Belo ajudou a mudar o curso da história recente do Rock in Rio
Ex-Soweto se apresentou no Palco Favela deste domingo (22)
Você já assistiu a shows de quais ícones do soul, do samba rock e da música preta popular brasileira? Jorge Ben? Cassiano? Tim Maia? É provável que não. Os que conseguiram fazem parte de uma sortuda minoria da população brasileira. Mas, além de tê-los homenageado, Belo fez neste simbólico último dia de Rock in Rio um dos grandes shows do país. Não foi o melhor, nem o mais incrível. Mas um dos maiores por motivos de música e de contexto.
O autodenominado (e merecidamente) Cantor do Amor deu um “beijaço” e namorou seu público que, por sua vez, era de homens com homens, homens com mulheres, mulheres com mulheres todos se pegando e dançando colados —e um beijo para Amanda, que ajudou espontaneamente a reportagem a viver um momento gonzo-platônico.
Belo, e seu talento teimoso apadrinhado e orquestrado por Wilson Prateado, é um legítimo herdeiro do que de melhor a música brasileira produziu nos anos de 1960, 1970 e 1980. Em seu primeiro show no maior festival de música e entretenimento do planeta, o cantor brindou o público com copos e goles de artistas como os já citados e de outros como Originais do Samba, Djavan, Banda Black Rio e Sandra de Sá. E com repertório próprio —os momentos mais frios do show foram justamente quando ele fugiu da vibe do pagode, do samba rock e do soul para um clássico entediante da bossa nova e uma versão pouco marota de um clássico de Jorge Ben (na trocentésima citação a “Mas Que Nada”, de Jorge Ben, no festival).
Mas o que aconteceu antes e depois destes raros pontos baixos foi a história sendo escrita. Um baile do melhor da música de baile, em que tocou samba, samba rock, Hyldon, Fábio, Leci Brandão e Luiz Melodia, artistas que superam o rótulo. Infelizmente, nenhum desses artistas foi citado de forma mais explícita no palco. A citação a Jorge Ben soou deslocada e frustrou quem imagina Belo mais próximo de um cantor de soul e R&B do que de estandartes massacrados por arranjos chatos. Felizmente, em “Eternamente”, “Pura Adrenalina”, “Desse Jeito É Ruim Para Mim”, “Reinventar”, “Intriga da Oposição” o pagode e o charme cantaram alto, fez-se baile.
E Belo faz tudo. Entrega, por vezes, tudo que pode. Quando guiado pelo método que pauta seus shows, mostra o auge da música popular brasileira contemporânea. E o homem tem música para danar. Não existe “não-hit” na obra de Belo: ou é hit e a outra que não é vira apenas uma música. Belo tem vida, obra e música. É absurdo o artista popular Marcelo Pires Vieira, Elymar Santos da minha geração ou, para muitos, o Roberto Carlos –você escolhe o seu caminho conceitual.
Todos eles são incríveis e quem viu, viu. E quem não viu ainda tem chance pra caramba uma vez que o show regular de Belo consegue ser ainda muito melhor que esse do Palco Favela —palco que é uma forma peculiar de o mercado musical brasileiro tratar artistas que deveriam ser muito maiores que são, não fosse a “periferia” que ocupa a biografia de todos os que se apresentaram ali.
Tati Quebra Barraco, Cidinho e Doca, Fundo de Quintal, Borges, Kevin O Cris, Xande de Pilares, Buchecha, Hariel, entre outros, agora criaram uma nova vibe em um festival que parecia ter muita dificuldade de reconhecer nossa verdadeira música popular. Popular, enfim. Que seja daí para cima —e para todos os bailes de todas as periferias brasileiras.