‘Oposição’, DJ K junta bruxaria e Marighella contra ‘merreca’ política no funk
Um dos expoentes de subgênero do pânico, DJ aguarda resposta do System of a Down


Há cinco anos, Kaique Alves tinha um objetivo, uma única brisa: criar, do dia para a noite, alguma montagem no computador para curtir com os amigos. Ele até achou que assim seria, não fosse o fato de logo a primeira música upada em seu canal no You Tube ter estourado também com os amigos dos amigos e milhares de outras pessoas que começavam a se interessar pela bruxaria, subgênero que se inspira no rock e usa pânico e terror como elementos sonoros e sombrios.
Chamado aqui na Billboard Brasil de “Dumbledore do Funk”, o alquimista mór da bruxaria é DJ K. Ele está à porta de sua segunda turnê internacional e, agora, lança “Rádio Libertadora” após ser tocado pelo discurso revolucionário e anti-sistema de Carlos Marighella. Sampleado pelos Racionais MC’s, o comunista criou a clandestina rádio durante e contra a ditadura militar e, agora, vê seu legado como título do sucessor do elogiado “Pânico no Submundo” —disco que deu liberdade artística e financeira para que o bruxo pudesse ter mais tempo dedicado à música.
À Billboard Brasil, o DJ de Diadema fala sobre como se identifica com a rebeldia de Marighella, critica o “hype” dos políticos tiktokers que infestam-se nas favelas buscando atenção com ações moralizadoras contra bailes funk, dos funkeiros e produtoras que se declararam apoio à política de Ricardo Nunes e Pablo Marçal nas últimas eleições e do convite que o System of a Down ainda não visualizou.
para ler ouvindo: “Rádio Libertadora”, de DJ K
E aí, K. Você antecipou o lançamento de “Rádio Libertadora” no Bandcamp. Qual foi o objetivo?
Foi só uma prévia. Fiz antes de ontem [a entrevista foi gravada no dia 3 de fevereiro] e lancei só no Bandcamp para ver a reação das pessoas. Depois, toquei o disco na Submundo 808 [famosa festa de funk que rola em Campina e em São Paulo]. Foi foda. Vou repetir isso no dia 22, só que em São Paulo, e com algumas mudanças.
Por que o uso da “Rádio Libertadora” de Marighella e como você chapou na história dele?
Já tinha escutado isso na escola, quando era bem moleque. Não dei muita atenção, na real. Veio com Racionais [o grupo homenageia o revolucionário em “Mil Faces de Um Homem Leal”] e tive essa referência. Comecei a pesquisar sobre, me identificar em alguns aspectos sociais. Foi a mesma coisa que fiz com “Isso Não É Um Teste” [na faixa, o DJ institui uma lei sancionada pelo então governo Bolsonaro], do meu álbum antigo. A narração [da Rádio Libertadora] que ele fala da revolução eu peguei no You Tube e combinou certinho com o álbum. É a minha zero-um.
Tem eclodido nas redes sociais muitos conteúdos de políticos que visitam as favelas e filmam suas ações moralizadoras. Muitas vezes, são vistos encerrando bailes ou fluxos em comunidades da Zona Sul, por exemplo. Como você tem visto isso?
Eles fazem as mesmas coisas que os políticos grandes fazem. Só que eles reproduzem isso na favela. Quem vê de fora acha que é [verdade] aquilo [que está sendo mostrado no Instagram/Tik Tok]. Mas quem tá lá dentro sabe que o político não vai lá, não beneficia em nada, praticamente é só opressão durante o dia ou no baile. Coisas que não rolam em um bairro melhor. Quem é de dentro tem raiva pra caramba disso. Faz anos que eu vou em Heliópolis e faz anos que a galera luta sozinha, praticamente. Estou falando do pessoal que é o dono do bar, a tia da latinha todo final de semana —que eu conheço há mais de seis anos. Esse é o pessoal que não tem benefício nenhum desses caras. Eles surfam no hype da favela e agora querem surfar no hype da música também.
Nas eleições municipais, funkeiros e produtoras de funk mostraram-se abertos e declararam voto nos candidatos como Ricardo Nunes e Pablo Marçal. Você recebeu algum convite desse?
[DJ K ri ao imaginar a possibilidade] Eu sou muito anti-sistema. Sou de oposição. Sempre estive na favela e sempre vi a opressão comigo, com os bailes, com as pessoas humildes. É difícil ser a favor de algo que me oprime e que, na época da eleição, quer se aliar a mim. Não fui procurado. Mas, caso tivesse, não participaria, não quero me vincular a isso. E, como em qualquer lugar, no meio do funk também tem gente que se alia a político e tenta ganhar um dinheiro em cima. Se alia não por uma causa, mas por um beneficio próprio, financeiro. E às vezes é uma merreca. E essa aliança favorece muito mais o político do que o funkeiro.
Você vislumbra quando é que o baile passará a ser reconhecido pelo poder público de São Paulo como uma atividade cultural e não policial?
Só quando a sociedade começar a aceitar o funk —como aceitou o sertanejo e virou uma coisa comercial, política, algo que todo mundo ouve. O funk precisa virar algo cultural. Literalmente, a música. Muitas vezes a gente está no fim de semana, coloca um funk, as pessoas olham torto. Mas é exatamente para isso que a gente tá trabalhando, viajando, tocando. Para quebrar esse paradigma. E também para pagar nosso aluguel, comida na mesa. E é difícil, né?
Você já saiu do Brasil e em sites internacionais, é considerado pai da bruxaria. “Rádio Libertadora” é também um álbum feito por um DJ que está mais livre para ser artista?
Como pai da bruxaria, com certeza, muito DJ me vê como referência. Acho muito foda. Mas é fruto de muita raça e é meio despretensioso.
Quando eu criei a bruxaria, eu misturava o que eu gostava de ouvir, rocks, rap, e deixava um som meio trevoso. E para mim ia ser só isso: eu ia fazer música para meus amigos e já era. E quando eu postei a primeira música, com a voz do MC GW [“Baile da Colômbia”, de 2020], uma cappella bem facil de achar na internet, e já deu bom. Essa era a minha brisa: fazer da noite para o dia para meus amigos ouvirem.
Aí postei, veio empresário atrás, sempre vem, para financiar esse sonho. E continuaria sendo só um hobby, tanto é que eu parei de trabalhar só há um tempinho atrás. Quando virou algo viável para mim, financeiramente, foi que eu enxerguei o que eu tava fazendo. Saia do meu computador e tava virando comida na minha mesa. A primeira vez que eu saí do Brasil, pisei na Alemanha, ouvi aquelas pessoas falando tudo errado… Foi onde caiu a ficha. Inclusive, esse ano vou para a Europa de novo. É muito foda saber que estamos levando o funk adiante.
Voltando a falar do álbum, o que você identificou que precisava mudar depois de ter lançado o álbum no Bandcamp e de tê-lo tocado ao vivo? Aliás, como é que você testa o som que você acabou de fazer no PC? Vai direto no alto-falante do carro?
Eu tenho meu monitor de som aqui e tal, mas eu nunca consigo deixar ela, na primeira vez, como deve ficar. Teve algumas músicas do álbum que eu ia ouvir no celular de um amigo: não ficava bom. Ouvia no som de carro, ficava de outro jeito. Para testar mesmo só em show, com paredão. Nesse último baile que eu tive essa percepção. Tem algumas pequenas coisas a serem mudadas.
E o que é que precisava de mudança?
Algum beat mais alto que a voz, um grave muito mais alto que o sample. Dá para ouvir. Eu sou perfeccionista. Tento deixar o máximo de qualidade possível. O grave muito alto que a voz, por exemplo. São coisas pequenas, não vou mudar a estrutura da música.
Qual é o próximo patamar da sua bruxaria?
Eu nunca… [gargalha ao imaginar] Eu costumo falar, o funk é bem despretensioso: uma hora você tá lá em cima, outra hora embaixo. Mas eu tenho alguns sonhos, sim. Fazer feats com artistas grandes usando meu estilo de música, a bruxaria. Sonho mesmo. Artistas nada a ver com funk, como o System of a Down. Umas coisas malucas, assim. Coisa que viraria o mundo de cabeça para baixo.
Pô, o que está faltando? O que estamos esperando?
Eu também espero [gargalha novamente]. Eu já chamei, eles que não viram na notificação [gargalha mais uma vez]. Mas tem muita referência do rock que eu gosto, coisa pra caramba. Eu acho que uma mixagem que nem o Planet Hemp fazia, com DJ e a banda, ficaria muito foda fazer um show assim.