Conspiracy que, entre um trabalho autoral e outro, recria os discos da fase inicial de sua antiga banda. No final de junho foi a vez de “Schizophrenia”, segundo álbum do Sepultura, que marcou a estreia de Andreas, em 1987.
Bocas de Matilde diriam que esse lançamento, com a nova versão de “Morbid Visions”, originalmente feito em 1986 e que chegou novamente às lojas e plataformas de streaming em julho de 2023, seria uma afronta dos Cavalera aos ex-companheiros de banda e amigos do Sepultura. Max, contudo, nega o embate.
“A gente nunca ficou satisfeito com o som daqueles discos. Éramos moleques, e os estúdios não estavam acostumados a gravar rock”, diz ele, por Zoom, direto de sua casa em Phoenix, no Arizona. “Lembro de um técnico de som reclamar do pedal da minha guitarra porque ele estaria ‘atrapalhando o som’. Eu tirei a distorção e ficou uma guitarra sem peso nem força’, completa.
Mas e o fato de o primeiro single da nova versão ser “Escape to the Void”, justamente uma canção que Andreas trouxe do Pestilence, seu antigo grupo? “É uma música daqueles tempos que as pessoas mais pedem em shows”, desconversa.
Max Cavalera se refere aos três primeiros discos do Sepultura (além dos dois relançados, existe um EP chamado “Brutal Devastation”) como “A Trilogia do Terceiro Mundo”. Foi a partir deles que o quarteto burilou sua sonoridade, que foi do metal pesado com letras satânicas para um estilo mais rápido e agressivo, além de temas como doenças da mente e guerras.
“Schizophrenia”, aliás, foi o primeiro trabalho do grupo a despertar interesse internacional. Foi a partir de sua recepção em veículos norte-americanos e europeus que o Sepultura despertou o interesse da gravadora Roadrunner. Os discos seguintes, “Beneath the Remains”(1989), “Arise”(1991), “Chaos A.D.” (1993) e “Roots” (1996) consagraram o quarteto entre os gigantes do heavy metal, e eles fizeram misturas de rock com sonoridades nativas.
“Quando falei para a Gloria que gostaria de tocar com os indígenas, lembro que a primeira reação dela foi dizer: ‘Tu não é Michael Jackson, a gente não tem essa grana’”, lembra. “Aí eu falei que a gravação seria o núcleo do disco novo. Eu queria gravar com os kayapós, mas na época não tinha jeito, e a gente acabou fazendo com os xavantes, o que foi muito legal.”
O Sepultura hoje é assimilado por algumas das principais bandas de rock pesado dos Estados Unidos. Tool e Slipknot (que trouxe para suas fileiras o baterista Eloy Casagrande que, por ironia, foi um dos substitutos de Iggor no grupo mineiro) são fãs confessos.
“Para mim, é complicado falar da nossa contribuição. Mas estou sempre vendo homenagens a mim e ao grupo. Recentemente, li um elogio do Dave Grohl, dos Foo Fighters”, emociona-se. “Você está num festival e, de repente, o James Hetfield, do Metallica, vem falar contigo, o Mike Patton, do Faith no More, me chama para cantar”, diz.
Os tributos vão muito além do universo musical. O lutador brasileiro Alex Pereira, por exemplo, usa o tema “Itsari” para anunciar a sua entrada no ringue. “O sujeito escuta e sai com vontade de detonar.”
Max é uma alma inquieta. Além do Cavalera Conspiracy, ele toca nos grupos Soulfy e Go Ahead and Die, onde se apresenta ao lado dos filhos, Zyon (baterista do Soulfy) e Igor Amadeus (baixo). O Go Ahead and Die lançou, no ano passado, o álbum “Unhealthy Mechanisms”, que se alterna entre metal pesado e canções calcadas no punk rock. Às vezes, essa atitude punk inclui a aventura de tocar em qualquer lugar que os abrigue. “Fica aquela coisa meio perigosa, né? Não tinha nem divisão entre o público. Do sujeito invadir o palco e pisar nos meus pedais de guitarra.”
O guitarrista é um entusiasta dos dons musicais dos filhos, bem como sua mãe, Vânia, foi com ele e o irmão nos primeiros anos do Sepultura. Quer dizer, foi um entusiasmo conquistado. “Minha mãe era braba, chegou a tacar um aparelho de som na minha cabeça”, comenta. Outra vez, Vânia implicou com a tatuagem do filho.
“Escondi dela. Mas como sou um dos piores atores da humanidade, tirei o esparadrapo da tatuagem e joguei no cesto do banheiro. Quando ela viu aquela coisa cheia de sangue, mandou que eu mostrasse o dragão que tinha feito no braço. Depois, disse que eu dormiria fora de casa.”
Ela, contudo, dobrou-se ao talento dos meninos e acabou fazendo três tatuagens. Max estava em turnê na Europa quando ela morreu, em julho passado, de causas não reveladas. “Eu não parei a excursão porque minha mãe deixou claro que não queria choro nem velório. Pediu para ser cremada e que as cinzas fossem espalhadas na Parada LGBTQIA+. Queria ficar num local onde as pessoas estivessem alegres”, emociona-se. Coube a Iggor, seu irmão, cumprir a promessa, no último dia 2 de junho.
Em dezembro de 2023, o Sepultura anunciou sua turnê de despedida. O adeus suscitou boatos de que o grupo poderia retornar aos palcos mais uma vez, agora com sua formação clássica. Max e Iggor, então, resolveriam suas diferenças com Andreas e Paulo e engordariam suas contas bancárias. “Eu deixo na mão de Deus”, diz Max. “Para mim, o mais importante foi ter retomado a relação com meu irmão depois de dez anos sem nos falarmos. Isso machucou muito a minha família”, completa o músico.
“Dinheiro nunca foi importante para mim. Eu não moro numa mansão em Beverly Hills, na Califórnia. Moro em Phoenix, no Arizona. Para mim, o que importa é fazer uma música e um show legais e saber que as minhas composições ajudaram alguém”, diz Max. Os fãs do Sepultura, por seu turno, torcem em seu íntimo para que a história que nasceu com “era uma vez” ganhe um “…e foram felizes para sempre”.