Dennis: o DJ que criou o TikTok do funk antes de o funk dominar o TikTok
E a história de como Kevin O Chris ficou deslumbrado com o tamborzão de 'Tá Ok'
Pergunto a Dennis DJ o por quê de “Tá OK” ter um tamborzão tão reluzente. “Esse é direto da fonte”, explica o DJ de Duque de Caxias, um dos maestros condutores da música pop brasileira desde antes do final da década de 1990.
A alta definição dos atabaques no hit impressionou todo o tipo de funkeiro (inclusive Kevin O Chris, o canetinha de ouro do gênero) e transformou a canção em parte da paisagem de qualquer cidade do país.
“Eu tava no estúdio com o Kevin trabalhando outra música. Boa também! Mas era outra. Aí eu resolvi mostrar as pastas do meu HD. Pasta “funk 97”, pasta “funk 98″ e ele… pirou”, desenha a cena.
‘Caraca! Você tem o tamborzão limpinho!’
Kevin ficou deslumbrado com o tamborzão que, violentamente suingado, determina “Tá Ok” como um clássico do gênero e do comeback da pancada criada pelo DJ Luciano Sabãozinho. A canção marca também como o funk se volta, agora, para explorar as batidas que nasceram em cima do volt-mix no final da década de 1990.
“A gente trabalhava juntos na Rádio Imprensa”, relembra Dennis. Foi nos estúdios da 101,3 que, de certa forma, nasce a “Tá Ok”: uma canção de um minuto e meio que leva 16 segundos para estourar o tamborzão — e que levou 30 minutos para ficar pronta.
“Caraca! Você tem o tamborzão limpinho!”, se assustou o MC. Kevin tem 26 anos, é nascido em 1996, mesmo ano em que DJ Luciano passou o tamborzão para Dennis. O DJ confessa que o beat não é exatamente o mesmo do criador. “Eu, com meu ouvido de hoje, dei uma envenenada com outros instrumentos ali”. Mas voltemos ao olhos brilhantes de Kevin ao se deparar com a raiz.
“Eu só consigo isso no You Tube e é uma m…”, continuou o deslumbrado MC. Talvez Kevin também não saiba, mas aquele estúdio da rádio também testemunharia como laboratório muitos dos hits que embalaram o funk em direção ao tamborzão, às popozudas de calça da marca Gang e aos pichadões (para os mais novos: era assim que os homens eram chamados).
“Um ano depois, comecei a tocar na Furacão. Eu nem podia estar nos bailes! Arrumava um quarto para me esconder, esperar a fiscalização e só então tocava”, relembra.
O TikTok do funk antes do funk dominar o TikTok
Um pouco antes dos tigrões surgirem aparando pela rabiola, o novinho Dennis sentia calafrios a cada apresentação como DJ nos bailes. Era época dos bailes de corredor, fenômeno que transformava a pista de dança em trocação sincera, o famoso “cinco minutinhos de alegria”. Socos e chutes vinham do “lado a” e do “lado b” enquanto o volt-mix piava forte. “Eu estava muito estressado, saturado. Tava ficando doente. E os bailes da Furacão estavam em baixa”, analisa.
Quem estava se dando bem antes dos anos 2000 eram as equipes concorrentes como A Gota Cerol Fininho e a ZZ Disco que jambrolhavam montagens de galera. O famoso bordão “Deixa Os Garoto Brincar” é dessa época, criação do DJ Cabide. “O público não queria saber da Furacão e, além disso, a porradaria tava muito forte”, contextualiza Dennis. A proibição dos bailes de corredor e a prisão de Rômulo Costa, o “paizão” da Furacão, foram a deixa para que o DJ fizesse os MC’s colocarem a mão no joelho para inventar o TikTok do funk 25 anos antes do próprio TikTok ser dominado pelos funkeiros.
O eletro Dennis
Dennis, então, tem os pés e, principalmente, as mãos em quase todas as gerações do funk. Quando tudo parecia muito doidamente tecnológico no começo do século XXI, o fã do holandês DJ Tiësto começou a transformar o funk em algo bem eletro. Não por coincidência, uma das faixas do álbum-coletânea “Furacão 2000 apresenta Festa Techno II” chama-se “Eletro Dennis”.
E, não à toa, um dos maiores hits do funk é dele — e é muito electro: “Cerol Na Mão”. “Ela é um ‘Frankenstein’. Tem um beat de miami bass do MC Shy’D, tem atabaque, tem volt-mix, tem o sample de ‘Headhunter’ que eu escutava muito no CD ‘As Melhores da Pan’… Nessa época era até mais arte do que hoje”, diverte-se nostálgico.
Cria do Rio e a continuação do “Riocore”
Se no começo de 2023 a polêmica do mundo da moda era o “Brazilcore” (a ressignificação do vestuário verde-e-amarelo pós governo Jair Bolsonaro), “Tá OK” fez o Rio respirar uma espécie de “Riocore”. O clipe é coreografado de uma forma visceralmente Rio de Janeiro pela dançarina Aline Maia, fazendo com que seja possível sentir a tensão musical que se dá pela mistura do tamborzão com o sample do jogo Silent Hill III (que Dennis admite ter sido escolhido por acaso em sites especializados em compartilhar pequenos samples melódicos).
Agora, com Poze do Rodo, o DJ tenta, mais uma vez, “voltar pra casa”.
“Eu fiz tanta coisa para conquistar um público diferente… Coloquei Gusttavo Lima, Jorge e Mateus pra cantar. Só que, cara, eu sou funkeiro. Eu sou de Duque de Caxias. Tava com saudade de fazer funk raíz”, explica.
Dennis ressalta que, financeiramente, nem é tão legal assim dar tanta atenção para a cidade maravilhosa. “A cidade acostumou mal a galera! Ninguém no Rio quer pagar pra entrar. Mas eu falei com meu empresário: eu quero voltar a tocar lá, pô. Tudo o que eu fizer em 2023 vai ser funk. Foi tudo pensado”, diz já avisando a quem quiser fazer parceria com ele que o ritmo vai ser tamborzão. “Independente de quem seja”, finaliza.