Pabllo Vittar repensa estratégias na carreira e conta como enfrenta o ódio nas redes
Drag queen revela como enfrentou a campanha de ódio promovida nas redes sociais
O manual do astro pop professa que mudanças de rumo e de estilo, agora chamadas de “eras”, são bem-vindas e necessárias. Madonna, por exemplo, passou de uma postura sexualizada para paquerar a black music na transição de “Erotica”, de 1992, para “Bedtime Stories”, de 1994. O cantor e compositor inglês David Bowie (1947- 2016) mudou tantas vezes de visual e adotou tantos estilos sonoros que ganhou o apelido de Camaleão. E ambos souberam fazer retornos estratégicos às suas zonas de conforto quando a transmutação não rendeu os resultados esperados.
Pabllo Vittar, guardadas as devidas proporções, passa por momento semelhante. “Noitada”, de 2023, foi elogiado mais pelos resultados artísticos do que comerciais. “Às vezes, as pessoas estão preparadas para escutar apenas o básico”, resigna-se a cantora. “Foi como estar no segundo grau e passar da aula de matemática para geografia”, diz Rodrigo Gorky, produtor que lapidou o talento musical da drag queen quando a descobriu, na segunda metade dos anos 2010.
O primeiro “Batidão Tropical” surgiu em 2021, quando a pandemia ainda era motivo de preocupação. Foi, praticamente, um trabalho caseiro. “Fui de São Paulo a Uberlândia de carro e entreguei um microfone nas mãos da Pabllo. A voz guia das canções foi gravada dessa maneira, em 20 minutos”, diz Gorky. A essência do volume 2 continua a mesma: canções inspiradas em gêneros do Norte e Nordeste do país. Mas a primeiro versão do projeto trazia músicas do time de Pabllo –entre eles Gorky, Pablo Bispo, Maffalda e a cantora e compositora Alice Caymmi– em meio a composições de bandas como Companhia do Calypso e um grupo brega do Recife.
O segundo volume mantém a essência brega, mas conta também com participações especiais, como Gaby Amarantos. Alice Caymmi retorna e assina a faixa “Idiota”. A compilação do repertório dos dois álbuns bem que poderia render performances em locais mais tradicionais, como o CTN (Centro de Tradições Nordestinas), na zona norte de São Paulo. “Mas aí eu teria de privilegiar somente essas canções, não sei se daria para fazer algo mais pop”, diz ela, dessa vez com um olhar de soslaio para o repórter.
Pabllo Vittar tem uma das trajetórias mais impressionantes do pop nacional. Nascida em São Luís, no Maranhão, morou no Pará e em outras cidades do Norte e do Nordeste. Na adolescência foi para Caxias, também no estado do Maranhão. Teve aulas de balé clássico e jazz e passou a se apresentar em festas e no coral da igreja presbiteriana da cidade. Quando completou 16 anos, mudou-se para Indaiatuba, no interior de São Paulo, onde trabalhou como caixa de lanchonete (foi despedida depois de uma brincadeira inconsequente com um extintor de incêndio), assistente de salão de beleza e atendente de telemarketing. Entre uma empreitada profissional e outra, aprendeu a se montar assistindo a tutoriais de maquiagem no YouTube e ao “RuPaul’s Drag Race”, competição apresentada pela drag queen mais importante do mundo. Veio outra mudança –dessa vez para Uberlândia, em Minas Gerais, onde vive até hoje–, e Pabllo deu início ao processo de transformação para a popstar como conhecemos.
A drag queen estudou design e passou a frequentar a Belgrano, casa noturna que tinha Yan Hayashi e Leocádio Rezende como proprietários. Foi ali também que encontrou Urias, que também se lançou como cantora, e Matheus Moura, a drag queen Kiddo Wadahell, de quem falaremos mais tarde. Juntamente com o agito, Pabllo passou a postar vídeos no YouTube como Pabllo Knowles (inspirada por vocês sabem quem). Eles chamaram a atenção de Rodrigo Gorky, do Bonde do Rolê, que estava dando seus primeiros passos como produtor musical.
“Quando entrei em contato com a Pabllo, ela pensou que fosse trote”, diverte-se Gorky. Em outubro de 2015, saiu seu primeiro single, “Open Bar”, cujo clipe traz Urias, Yan e Léo num look totalmente diferente ao que estamos acostumados. O ano de 2017 marcou o lançamento de “Vai Passar Mal”, disco de estreia da drag queen. O resto da história é marcado por glórias. Pabllo participou de um palco paralelo do Rock in Rio e chegou a roubar os holofotes das atrações principais. No ano seguinte, outro disco.
Não Para, Não” consolidou o status de principal drag queen do pop nacional graças a sucessos como “Disk Me” e “Problema Seu”. O sucesso abriu as portas para outras deusas da comunidade LGBTQIA+ que se lançaram como cantoras, como Gloria Groove e Urias, que trabalhava então como assistente de Pabllo. Mas também trouxe dissabores para a popstar.
O Brasil vivia um momento político tenso em 2018. A disputa entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad para a presidência do país deixou a classe artística em estado de alerta –principalmente porque Bolsonaro, que acabou eleito, era avesso a manifestações artísticas. Criou-se um bordão, o “Ele Não”, que ganhou as redes sociais e virou palavra de ordem em shows e manifestações. Pabllo, no entanto, proferiu a frase num programa de TV, em rede nacional. Foi ali que os problemas começaram.
As redes sociais são uma ótima maneira de estreitar o relacionamento do artista com seu público. Taylor Swift e Beyoncé, por exemplo, praticamente pararam de dar entrevistas à imprensa porque têm um canal direto com os fãs. Porém, o mesmo meio produz os chamados haters, cuja diversão é insultar qualquer pessoa que esteja em evidência. Pabllo tem mais de 3,4 milhões de ouvintes no Spotify e mais de 12 milhões de seguidores nas redes sociais. É, naturalmente, um alvo. Principalmente no Twitter.
“É uma plataforma muito louca. Não tem nenhuma política que resguarda ninguém, não. Todo mundo se xingando e falando coisas baixas”, diz a cantora, que abandonou essa rede social.
“As pessoas ficam desesperadas em ver o quanto a humanidade está ruim, com gente capaz de vomitar tanta maldade”, diz a psicóloga Andreia Jotta, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), especializada em comportamentos relacionados à saúde mental no uso de tecnologias de informação e comunicação. “Pabllo vem de uma geração que não foi prevenida dos males que podem existir na internet.”
Mas a drag queen desde cedo aprendeu a lidar com o lodo da sociedade. “A homofobia sempre existiu, mas poucos percebem. É como gripe, que você só consegue perceber quando a pessoa está realmente gripada.”
Pabllo tem, claro, motivo para se chatear. As chamadas fake news, aliás, estão cada vez mais presentes na realidade brasileira. Segundo pesquisa da Weach Group/ Hibou, divulgada no dia 20 de março, 9% dos brasileiros acreditam que as fofocas de celebridades que recebem no WhatsApp são verídicas. O problema é que, dos 91% de brasileiros que têm alguma dúvida, apenas 12% vão procurar saber se realmente a informação procede. Ou seja, a fofoca fica por ali mesmo. Aliás, desses 91%, quase metade (42%) compartilha a maledicência com amigos sem verificar a procedência da notícia.
Pabllo não se arrepende da postura política adotada –embora afirme que tenha sentido uma certa desunião de seus pares, principalmente os da comunidade LGBTQIA+. “Aprendi a marcar posição desde criança, porque há tempos sofro com xingamentos e preconceito”, diz ela. O curioso é que nem sempre os insultos se devem a questões políticas. Existe uma parcela do fã-clube da drag queen que a cobra por conta de suas escolhas musicais e até pela ausência –ou não, porque há uma divisão– de letras que apelam para a conscientização e a militância. “Todo artista é cobrado, mas aqui o público tem uma relação muito estreita com seu objeto de adoração”, diz uma fonte ligada à popstar.