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Nerdola do funk, rei do sexo e do lança-perfume: quem é o DJ Ramemes?

Nerdola do funk, rei do sexo e do lança-perfume: quem é o DJ Ramemes?

Produtor fluminense emplacou faixas nos discos recentes de Pabllo Vittar

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A família de Ramon vem do Espírito Santo e de Minas Gerais. O pai, que mantém o bar Cantinho Mineiro no bairro Santo Agostinho (o Gustão), em Volta Redonda, interior do Rio, se chama Vicente – mas é conhecido como Paulinho. Pergunto o porquê desse bololô e o produtor, de 23 anos, gargalha se deliciando com a aparente falta de lógica do caos.

Ele não só gosta, como só produz confusão. A mais famosa está nos dois álbuns recentes de Pabllo Vittar, onde introduz, com “Calma, Amiga”, o loló na discografia lisérgica da diva pop.

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Depois de 18 anos “trancado no quarto” sendo otaku e vascaíno (seu nome homenageia o ex-jogador e ídolo cruzmaltino Ramon), ele foi ganhar o mundo. De revelação funkeira do Soundcloud a um dos artistas mais experimentais da música pop brasileira, está com a agenda cheia por conta do seu EP “Trilogia do Sexo” e do álbum “Sem Limites”.

“Não converso mais com meus amigos de Volta Redonda e fico na nóia de ‘tenho que ir lá ver minha mãe…’ Relacionamento, então, esquece”, afirma se equilibrando nas palavras entre o Ramon e o Ramemes, apelido dado por uma amiga no colégio que percebeu a velocidade do Ramon em confeccionar momentos meméticos.

Para ler ouvindo: “Sem Limites” (QTV, 2023), por DJ Ramemes

O DJ que ama baile (mas só vai na pista)

O cria dos bailes do Açude e do Gustão, na Cidade do Aço, vai revelando um riso enorme e lindo enquanto conta causos que envolvem, quase sempre, suas observações do funk.

Pergunto se, frequentador de bailes que é, não faz sentido querer tocar nos da “Disney” (Vila do João) ou da “Selva” (Complexo da Penha), dois dos maiores e mais famosos do Rio de Janeiro. Ele diz um “não” bamboleante em relação a um ambiente dividido entre facções e a arte de um DJ que comanda a massa com música e também microfone nas mãos. 

A agenda de shows do DJ, em sua totalidade, acontece em festas e festivais voltados para a classe média. O DJ se diverte, mas é no baile que suas antenas sintonizam as novidades do funk. Mas, por enquanto, agitar os crias nos bailes que ama parece ser um processo distante.

“Fico tímido. Lembra que eu sou introvertido? Acho que vou incomodar”, diz, não sem deixar de imitar, aos gritos, o famoso bordão funkeiro “pau no c* do mundo” com uma entonação só possível a quem realmente frequenta os paredões.

Sexo, sexo, sexo, sexo 

Ramon fica mais seguro quando pode esquecer do próprio cérebro ansioso. O seu vulgo DJ é um disparador de tambores distorcidos que, para o horror dos técnicos de som, saem em decibéis que agradam os fãs que seguram e balançam latinhas compridinhas de energético cheias de cloreto de etila.

Se influenciador ganha mimos, o autoproclamado “Rei do Lança” ganha é loló. Por vezes, ganha sexo também. Não à toa, também é chamado de “Presidente do Sexo” pelos fãs. “Mas agora eu uso um código. Se eu não tocar [a faixa] ‘DJ Ramemes Quer Fuder’ é porque eu quero ir pra casa e dormir”, diz.

Lança, lança, lança, lança

Mas quem roda com Ramemes sabe que a coisa vai além do memetismo circular que suas produções invocam e provocam — uma quebra de sentido das palavras de tanto que são repetidas: sexo, lança, sexo, lança. 

“Eu dividi quarto com ele”, desenha JLZ, produtor brasiliense e membro do coletivo Weird Baile com quem assina distorções da fórmula do funk junto com Vhoor, Mu450, Bonequinha Iraquiana, além do próprio Ramemes.

“E eu fiquei observando aquele pivete, ali, de quebradinha. E ele é tranquilão, pá, a preocupação dele é saber onde tem um lança. Mas a gente fala muito sobre funk, de quem produziu essa ou aquela. E ele fala muito sobre a família dele. Moleque suavão. Mas quando chega no baile… Ele criou um personagem e vive essa parada sem ser um bagulho tóxico”, completa JLZ para logo em seguida contrapôr:

“Lógico, tem o ponto do lança… Não sei se gosto… Mas, se você é um personagem cujo apelido é ‘Rei do Lança’, você tem que fazer por onde, carai!”.

O lança-perfume faz a cabeça nos bailes (no caso, de Carnaval) desde 1904. Em meados de 2012, o funk da Baixada Santista e da grande São Paulo denunciava a popularidade do loló incoporando-o ao léxico do funk (“é o lança de coco: baforou, ficou louco” ou “olha o lança! Quem não bafora, não transa!” gritava MC Bin Laden adaptando os bordões dos vendedores da substância nos bailes para as músicas desse período).

Ramemes fala tranquilamente sobre o uso da substância. “Eu tenho duas personalidades: quando eu arrumo uma lata de lança, viro o Ramemes. Não tenho vergonha porque um monte de artista já fez isso na minha frente, todo mundo usa alguma coisa”, explica.

Para ler ouvindo: “Sexo Completo” (FMB, 2023), por DJ Ramemes

Nerdola cria de VR

Ramemes é aluno da primeira fila das aulas de funk. JLZ confirma: “Eu estava no Twitter e vi alguém fazendo remix com algo de ‘Naruto’. Quando ouvi, pensei ‘mano, impossível isso aqui’. O tambor distorcido e onde ele entra é muito específico de quem tá ligado”.

E Ramemes é mesmo um funkeiro nerdola, daqueles que registram cada tambor e artista que passam pelos seus sets. “Por isso que a galera estranha e, ao mesmo tempo, eu ganho destaque. Se a música é ‘mídia’, eu toco! Quando eu acho uma música doida, eu toco! Não tem essa, tá ligado? Eu sempre mostrei que faço música doida e quando eu acho uma, obviamente, vai pro meu show ou eu chamo o produtor para lançar comigo”, explica.

Seu conterrâneo e parceiro DJ Pretinho da VR diz que, por ter pensando em abandonar o funk, se sente realizado de ver suas músicas sendo tocadas “para fora, para o mundo” pelas mãos de Ramemes, a quem chama de vizinho “desgraçado”.

“Ramemes é sinistro. Faz barulho com qualquer coisa. A gente vai lançar um álbum em breve: ele, o Ramon do Gustão, e eu”, elogia Pretinho, citando o relançamento de relíquias de Volta Redonda que estão entocadas no Soundcloud.

‘Pra que faculdade, se eu não fiz?’

Além de filho de Paulinho (que se chama Vicente), Ramemes também é filho de Skrillex. O pai biológico apoiou a carreira de Ramon dizendo “para que faculdade, se eu não fiz?”. Já o produtor símbolo do dubstep não disse nada e nem mesmo o conhece, mas mudou a vida do Ramon em 2016, no palco do Lollapalooza.

O jovem viu a apresentação pela TV e, nesse mesmo ano, seria introduzido ao software Ableton por um amigo (virtual) de Anápolis, em Goiás, que transformou um gamer em um aventureiro da produção – e também em um cara-de-pau do show de talentos do colégio, onde brotou com uma controladora emprestada. A princípio, deu migué. Mas adorou.

Mais uma (piada) do Ramemes

Ramemes é um ótimo contador de histórias. Ele se diverte ao analisar Kevin O Chris conceituando o público carioca como “o mais difícil do Brasil” porque só quer ouvir o próprio funk. Também gosta de lembrar do DJ de uma festa da zona sul carioca que instigava o público a usar loló — mas que negou uma baforada em seu lança-perfume. “Ele ficava dizendo assim: ‘bafora o lança!’, ‘puxa o lança!”, aponta para a anedota. “Aí, eu ofereci, disse: ‘toma aqui!’. Ele olhou pra mim e disse ‘eu não! Tá doido!?'”. 

“Pô… se eu toco ali a minha música ‘Meu Fi Me Dá Um Lança‘, eu ia ficar assim” completa, em meio a gargalhadas, estendendo as mãos tal qual um pedinte.

Até o fechamento desse texto, sua música mais ouvida nas plataformas é “Calma, Amiga”. Foi o ídolo Maffalda que retalhou um projeto salvo e pronto de Ramemes e levou até Pabllo Vittar. O resultado virou a canção que está em “Noitada” e também no álbum remix intitulado “After”.  

Foi só quando “Noitada” saiu que o cria de VR se deu conta do patamar em que sua música estava se metendo. Agora, todo mundo quer fazer música com o moleque que queria fazer música com todo mundo.

Ele diz que zerou seus problemas (“agora eu fico com a mente limpa e sem peso na consciência, faço meu trabalho na boa. A última coisa que eu quero é problema”), quer montar um estúdio (“da forma certa”, ele diz, revelando que já tentou montar um e perdeu foi dinheiro nisso), fazer mais música doida e cobrar os doidos que querem fazer música doida. “O que eu quero saber pro futuro é a Slipmami [a cantora “trem balinha” da Vila Urussai, de Duque de Caxias], o Puterrier [expoente carioca da mistura de grime com atabaques do funk] e a MC Naninha [notável MC carioca de voz e vocábulos inconfundíveis] me mandando as acapelas que tão me devendo”, responde.

O jornalista, pesquisador Yuri da BS
Yuri da BS

É jornalista, pesquisador e programador musical. Repórter da Billboard Brasil desde o lançamento da marca, em 2023. Toca o projeto Bota Som de pesquisa e pancadões — por isso, o BS.

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