Só Track Boa celebra 10 anos com noite de encontros históricos
Festival reuniu diferentes gerações em torno da música eletrônica
Noite mágica de Só Track Boa na cidade e chegar à Arena Neo Química, na zona leste de São Paulo, na sexta-feira (6), foi como atravessar uma fronteira entre a realidade e o extraordinário. Já na estação Corinthians-Itaquera, o grave ecoava pelo bairro, anunciando que a noite seria emocionante e intensa. A multidão que tomava o caminho até a arena vestida majoritariamente de preto e com produções ousadas e criativas, sugeria o que vinha pela frente: uma entrega total à música eletrônica.
O caminho entre a estação e os portões já era um festival à parte: muita gente (mesmo!), passos apressados, filas longas, expectativa no ar e a certeza de que algo grandioso estava prestes a acontecer. De fora da arena, já era possível ver parte do show de luzes e sentir o impacto do som reverberando no corpo. Chegando no estádio, entrar no espaço era ser imediatamente engolido por uma avalanche sensorial: múltiplos palcos, cada um com sua estética, seu clima, e uma multidão pulsando junto com as batidas.
A noite começou com uma temperatura amena, clima ideal para se perder (ou se encontrar) entre os palcos. Em alguns momentos, a chuva chegou de leve, mas não foi suficiente para dispersar o público ou esfriar a energia. Pelo contrário, a pista seguiu firme, vibrando sob as gotas como se nada pudesse interromper a celebração.
Os shows
Um dos primeiros momentos marcantes foi o set do DJ Marky no palco Luv Lab, detonando um drum and bass pesado e preciso, que já mostrava o tom da curadoria: liberdade, autenticidade e respeito pela pista. O shows já rolavam desde às 17h, e a programação de cada palco era tão interessante que a vontade era se multiplicar para conseguir aproveitar tudo.
Eleger um único destaque seria injusto. O line-up da noite estava diverso e propositalmente complementar: diferentes propostas sonoras, diferentes recortes de cena. Havia um frescor contemporâneo nos artistas que ocupavam palcos como Oca e LuvLab, enquanto outros reverenciavam a história da música eletrônica no Brasil e no mundo. Esse equilíbrio foi um dos grandes acertos da edição comemorativa de 10 anos do Só Track Boa.
Entre os momentos de maior vibração coletiva, dois se destacaram. O primeiro: o encerramento catártico da DJ ANNA no palco Oca. Seu set de techno foi denso, emotivo, com uma entrega que ultrapassou a técnica. Era visível a emoção dela no palco, em total sintonia com o público.
O segundo momento inesquecível da noite foi a performance de Fatboy Slim no palco principal que se desenrolou como um verdadeiro ritual coletivo. A expectativa no ar era palpável, e quando ele finalmente começou, a pista explodiu numa celebração vibrante. A apresentação foi uma combinação magistral de pirotecnia e uma seleção refinada dos sons clássicos que consagraram sua carreira, entrelaçados a faixas contemporâneas de artistas globais, incluindo o Brasil, com remixes com influência do funk. Ao incorporar o funk brasileiro em seu set, Fatboy Slim não apenas mostrou sua sintonia com as tendências atuais, mas também criou uma atmosfera onde passado e presente se fundiram em uma experiência surpreendente. Foi um momento em que o tempo pareceu se dobrar, unindo os ravers veteranos, que acompanharam o auge dos anos 1990, a uma nova geração, todos imersos numa celebração atemporal e contagiante.
“O Fatboy Slim marcou a minha adolescência. Nunca imaginei que um dia ia ver ele ao vivo, e num festival como esse. Vai ser histórico!” — Thiana Lago, 30 anos, grafiteira.
Talvez esse seja um dos aspectos mais tocantes do festival: a presença forte da juventude, vibrando com referências históricas da música eletrônica. Ver milhares de pessoas se reunindo por amor à música, cruzando idades, estilos e histórias pessoais, é algo poderoso. A música eletrônica comprova, mais uma vez, seu poder de conectar gerações e afirmar-se como uma expressão cultural essencial.
Brasil na pista
Além dos nomes internacionais, o line-up brasileiro teve protagonismo real. Carola e Pricila Diaz entregaram um back-to-back poderoso, cheio de identidade.
O encontro entre Cat Dealers e Dubdogz também teve peso, mostrando a força de duas duplas que vêm se destacando nos últimos anos e que acompanharam o crescimento do Festival. Mau Mau, DJ Marky, Mochakk, Gabe e tantos outros nomes da cena nacional tiveram espaço e prestígio, evidenciando o compromisso do festival com o que é feito aqui, com a cena que cresce e se reinventa dentro do Brasil.
Conversando com alguns dos artistas, ficou claro que o festival não é só uma vitrine, mas um espaço de experimentação. Muitos falaram sobre a liberdade criativa que sentiram ali: para improvisar, mudar planos, sentir a pista. Até os back-to-backs muitas vezes nasceram de encontros espontâneos, algo raro em festivais de grande porte. Essa abertura revela o cuidado da curadoria, que confia nos artistas e respeita a organicidade da experiência.
“Foi uma noite que valeu muito a pena de se viver. Vários sets me emocionaram — uma vibe única, que a gente não esquece tão cedo. O do Marky, então… que energia!” — Maikão, 26 anos, artista plástico.
Outro ponto alto foi a cenografia. Imersiva, criativa, impactante — ela não era só cenário, mas parte ativa da vivência. Cada palco era um mundo, e atravessá-los era como mudar de atmosfera sem sair do mesmo espaço.
Ao fim da noite, a sensação era de plenitude. Uma noite vivida ao máximo, daquelas que ficam no corpo e na memória. Ver artistas nacionais com destaque real, tocando para multidões, sendo celebrados com paixão, renova a esperança em uma cena eletrônica forte, diversa e criativa. O Só Track Boa, ao completar uma década, não apenas reafirma sua importância: ele mostra que é possível fazer um grande festival com alma, história e horizonte.