SXSW 2025 causa estranha sensação no mundo da música
O produtor musical Felipe Vassão analisa os rumos do evento


Em 2013, fui pro SXSW acompanhando o Emicida. Foi minha primeira vez no festival e, entre um show e outro, me vi imerso num universo de descobertas musicais. Um dos momentos mais marcantes foi trombar com o Bernhoft, um norueguês completamente absurdo no uso de pedais de loop. O cara parecia uma banda de um homem só, construindo camadas e mais camadas de som ao vivo. Genial. E quase consegui entrar num show surpresa do Prince, chegando no final de “Purple Rain”, a última do setlist.
O SXSW começou como um festival de música lá nos anos 80, mas foi crescendo, ganhando braços e se tornando um monstro que abraça tecnologia, cinema e o que mais couber na agenda. Durante anos, foi aquele caos criativo onde bandas indies, artistas promissores e lendas do futuro se esbarravam pelos bares de Austin.
Amy Winehouse tocou lá antes de estourar. John Mayer assinou contrato depois de um showcase no festival. James Blunt foi descoberto ali também (o que talvez nem todo mundo veja como uma vitória, mas enfim…). O SXSW sempre foi esse caldeirão, um lugar onde o novo acontecia antes do resto do mundo saber.
Só que… bom, 2025 veio e me deixou com uma sensação estranha. Se 2013 foi sobre descobertas e surpresas, desta vez parecia que o mundo corporativo tinha engolido tudo. A credencial “Interactive”, que antes indicava discussões sobre inovação e novas mídias, hoje poderia muito bem ser chamada de “Corporate” ou “Big Tech”. Porque, convenhamos, não tem mais nada de “interactive” nessa turma.
E os sinais dessa virada estão por todo lado. O Austin Convention Center, coração do festival, vai ser demolido e reconstruído numa versão maior e mais imponente, com entrega prevista pra 2029. E o calendário do SXSW já foi alterado pra 2026: a parte musical, que sempre teve um segundo fim de semana só pra ela, agora vai ser misturada no bolo geral, sem aquele espaço exclusivo de antes.
Ou seja: o indie tá sendo empurrado pro canto, enquanto as gigantes da tecnologia tomam o palco principal. O SXSW, que já foi um faroeste de novidades, tá virando um evento de keynote com coffee break patrocinado.
E eu fico me perguntando: esse é o futuro do festival? Será que ainda vai ter espaço pro próximo Bernhoft, ou só vai sobrar sala de conferência cheia de gente discutindo buzzwords?
*Felipe Vassão é músico, compositor e produtor musical com trabalho com artistas como Emicida, Jota.pê, Junior, Anitta, Pitty, Pabllo Vittar, Liniker, Francisco El Hombre, Elza Soares e Chitãozinho & Xororó