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Max e Iggor em turnê do Sepultura? ‘Para que estragar algo tão bonito?’, diz Andreas

Max e Iggor em turnê do Sepultura? ‘Para que estragar algo tão bonito?’, diz Andreas

Guitarrista da banda de heavy metal estrela páginas da Billboard Brasil #6

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Em 1974, Andreas Rudolf Kisser tinha seis anos de idade quando ele e a mãe se depararam com uma matéria sobre Alice Cooper  no “Fantástico”. A performance do roqueiro norte-americano –que se apresentava ao lado de uma serpente e acabava guilhotinado em cima do palco– foi tão impactante que o menino perguntou à mãe o que era aquilo. “Meu filho, isso aí é rock’n’roll. Esses caras podem até ser doidos, mas estão milionários.”

A explicação da mãe, de um modo ou de outro, acabou sendo decisiva para Andreas escolher seu futuro profissional. E olha que tentaram levá-lo para outros caminhos. O tio, fã de futebol, sonhava em vê-lo no gol do Santos. O pai, por seu turno, queria que o filho seguisse a carreira militar. Mas o jovem optou pela guitarra, tocando em bandas de rock na região do ABC paulista (ele nasceu e se criou em São Bernardo do Campo) e depois no quarteto mineiro Sepultura.

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Andreas Kisser

E por mais que não tenha ficado tão rico, ele ajudou o grupo a se tornar um dos maiores produtos de exportação do país, ao lado de Carmen Miranda, João Gilberto e Tom Jobim.

No dia 1° de março, o Sepultura deu início a uma turnê de despedida, que marca também seus 40 anos de existência. Criado em 1984 pelos irmãos Max e Iggor Cavalera (guitarra e vocais e bateria, respectivamente), pelo baixista Paulo Jr. e pelo guitarrista Jairo Guedz –Andreas se juntou a eles apenas em 1987–, o grupo se notabilizou por um segmento pesado e tribal do heavy metal, que acabou por influenciar grupos como os norte-americanos Pantera e Slipknot, além de arrancar elogios de Ozzy Osbourne, do Black Sabbath.

Os discos do quarteto ainda brilharam nas principais posições dos charts da Billboard nos EUA e eles se apresentaram em grandes festivais do gênero, como Ozzfest e Monsters of Rock.

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O Sepultura na frente do Hammersmith, em Londres (Arquivo Pessoal)

O Brasil, ora vejam só, raramente deu ao Sepultura o mesmo destaque que os veículos e promotores internacionais de show. “É louco, mas parece que a gente passou a existir aqui depois de anunciar a nossa turnê final”, diz Andreas, referindo-se à coletiva do dia 8 de dezembro de 2023, quando avisaram que iriam parar.

“Somos esquecidos por aqui. Talvez por cantarmos em inglês ou fazermos heavy metal”, lamenta-se. “Celebrating Life Through Death”, a tal turnê, vai durar um ano e meio e deverá passar por cidades do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos. A excursão será gravada e renderá um disco ao vivo de 40 faixas, gravado em 40 cidades ao redor do mundo.

Mas, voltemos ao jovem Alemão, como ele é conhecido pelos amigos. A educação musical dele não se restringiu aos delírios performáticos de Alice Cooper. Andreas tinha dez anos quando passou a bisbilhotar a coleção de discos dos pais, que ia de Beatles a Roberto Carlos e Tonico e Tinoco.

Ainda na infância, ganhou da avó um violão, onde passou a tirar canções de artistas da MPB e de música erudita (o repertório vai de Villa-Lobos ao violonista Leo Brower). O tal de roquenrou, no entanto, não demorou para ressurgir: veio na forma de Queen e Kiss, sucesso nos anos 1980.

Andreas tentou assistir ao Queen no estádio do Morumbi, em 1981, e foi impedido pela mãe. Dois anos depois, bateu ponto no mesmo local, para se encantar com o Kiss. “Foi a turnê do ‘Creatures of the Night’, um dos meus discos prediletos deles, e uma das últimas apresentações deles com máscara em muito tempo”, relembra. Em 1985, o pai fez questão de levar o jovem ao Rock in Rio, que trouxe ídolos como Iron Maiden, Whitesnake, Queen, Scorpions e AC/DC.

O início dos anos 1980 marcou também sua conversão à Santa Ordem da Guitarra. Em 1984, formou a Esfinge, sua primeira banda, onde misturavam canções próprias em meio a clássicos do Black Sabbath, Metallica e Iron Maiden. O grupo posteriormente mudou o nome para Pestilence e gravou uma fita demo, que jamais foi lançada.

Andreas conheceu os integrantes do Sepultura durante uma viagem para Belo Horizonte, no mesmo período em que o Pestilence estava chegando ao fim. Participou de um ensaio e foi convidado para substituir o então guitarrista Jairo Guedz, que estava de partida. “Houve uma interação do meu estilo com o do Iggor”, lembra. “Musicalmente, me dava melhor com ele do que com o Max”, diz.

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Andreas Kisser com a mulher, Patrícia, que morreu de câncer (Arquivo Pessoal)

“Andreas sempre foi muito focado. Quando se hospedou na minha casa, passava horas tirando música no banheiro porque a acústica de lá era boa. A gente tinha de esmurrar a porta para ele sair”, diz o antecessor de Andreas.

A entrada de Andreas Kisser muda também o estilo do grupo. As letras de “Schizophrenia” (1987), disco que marcou sua estreia, destoam dos versos de canções anteriores. O Sepultura tinha o costume de falar do diabo e do sobrenatural, a exemplo dos grupos pesados daquele período –o chamado black ou death metal. “

Passei a trazer letras que falavam mais do ser humano, de problemas da mente”, diz o guitarrista. Ele cita, por exemplo, “Inner Self”, que entrou no disco posterior do quarteto, o ótimo “Beneath the Remains”, de 1989. “Andando por essas ruas escuras/ Com ódio em minha mente/ Sentindo o desprezo do mundo… O Sepultura não escrevia letras assim.”

Uma das principais qualidades do guitarrista é ter uma mente curiosa e não se ater a um único gênero musical. O radialista Vitão Bonesso, apresentador do programa “Backstage”, na Kiss FM (São Paulo), lembra que Andreas vivia perguntando a ele do que havia de novo no mercado.

“Ele tinha um enorme interesse em sons e bandas dos anos 1960 e 1970. A gente se encontrava no meu estúdio para ouvir as últimas novidades além de Beatles, Yes, Dust, Thin Lizzy”, lembra. “A versatilidade dele vem daí.”

O grupo também quebrou o Muro de Berlim musical que dividia o povo do metal e do punk. No mesmo ano de “Schizophrenia”, eles organizaram uma apresentação ao lado do furioso Ratos de Porão. “Era algo impensável na época, as tribos se hostilizavam. Mas aquele momento mudou a história do metal brasileiro”, lembra Ricardo Batalha, editor da revista “Roadie Crew” e que registrou o encontro em vídeo.

A união das bandas no palco passou também para a vida real. “O Andreas é um gentleman e um guitarrista tão sensacional que me deixava encabulado. Uma vez, pedi para que ele saísse do estúdio de gravação porque tinha vergonha de tocar na frente dele”, diz Jão, guitarrista do Ratos. “Mas ele sempre admirou meu estilo de guitarra.”

Demissão de Gloria Cavalera

O Sepultura sofreu seu primeiro grande baque em 1996, quando a empresária Gloria Cavalera, mulher de Max, foi demitida pelos outros três integrantes do grupo. Max saiu da banda em solidariedade e derrubou a ideia de que eles eram uma irmandade. “Foi uma decisão comercial, a gente simplesmente não quis continuar com ela”, minimiza Andreas.

Mas em novembro de 1996, um mês antes da defenestração de Gloria, o grupo teve uma reunião tensa em Buenos Aires. “Eu fiquei puto, saí e voltei do quarto em que estávamos várias vezes”, confessa o guitarrista. Derrick Green, o substituto de Max, entrou em 1997.

Iggor Cavalera permaneceu até 2006, cedendo o lugar inicialmente para Jean Dolabella –que ficou até 2011 e foi substituído por Eloy Casagrande (que recentemente anunciou a saída do Sepultura de forma turbulenta). Hoje, Iggor e Max estão reunidos no Cavalera Conspiracy e tocam hits do Sepultura.

Em 1990, Andreas conheceu a estudante de medicina Patrícia Perissinotto. Ela era a melhor amiga de Monika Bass, então namorada de Iggor. Virou namoro. E o namoro, que era sério, virou casamento quando eles se mudaram para Phoenix, nos Estados Unidos, em 1992 –o que estrategicamente era melhor para a carreira do Sepultura. Patrícia foi a grande parceira de Andreas até sua morte, vítima de um câncer, em 2022.

O povo germânico é famoso por ser direto e pragmático. E Andreas não foge à regra de seus ancestrais: fala na lata, sem rodeios e não desgruda de seus objetivos. “Para quê estragar uma festa tão bonita?”, disparou, ao ser perguntado de Max e Iggor iriam participar de algum show da turnê.

Numa das cenas mais comentadas de “Endurance”, documentário sobre o Sepultura, ele tem uma conversa sincera com o então baterista Jean Dolabella, que sentia saudades do lar. Andreas é carinhoso com o companheiro, mas é firme na hora de falar para o músico que a vida na estrada é menos glamurosa do que as pessoas pensam. “Nada que é bom e vale a pena é fácil”, professa.

Superação do alcoolismo

Esse pragmatismo foi fundamental para que Andreas vencesse um dos seus demônios internos –o alcoolismo. “Patrícia dizia que eu era alcoólatra, mas nunca acreditei”, diz. “Mas hoje percebo que eu escolhia passeios e restaurantes pela bebida que era servida, nunca pela comida ou pela possibilidade de me divertir.”

No dia 1º de março de 2020, após um porre de uísque na casa do cunhado –onde sobrou insulto até para o cachorro da família–, ele decidiu largar o álcool de vez. Está há quatro anos sóbrio e conseguiu fazer com que o filho Yohan e o amigo de banda Paulo Jr. também largassem a bebida.

Andreas Kisser é referência no universo do heavy metal e tem entre seus fãs diversos cabeludos do primeiro escalão. “Lars Ulrich, do Metallica, e Scott Ian, do Anthrax, se derramaram em elogios a ele”, confessa Otavio Juliano, cineasta responsável por “Endurance”.

Um cara eclético

O rock pesado, no entanto, é apenas um dos gêneros explorados pelo músico. “No ônibus de turnê do Sepultura era comum vê-lo dedilhar peças eruditas no violão”, diz Juliano. No ano de 2001, Andreas decidiu levar essa versatilidade para os palcos: organizou uma noite no Blen Blen Club, extinto bar de São Paulo, onde trazia artistas de rock e da MPB.

Certa feita, irritou a tribo do metal ao convidar o baterista e cantor Junior Lima. Sim, o irmão da Sandy. “Só de provocação, ele subiu ao palco de tiara no cabelo”, diverte-se.

A versatilidade de Andreas chegou ao ponto máximo em 2011, durante o Rock in Rio. Ele não apenas tocou com o Sepultura –ao lado de Zé Ramalho, num dos grandes momentos da história do festival–, mas também de todo artista que o convidasse. O que se tornou uma rotina. Dois anos atrás, durante uma performance para comemorar a história do evento, fez uma versão guitarra e voz de “Love of My Life”, do Queen, ao lado de Luísa Sonza.

“Andreas é um dos músicos mais talentosos e virtuosos que conheci. Está sempre aberto a desafios, a se misturar com novos artistas. Ele não toca no Rock in Rio, ele É o Rock in Rio”, rasga-se Zé Ricardo, vice-presidente artístico do Rock in Rio e do The Town.

E nem tudo se resume ao festival carioca: em dezembro de 2023, tocou show de comemoração dos 30 anos de carreira de Ivete Sangalo –dirigido pelo parceiro Otavio Juliano– numa rendição axé/metal/pipoca de trio elétrico do sucesso “Cadê Dalila”.

Os últimos anos mostraram para Andreas que os fins podem render novos começos. Quatro meses atrás, ele anunciou em suas redes sociais que está namorando a produtora cultural Valeska Fragoso. E se o fim do Sepultura traz uma ponta de dor pelo término de uma das maiores expressões musicais do país, ele por outro lado aponta outros desafios para o guitarrista e seus companheiros. Alemão não virou Alice Cooper, mas já deixou sua marca na história da música mundial.

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