A Ivete ligou… às 3h da manhã
“Energia de Gostosa”, hit do verão, foi escrito por elas (e por ele também)


Três da manhã. Feriado. O celular de Larissa Tavares toca pela terceira vez. Meio dormindo, ela pensa numa emergência — quem sabe a avó, passando mal? Atende, coração acelerado.
– “Alô?”
– “Lari?”, responde a voz inconfundível.
– “Você conhece isso aqui?”
E então, do outro lado da linha, Ivete Sangalo começa a cantar: “Ela, primeiro ela. Ela segundo ela. Ela terceiro ela…”
Lari levanta da cama num pulo. Grita. Acorda a casa inteira. “Ela já chegou cantando a música, dizendo que tinha amado. E falou: ‘Eu te liguei três da manhã que é pra você não dormir mais mesmo!’”, lembra. “E eu realmente não dormi. Não conseguia.”
Ivete ainda sugeriu: “Vá correr na orla pra se acalmar.”
“Mas eu não consegui nem correr. A perna tava bamba”, conta Larissa, rindo da própria incredulidade.
A ligação era sigilosa. A música ainda não era dela — mas já era. O título? “Energia de Gostosa”. O destino? O verão.
A faixa nasceu de um encontro entre três compositoras baianas e um parceiro: o projeto Escrito por Elas convida. O time feminino é formado por Larissa Mendes, Luana Matos e Tássia Morais; o bendito fruto é Rafa Lemos.

O processo começou leve, mas certeiro. “Na hora que a gente terminou, falei: essa música é a cara da Ivete”, lembra Rafa. “Mas logo depois falei: a gente não tem cacife pra isso. Era um sonho meio impossível. A gente só seguiu o coração e deixou a música falar por si.”
Rafa gravou a guia do futuro hit. E Lari tinha um trunfo. Ou melhor, uma herança.
Filha de Alaim Tavares — compositor de clássicos como “Arerê” e “Levada Louca”, eternizados na voz de Ivete, além de outros sucessos da Timbalada — ela cresceu rodeada de refrões. Sabia onde encontrar o número de Ivete, ou pelo menos da irmã dela, Cíntia. Criou coragem, escreveu, mandou.
E esperou. Quinze dias de silêncio.
Até que, de madrugada, a ligação chegou….
O que ninguém podia prever era que a música explodiria antes mesmo de qualquer anúncio oficial. “Energia de Gostosa” subiu nos rankings como um foguete: Top 50 do Spotify Brasil sem entrar em nenhuma playlist editorial. Foi no orgânico. No grito. No play buscado. No nome digitado por quem queria ouvir de novo, de novo e de novo.
“Virou um hino de autoestima”, diz Luana. “A sociedade ensinou que a mulher precisa cuidar, estar disponível, servir. Como se fosse um móvel da casa. E aí vem essa música e diz: primeiro ela. Isso é revolucionário.”
E não foi só entre as mais jovens. “A faixa foi especialmente abraçada pelas mulheres 35+, 50+, 60+…”, diz Tássia. “Elas passaram por outra época. Eram vistas apenas como esposas, mães. Quando escutam uma letra dizendo que elas podem se escolher… é um choque. Um choque bom.”
Mais do que um hit, “Energia de Gostosa” virou espelho. Com beat de pagodão baiano — “o ritmo da massa, da favela, de onde a gente vem”, como define Tássia —, sua força está mesmo na mensagem.
“Eu vi mulheres cantando com a mão no peito, com verdade. Vi entrevistas de mulheres contando que a autoestima voltou por causa dessa música. Isso arrepia”, completa a compositora.
Rafa, o único homem da equipe criativa, também se emocionou com o alcance: “O que me marcou foi ouvir de outros compositores que a gente reacendeu a esperança. Que ser gravado por Ivete, hoje em dia, parecia impossível. Mas essa música foi tão verdadeira que chegou. E quando a música é boa, ela encontra o caminho.”
E encontrou. “Energia de Gostosa”, além do Spotify Brasil, brilhou no YouTube e no Apple Music. Mas os números são quase detalhes perto do que ela virou: trilha de autoestima, catarse coletiva de quem cansou de se diminuir.
“Foi lindo ser tocada por Ivete, maravilhoso. Mas o mais poderoso foi ver as pessoas escolhendo essa canção como trilha da vida. Isso não tem preço”, resume Luana.
Agora, quando a batida começa e a multidão canta junto, já não é só a música de Ivete — é de todas que se reconheceram nela. Das que dançaram na sala, das que pularam no Carnaval, das que reaprenderam a dizer “eu primeiro”.
O verão passou. E “ser gostosa”, finalmente, virou estado de espírito.