Antes de fazer a sua mini residência por aqui com a turnê “Live in Brazil” e se tornar o nosso Bruninho, Bruno Mars e sua equipe tiveram que estudar. O resultado, um ano após a sua última vinda ao país como headliner do The Town, mostra que, na matéria de decifrar a essência e fidelizar os fãs brasileiros, eles gabaritaram a prova.
Em setembro de 2023, o astro havaiano fez duas apresentações memoráveis no festival irmão do Rock in Rio. Antigamente talvez isso já seria suficiente para encantar o público, mas, em um momento de abundância de shows internacionais em que os fãs muitas vezes não aguentam mais comprar ingressos, ele teve que se diferenciar.
Come to Brazil
No dia 11 de setembro de 2023, Bruno Mars publicou um vídeo curto como forma de agradecimento por sua estadia no Brasil. A publicação, de menos de um minuto, mudou o curso da relação fã e ídolo, e se tornou um case de construção de marca.
Vestindo uma camiseta da seleção brasileira, o cantor passeou pelas ruas de bairros da capital paulista, como Pacaembu e Jardins, dançando ao som de um beat de funk no qual repete várias vezes o famoso “Come to Brazil” e o seu apelido carinhoso “Bruninho”. Além das graças do cantor pelas ruas de São Paulo, o miniclipe mostrou alguns momentos especiais do show e dos fãs curtindo e se emocionando.
“Já se passaram seis longos anos, mas eu finalmente “cheguei ao Brasil”. Obrigada São Paulo por duas noites incríveis. EU TE AMO! Atenciosamente, seu Bruninho”, escreveu ele na legenda da publicação, que na época se tornou a mais curtida em sua rede social.
O que explica todo esse sucesso? Bruno Mars entendeu como tocar nossos corações, identificando e compreendendo pontos-chave do comportamento dos fãs brasileiros.
“A forma que ele se constrói como celebridade é muito aderente ao espírito do fã brasileiro. Ele tem essa ginga, mistura de estilos e várias coisas que associamos à cultura brasileira. Uma personalidade carismática, extrovertida e aparentemente despretensiosa. É uma coisa espontânea, as pessoas curtem”, diz Guilherme Umeda, comunicador social e professor doutor de design da faculdade ESPM.
Assim como na essência brasileira temos um mix de culturas, o cantor tem ascendência latina, judaica e filipina em seu DNA.”Ele respondeu muito bem à característica do público brasileiro de ter uma forma de comunicação extremamente extrovertida. O Brasil tem uma cultura de interação super calorosa e criativa.”
Um dos pontos fortes da homenagem do cantor foi o uso do meme “come to Brazil“. Segundo o site “Know Your Meme“, a primeira vez que o termo foi utilizado foi em 2008, quando uma usuária do “X”, antigo Twitter, convidou o empresário Loic Le Meur para visitar o país. No entanto, ele ganhou popularidade a partir de 2009, quando fãs de Justin Bieber lotaram a DM dele com pedidos de “Come to Brazil”.
“Essa foi uma amostra clara e prática de quem estuda o seu público. A resposta do vídeo foi um reconhecimento de linguagem e comportamento. Ele usou muitos elementos da cultura brasileira, as vestimentas, locais, as palavras cantadas com um sample de funk. Toda essa análise veio de um olhar atento à postura de comportamento digital dos fãs”, explica Nathalia Nunes, especialista de branding e design de experiência.
Bruninho se entregou ao mundo da internet e à forma de se comunicar do público brasileiro, que é um dos mais ativos nas redes sociais. Segundo dados do relatório da We Are Social e da Metewater, o Instagram foi a terceira rede social mais usada no Brasil em 2023, com 113,5 milhões de usuários.
Outro ponto crucial nesta estratégia, foi a identificação e fortificação do canal de ligação entre público e artista.”Os fãs brasileiros são muito propensos a esse tipo de ação até por uma questão cultural, sócio-cultural, buscando uma certa validação externa. Isso faz parte de um complexo de vira-lata como parte da nossa cultura. Temos um grande ídolo estrangeiro validando o Brasil e o brasileiro enquanto população. Isso tem um peso significativo, mas também um certo orgulho”, pontua Guilherme Umeda.
A interação de Bruno Mars com seus fãs segue uma trilha que não começa apenas alguns dias antes do show e não termina quando a apresentação acaba. Cada passo é pensado como parte de um caminho: posts antes das apresentações, gracinhas em português, elementos e músicas da cultura brasileira, publicação de agradecimento — tudo é interligado.
“Foi uma experiência completa, em que cada ponto se conecta. Essa trilha de antes, durante e depois [show] foi muito importante para trazer estímulos e fidelizar os fãs”, ressalta a especialista de branding e design de experiência.
Depois que ele veio, o que aconteceu?
O resultado de fidelização do público deu tão certo que, um ano após os shows do The Town, o astro retornou ao país com uma miniresidência de 14 shows, com várias datas esgotadas e quase um mês de estadia em solo brasileiro.
Além disso, o crescimento e popularidade das músicas do cantor tiveram um aumento expressivo. Segundo dados do Spotify, entre setembro de 2023 e outubro de 2024, a média de streamings diários de Bruno Mars na plataforma aumentou 63% no Brasil. Já os ouvintes mensais do cantor cresceram 56% .
Durante sua atual estadia por aqui, entre as mil músicas mais ouvidas do Brasil, segundo os charts da Billboard Brasil, ele é do dono de 20 canções do ranking na atualização da última terça-feira (15).
Mesmo fazendo um show muito semelhante ao do ano passado no festival, as avaliações da crítica e dos fãs segue sendo positiva. Mas isso não significa que ele não tenta entrar ainda mais na cultura brasileira, como, por exemplo, convidar Thiaguinho e Chitãozinho e Xororó para participar das apresentações.
Bruninho, ou Bruno Márcio da Silva, como também é chamado na internet, vem direta ou indiretamente surfando a onda Brazil Core. Esse movimento, que está em alta e chegou no mundo da música e até na moda, consiste em representar a identidade nacional em cores e símbolos.
Case e fórmula Bruno Mars
Após o estouro, podemos dizer que Bruninho deu uma aula de como tratar os fãs brasileiros, elevando isso à máxima potência. Ele fez com que o tradicional “Obrigado, Brasil, eu te amo”, falado por tantos cantores quando passam por aqui, parecesse algo raso.
“Esse tipo de vídeo vai se tornando uma fórmula não apenas para outros artistas, mas também para o próprio Bruno. Há um cálculo, planejamento e intencionalidade [na ação]”, diz o professor Guilherme Umeda.
Não à toa, depois do feito do Bruninho, outros músicos com Ne-Yo, Simple Plan e Karol G criaram interações, publicações e até produtos especiais, exclusivos para os fãs brasileiros.
Mas além destes itens, os cantores estão criando experiências únicas ao olhar a potência do mercado brasileiro. Em setembro, The Weeknd fez um show único em São Paulo para apresentar ao mundo os primeiros detalhes de sua nova era. A Rainha do Pop, Madonna, escolheu encerrar a turnê que celebra sua carreira no Brasil.
Outro exemplo, é o The Offspring, que anunciou shows no país para março 2025 e já está fazendo a sua trilha de experiência. Em setembro, eles lançaram a música “Come to Brazil” falando a peculiaridade dos fãs brasileiros.
“Todos os nossos fãs, bem, eles são realmente ótimos/ Mas os do Brasil, esses, sim, são os melhores/Mandando mensagem o tempo todo, implorando: ‘Digam que vem/ Digam que vocês vêm para o Brasil'”, canta a banda.
“É um mercado gigantesco, que durante um tempo, não foi valorizado. Uma sequência de movimentos colocou o Brasil em destaque na comunidade internacional, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Também é claro a presença desses ídolos por aqui e as respostas positivas em termos de venda de ingressos, venda, produtos foram importantes. Mas acho que, sobretudo por essa recepção, a calorosa e ao forte engajamento emocional”, explica Guilherme.
O calor e a resposta amorosa e monetária do público brasileiro faz toda a diferença. Isso explica por que, quando um artista vem pela primeira vez, em sua maioria não vê a hora de voltar. “Ao analisar como identidade de marca, nós [fãs brasileiros] somos embaixadores da nossa própria paixão. O maior diferencial que nos temos é essa paixão e esse entusiasmo, além de sermos extremamente criativos e engajados”, conclui a especialista Nathalia Nunes.