Sérgio Britto, dos Titãs, dá lição de sobrevivência no mundo da música
Grupo lança novo clipe e o vocalista e tecladista prepara disco solo

Quando os Titãs iniciaram a gestação do “Acústico MTV”, de 1997, escutaram um diagnóstico pouco simpático de André Midani, presidente da Warner para América Latina e um dos executivos mais influentes da história do showbiz brasileiro.
“Vocês têm a essência de uma banda de punk rock, como é que irão tocar bossa nova?”, disparou. O projeto, no entanto, vendeu 1,7 milhão de cópias, tornando-se o segundo “Acústico MTV” mais vendido do mercado nacional (perde somente para o do Kid Abelha, que vendeu 2 milhões).
Do outro lado do vídeo, o tecladista e vocalista dos Titãs, Sérgio Britto, se diverte ao lembrar da história. O novo disco solo de sua carreira, “Mango Dream Fruit”, que chega às plataformas digitais no dia 08 de maio, é justamente um trabalho dedicado ao gênero eternizado por João Gilberto e Tom Jobim.
“Sempre gostei de bossa nova, embora saiba que não faria um disco como o Dori Caymmi [um dos filhos da lenda Dorival Caymmi e compositor celebrado entre os fãs desse estilo musical], mas é algo que sempre experimentei. Acho engraçada essa fala do André sobre o punk rock, visto que muitos ingleses da geração punk e pós punk foram fazer bossa nova. Por exemplo, Paul Weller, que era do Jam, uma banda de rock, e depois criou o Style Council, mais calcado nessa vertente da música brasileira”, diz ele, em entrevista exclusiva à Billboard Brasil.
“Procurei coisas que são mais sutis no que diz respeito à mistura. Quer dizer, eu poderia ter feito uma bossa nova com um cara gritando que nem um louco. Mas optei por algo mais depurado.” “Mango Dream Fruit” é o novo capítulo de um ano particularmente trabalhoso para Sérgio. Em janeiro, ele soltou “The Best of Sérgio Britto“, coleção de 13 canções tiradas de seus discos cinco solos –e que traz, entre outras composições, duetos ao lado de Rita Lee (1947-2023), Luiz Melodia (1951-2017), Negra Li e Marina de la Riva, entre outros.
Novo vídeo dos Titãs feito com inteligência artificial
Na próxima sexta-feira (25), os Titãs, grupo do qual Sérgio faz parte ao lado do vocalista e baixista Branco Mello e do guitarrista Tony Bellotto, lança o vídeo de “São Paulo 1″, faixa do disco “Olho Furta Cor”(2022) e que foi feito por inteligência artificial, cujo trecho Billboard Brasil traz com exclusividade, abaixo.
“Não foi nada assim premeditado de falar: ‘Vamos fazer uma coisa com inteligência artificial, porque é o que há.’ Esse cara, que curiosamente se chama Arnaldo Belotto, me procurou no Instagram. Disse que trabalhava com inteligência artificial –fez clipes para Lobão e Rogério Skylab– e queria fazer algo com os Titãs. Eu assisti as produções dele, gostei e decidi mostrar para o Branco e para o Tony”, disse Sérgio.
Belotto, o diretor do vídeo, usou fotos do trio e escutou sugestões de Branco, que trouxe referências como “M, o Vampiro de Dusseldorf”, clássico do surrealismo alemão feito por Fritz Lang (1890-1976). “Gostei do resultado. As coisas com inteligência artificial vão ficar cada vez mais sofisticadas, elaboradas, e difíceis de distinguir de coisas que não são feitas com inteligência artificial. Isso talvez seja legal, assim como um registro da época que a gente está vivendo, uma polaroid do momento em que as pessoas estão começando a usar isso”, diz Sérgio.
Carreira de Sérgio Brito

O carioca Sérgio de Britto Álvares Affonso, 65 anos, é do signo de Virgem. E qualquer um que entenda um pouco de astrologia sabe que estamos de um ser humano perfeccionista e detalhista ao extremo.
“Eu sou um cara apaixonado pelo que faz. Quero fazer as coisas direito e me esforçar para que fiquem ainda melhores”, admite. O estilo meticuloso faz com que Sérgio, muitas vezes, impulsione seus companheiros de banda.
Numa crítica sobre o disco “Domingo” (1995) publicada na extinta revista SHOWBIZZ, Leão Serva, atual Diretor de Jornalismo Internacional da TV Cultura (e velho conhecido dos Titãs), ressaltou a importância do vocalista e tecladista na reunião do grupo e concepção do álbum –naquele momento, pairavam dúvidas sobre o futuro do então septeto por conta dos trabalhos solos de seus integrantes.
“Eu faço um trabalho braçal para as coisas acontecerem. Mas não acho que seja nada demais porque é meu jeito assim”, diz, um tanto encabulado. Ele é autor de alguns dos principais hits do grupo, como “Miséria” (ao lado de Arnaldo Antunes e Paulo Miklos), “Epitáfio”, “Enquanto Houver Sol” e “Go Back” (um poema do tropicalista Torquato Neto que Sérgio musicou).
A dedicação à banda –principalmente nos dias de hoje, visto que os Titãs estão reduzidos a um trio e passam por desafios como os problemas de saúde de Branco Mello e de Tony Bellotto– muitas vezes cobram um preço alto. A obra solo de Sérgio Britto fica em segundo plano por causa do excesso de compromissos do grupo.
“Tenho que ganhar as pessoas fazendo shows ao vivo, colocando o meu trabalho com consistência e frequência, né? Então é o que eu pretendo fazer, é um compromisso. E não irei construir minha carreira viralizando no TikTok”, reconhece.
Uma das resoluções dele está em ter pelo menos um final de semana livre para fazer apresentações solo. “Tenho feito apresentações em algumas unidades do Sesc [São Paulo]. Metade do show é repertório dos meus discos solo e a outra metade são coisas que eu compus nos Titãs porque não quero jogar fora tudo que eu fiz, né? Mas são coisas que combinam e se adequam”, diz.

O trabalho solo de Sérgio Britto é diversificado. Há uma busca pelo formato da canção nos mais diferentes gêneros musicais –ele compôs desde heavy metal até valsa, bossa nova e baladas românticas.
“Existe um desejo de enquadrar o artista apenas num estilo e isso não é certo. Você vê, por exemplo, o Mike Patton, vocalista do Faith no More. Ele tem um trabalho experimental, que é o Mr. Bungle, e canta de rock a soul music e canções italianas. E isso é visto como uma virtude”, diz.
“Parto do princípio que você tem que gostar genuinamente do que faz. Não tenho essa coisa de falar assim: ‘Ah, o punk rock é passado, agora estou fazendo bossa nova.’ Meu discurso não é esse”, professa.
“Mango Dragon Fruit” tem algumas participações especiais. Uma delas é a de Ed Motta, o cancelado número um do país, que faz dueto com o cantor e instrumentista na faixa “Problemática com Estilo”.
“A gente se encontrou no programa do Serginho Groisman e ele veio comentar comigo sobre uma passagem harmônica de ‘Enquanto Houver Sol.’ Começamos a conversar, falamos de Rita Lee que compôs com o Ed e participou do meu disco. Ficou uma coisa meio anos 1940″, explica. “Não fico acompanhando tudo o que ele diz ou fala. Mas conheço a música dele e Ed merece respeito pelo artista talentoso que é”, comenta.
O novo disco solo de Sérgio traz ainda participações de Bebel Gilberto (na faixa-título, que emula a sonoridade de Marcos Valle), Fernanda Takai em “Não se Fala Mais Nisso” e dos irmãos Supla e João Suplicy, que dão o tom de humor na medida certa na canção “Bons Tempos Chatos”. Há também achados como “Eu Sou do Tempo”, canção pouco executada do casal Rita Lee & Roberto de Carvalho, e “Chequerê”, uma criação do sambista Sinhô (1888-1930). A valsa instrumental “Tarsila”, por seu turno, traz influências de Ernesto Nazareth (1863-1934), autor que trouxe gêneros como o maxixe e o choro para as rodas eruditas.
Enquanto “Mango Dragon Fruit” não chega, a solução é se deliciar com o clipe de “São Paulo 1″, que chega na sexta-feira e com as belezas do best of solo de Sérgio Britto. E, afinal, pode-se viver de música com dignidade? “Se você quiser ter visibilidade, tem de estar disponível e estar a fim de trabalhar muito. Eu faço isso sem problema porque gosto e iria aguentar ficar em casa. Às pessoas que pensem em seguir esse caminho: esse tipo de entrega é necessário.” No caso de Sérgio, essa entrega tem sido essencial nas mais de quatro décadas de Titãs e duas décadas de carreira solo.