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O furacão Ana Castela

O furacão Ana Castela

Avatar de Bruna Calazans
Ana Castela

Quando conheci Ana Castela pela primeira vez, ela estava nos bastidores do Caldas Country, em novembro de 2023. O evento aconteceu em Caldas Novas, Goiás. Ali, ela evitou falar com a imprensa antes do show e estava séria nos bastidores, tímida, olhando para um lado e para o outro, preparando-se para subir ao palco. Era apenas a segunda vez que ela participava do festival, mas chegou com status de um das principais atrações da noite. Naquele momento, fazia pouco mais de um ano que seu nome havia surgido na mídia, impulsionado pela faixa “Pipoco”, uma parceria com Melody e DJ Chris no Beat, de junho de 2022.

A garota nascida em Amambai, Mato Grosso do Sul, certamente não imaginava o tamanho do sucesso que alcançaria, muito menos que seria aguardada com tanta ansiedade, a cada show, por um público de milhares pessoas. Ela surgiu reivindicando o estilo boiadeira, vestida com chapéu, bota e cintão. Misturou sertanejo, funk e letras sobre a rotina do agronegócio, resultando no agronejo que lhe alçou ao sucesso absoluto.

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Quase um ano se passou até que encontrei Ana Castela pela segunda vez. Nove meses separaram a menina concentrada do Caldas Country daquela (ainda) menina dos bastidores de um dos maiores festivais de música do mundo: o Rock in Rio. Em 21 de setembro de 2024, ela se juntou a Chitãozinho e Xororó para abrir caminho ao sertanejo no Palco Mundo, como parte da celebração do Dia Brasil, ação inédita nos 40 anos do evento. “Para mim, isso é uma honra. Eu os considero como meus avós”, brincou, em seu camarim na Cidade do Rock, enquanto era abraçada pela dupla mais conhecida do país.

Ana ainda parecia nervosa com o show que faria dali a alguns minutos, mas de forma diferente. Demonstrava confiança, apesar da timidez, no que havia construído até aquele momento. Quando subiu ao palco, tudo se confirmou –exceto a introversão. Encarou uma multidão cantando suas músicas (“Nosso Quadro”, “Solteiro Forçado” e “Sinônimos” formaram o repertório) e crianças de todas as idades usando faixas com o nome da Boiadeira na testa.

Diante de tantas mudanças que aconteceram nos últimos anos, ela tenta se manter tranquila. Surgiu no cenário musical aos 17 anos e, hoje, aos 21, segue tentando absorver a avalanche que caiu sobre ela de um dia para o outro. “Foi uma mudança bem drástica, para falar a verdade”, conta, em entrevista à Billboard Brasil. “Antes, eu tinha uma vida completamente anônima. Agora, as pessoas querem saber de mim, vão até os lugares em que estou, me seguem. Mudou demais”, conclui. Ana continua sendo uma menina tímida, com seu estilo caipira de quem foi criada na fazenda. Entre uma pausa e outra, como se ainda estivesse tentando conectar quem era e quem é hoje, ela admite que está no processo de se acostumar com a nova realidade. “Estou aproveitando os frutos que a fama e o mundo estão me dando, mas sempre com um pé atrás.”

Ana é uma das cantoras mais ouvidas do país –tronou que ocupou com constância o ano todo. No momento em que escrevo esta reportagem, ela tem duas músicas no Billboard Brasil Hot 100. Ela permaneceu 31 semanas seguidas em primeiro lugar no Artistas 25. Será homenageada pela Billboard no Women´s Music Event, neste mês, evento que dá destaque a mulheres do mercado musical.

A artista ainda é acompanhada por mais de 27 milhões de pessoas nas redes sociais, onde compartilha detalhes divertidos de sua personalidade, momentos das férias na Disney e vídeos fofos ao lado do namorado, o também cantor Gustavo Mioto. E se tornou figurinha carimbada em peças publicitárias, já tendo estrelado comerciais e campanhas de diversos segmentos. “Ô loco [sic]. São umas portas danadas que abrem pra mim”, celebra. Ela entende que esse desejo do mercado é consequência do sucesso que faz nos palcos, e isso também tem trazido resultados pessoais que ela mal considerava alcançar. “Gente, eu nunca pensei que a minha cara estaria estampada numa caixa de sapato. Não ajuda só a minha carreira, mas me faz realizar sonhos que eu nunca nem imaginei. Acho o máximo.”

Esse anseio do público e do mercado por sua presença constante também lhe traz sentimentos, muitas vezes, conflituosos. “A minha vida não é mais minha. Não tenho mais vida pessoal, todo mundo sabe de tudo o que eu faço”, desabafa, mas reforçando, mais uma vez, que está se acostumando. Eu me pergunto como é estar naquela situação. Ter a vida transformada nesse nível. Questiono (até um pouco preocupada, admito) se ela tem algum acompanhamento, e Ana confessa que começou a fazer terapia há pouco mais de um mês. “Acho que nenhuma cabeça é boa o suficiente para ficar esse tempo todo sem um profissional.”

Sua mente, aliás, tornou-se inimiga de seu corpo durante um show na Festa do Peão de Barretos, em 2023. No momento em que se preparava para cantar “Solteiro Forçado”, uma das faixas que a levaram ao sucesso, ela desabou. “Desculpa não conseguir cantar”, disse, em meio às lágrimas, em frente a uma multidão que estava ali para vê-la. “Eu juro que estou estudando e fazendo fono para melhorar esta voz. É cansativo para caralho, mas eu estou dando o meu melhor nesta porra.” Os bastidores desse momento, segundo Ana, foram igualmente complicados. “Eu estava com a cabeça ruim”, relembra.

“A minha vida não é mais minha. Não tenho mais vida pessoal, todo mundo sabe de tudo o que eu faço”

Ela contou que o excesso de trabalho e “tanta coisa nova” rolando mexeram com seu emocional. “Eu não conseguia tocar a nota da música, estava muito insegura.” As críticas, que vieram do público mas também dela mesma, foram o combustível para a evolução. “A gente precisa se aprimorar. Eu nasci com o dom de cantar, mas preciso aperfeiçoá-lo.”
Terapia, fé cristã e a família –que sempre a apoiou, ela conta– se somam nesse turbilhão, como seu apoio incondicional. Ela também busca agradar aos desejos de Ana Flávia (seu primeiro nome), e não apenas da estrela Ana Castela. No tempo livre, gosta de ficar acompanhada dos amigos no rancho que tem em Londrina, no Paraná, e de viajar a São Paulo para passear no shopping. “Nesses dias que eu consigo ser jovem”, brinca, como se nos outros precisasse ser uma versão mais madura de si mesma.

Não é somente nos rolês no shopping que ela evoca a Ana Flávia que ainda vive em si. Seu projeto mais recente, “Herança Boiadeira”, lançado em setembro de 2024, também foi um exemplo disso. A gravação aconteceu em seu rancho, e ela dividiu o microfone com nomes clássicos da música sertaneja, como Matogrosso e Mathias, Eduardo Costa, Paula Fernandes, Gino e Geno. Os reis do modão, e artistas que ela acompanha desde pequena. O convite para eles não foi feito pensando em grandes resultados, mas veio do coração. “Queria que fosse algo meu. Não é da Ana Castela, é da Ana Flávia. Queria lembrar as minhas origens, a fazenda em que eu fui criada. Meu avô [André Castela, pai de sua mãe, Michele, morto em 2008] sempre curtiu todos esses cantores, e eu também”, conta. “Foi algo bem significativo. Fazendo sucesso ou não, era algo que eu queria muito. Faria de novo, 300 vezes se pudesse, exatamente desse mesmo jeitinho.”

Na faixa “Minha Herança”, ela chamou os avós paternos ao palco, como forma de homenageá-los. “Tempo que não volta/ O ‘vô’ e a ‘vó’ conversando e nós correndo em volta/ Ficar até tarde acordado escutando história/ Daria todo meu dinheiro para ter isso agora”, diz a letra.

Como fruto de tudo o que conquistou até aqui, Ana Castela recebeu uma missão importante para 2025: ser embaixadora da 70º edição da Festa do Peão de Barretos. A escolha de seu nome é resultado de uma campanha excepcional no evento nos últimos três anos em que se apresentou por lá. Desde 2010, o cargo já foi ocupado por grandes nomes da música sertaneja, como César Menotti & Fabiano, Luan Santana, Simone Mendes e Henrique & Juliano.

Em sua primeira aparição no “Barretão” (como Ana gosta de chamar a festa), em 2022, ela se apresentou em um palco secundário. Seu nome ainda era novidade, com um estilo um tanto quanto irreverente, o tal do agronejo que mistura roça, funk e modão. A organização do evento decidiu apostar. O show foi um sucesso, lotou de gente, e nem as portas do camarim foram suficientes para conter os fãs –em especial as crianças– da Boiadeira. No ano seguinte, ela foi colocada no maior palco, como uma das principais atrações da noite.

Apesar de não ter conseguido alcançar a nota mais alta de “Solteiro Forçado” e ter caído no choro no meio da multidão, ela entregou uma das apresentações mais comentadas e celebradas da festa naquele ano. O mesmo aconteceu em 2024, e a organização de Barretos não teve outra escolha: Ana Castela foi eleita então a embaixadora do aniversário de 70 anos do evento.

“Ela começou sua trajetória em Barretos com um show para 20 mil pessoas, numa terça-feira. Depois, fez um maior em 2023 e, em 2024, um dos melhores shows do evento. Claramente a gente viu a evolução dela como artista”, conta Pedro Muzeti, diretor artístico da Festa do Peão, em entrevista à Billboard Brasil. Para ele, além do crescimento de Ana, sua figura representa o que há por vir no gênero musical. “É uma renovação do público que frequenta rodeio. Ela tem um papel fundamental no futuro da música sertaneja. Nada mais justo do que receber esse título de embaixadora. Na comemoração dos 70 anos, é importante termos alguém tão jovem representando um evento tão antigo. São opostos que se complementam.”

Essa renovação que Pedro defende é justamente na idade do público que frequenta rodeios (e shows de sertanejo de maneira geral). Em diversas apresentações de Ana Castela há crianças com seus pais, ansiosas para subir no colo e tentar ver a cantora de perto. Ana sabe que tem um apelo infantil muito forte, e isso influencia, inclusive, na forma como ela se mostra ao público. “Passei a prestar atenção nas roupas que eu visto e nas palavras que eu falo no palco”, conta. “Preciso tomar muito cuidado com a criançada, né? Às vezes, eu falo alguma coisa que para mim e para a minha equipe é engraçado, mas não agrada aos outros. Acabo deixando só para mim. Rio sozinha.”

As reclamações não vêm dos pequenos. Segundo Ana, são as mães que pegam no seu pé, de vez em quando. Afinal, ela acabou se tornando a rainha dos baixinhos que, além de cantarem cada letra de cada música sua, também se vestem igual a ela. “É a coisinha mais linda vê-los de chapeuzinho. Você tem que ver.”

Ela está de olho nesse público. Sabe a importância que ele tem para a sua carreira. Pensando nisso, prepara-se para o lançamento de uma série de vídeos no YouTube, chamada “Turma da Boiadeirinha”, prevista para chegar ainda em 2024. O projeto conta com músicas inéditas, todas pensadas para a criançada. “Eles são a coisa mais bonitinha do mundo, não tenho o que falar.”

O FUTURO

Os próximos passos não apontam apenas para as crianças. Ana se tornou um dos nomes mais cobiçados por grandes representantes do gênero. Fez parcerias com Gusttavo Lima, Luan Santana, Zé Neto e Cristiano, Wesley Safadão e mais uma galera. E continua sendo convidada para tantas outras o tempo inteiro. Admite que, talvez, em algum momento, esses convites venham motivados por um desejo de se aproveitar do seu sucesso. Mesmo sabendo disso, ela não se importa muito: “Existe, né? Não dá para falar que não existe. Mas se eu gosto da pessoa, e ela quiser surfar na minha onda, eu surfo na dela também e pronto!”, diz.

O coração da Boiadeira está aberto, e ela prefere compartilhar seu sucesso, mesmo se estiver rodeada de segundas intenções. “Se vai me ajudar e ajudar a pessoa, por que não?”, questiona Ana que, por sua vez, sonha colaborar com Luísa Sonza, Anitta, Jorge & Mateus e Henrique & Juliano.

Com isso na cabeça, e num clima “deixa a vida me levar”, a cantora planeja uma segunda versão do “Herança Boiadeira” para 2025. Com a indicação e a vitória no Grammy Latino 2024, ela também acredita que a demanda por seus shows fora do país passe a ser maior. Sua primeira experiência internacional foi com apresentações em Lisboa, Portugal. “Será que eu vou ter que fazer uma carreira internacional agora?”, pergunta-se, enquanto conversamos, como quem ainda sonha com coisas que, lá no passado, mal imaginava conquistar. Sobre o Grammy Latino, ela confessou que estava preocupada com a cara de perdedora que faria caso não vencesse o prêmio. Mas ganhou por melhor álbum de música sertaneja, desbancando nomes como Simone Mendes, Luan Santana, Gusttavo Lima e Lauana Prado.

“Eu sou Ana Castela do Brasil” disse, no palco, ao receber o gramofone das mãos da cantora Gloria Groove. Ela tentou um portunhol, mas acabou se rendendo ao próprio idioma. A indicação por si só, para ela, já representava um grande passo na carreira. Aventurar-se em territórios gringos não é seu desejo de vida, ela confessa. “Mas se der certo, né? Eu vou correr atrás”, afirma, resiliente.

Eclética, Ana não descarta mudanças em seu repertório daqui para a frente, principalmente uma inclinação maior ao pop. “Gosto de cantar os estilos com os quais me identifico e que ouço no meu celular.” Seus artistas mais escutados são Pedro Sampaio e o norte-americano Morgan Wallen, estrela do country.

Os shows da Boiadeira são repletos de elementos tecnológicos. Ela dança, canta, solta fogos e investe em pirotecnia, tem um balé acompanhando o tempo todo e até já colocou um cavalo dourado, gigantesco, em cima do palco –à la Beyoncé. Com isso, existe um pedido do público para que assuma a persona de diva pop. “Migrar [para o pop] eu acho que não vai acontecer. Eu quero estar sempre levando o meu chapéu para onde eu for”, revela. No entanto, ela planeja incorporar o estilo nos shows de 2025. “Mas ainda vai ter um momento modão”, garante, para a alegria dos fãs mais tradicionais.
Ana Castela surgiu como um furacão. Explodiu entre as músicas mais ouvidas do país, tornou-se um dos nomes mais quentes do sertanejo, impulsionou o estilo boiadeira por aí, mas não pretende desaparecer, como uma artista de um hit só. Apesar da pouca idade e dos poucos anos de carreira, ela sabe que quer continuar sendo fiel às suas raízes, com os pés fincados no chão e se apoiando no que importa para seguir trilhando uma trajetória de sucesso.

Em uma das nossas conversas, em junho de 2024, ela disse que ainda queria se provar para um “povo chato”, que não a levava a sério. Quando questionei sobre quem eram esses chatos, ela foi direta: os adultos. Rainha dos baixinhos, ela se sentia malvista pelos mais velhos. Talvez esse seja o preço que pagam tantos ídolos teens espalhados pelo mundo. Talvez a terapia, a fé, o contato com a família ou a Ana Flávia tenham mudado a cabeça de Ana Castela. Agora, apesar da timidez, sabe muito bem quem é e para onde quer ir. “Não vou me provar para ninguém. Sou o que sou. Quem não gosta que não goste. Eu sou feliz assim. Gosto das músicas que eu canto e da artista que eu sou.”

Para fechar 2024, ainda tem o Women’s Music Event, em dezembro. A premiação voltada para exaltar o trabalho de mulheres na música que acontece anualmente em São Paulo. Ana sabe que ese reconhecimento não é apenas seu, mas de todas que trabalham para a transformação da música no país –o que, de certa forma, ela carrega também na própria trajetória. “Quero fazer o meu melhor para abrir portas para mais artistas femininas em nossa indústria”, celebra. Seu objetivo é seguir inspirando, desde os baixinhos até os adultos que tanto questional seu talento. “É importante mostrar a força da nossa música no cenário global.”

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