Como Nicole Balestro sobreviveu à tempestade para viver bonança no rap e no pagode
Empresário hoje atua como diretora artística do festival CENA, focado no trap


Em 2023, na semana em que comemorou mais um ano de vida, Nicole organizou uma nova edição de sua badalada
festa temática, o “Pagode da Negrole”. Nos 12 meses anteriores, sua vida havia dado um 180º positivo. “Hoje, vivo de forma plena. Há um ano, eu não imaginava estar na minha situação atual, feliz com a minha vida pessoal e o meu trabalho. Não digo que fui ao fundo do poço, mas cheguei muito perto”.
Em outubro de 2022, Nicole Balestro, uma das grandes figuras dos bastidores do rap nacional, via sua carreira ruir. Naquele momento, ela viu o selo que cocriou, Ceia, acabar em meio a acusações de roubo sob sua gestão. Antes disso, por cerca de cinco anos, a Ceia havia sido referência no rap nacional. Mal sabia a empresária que aquilo não seria o fim, mas o meio daquela história.
Nascida na capital paulista, Nicole teve como berço o samba. Mais precisamente, a Mocidade Alegre, escola da zone norte de São Paulo. Mas, segundo a própria, seu vício é o hip hop. Nos anos 2000, numa era quase jurássica da internet, Nicole era
uma espécie de pré-influenciadora nos rolês do gênero em São Paulo, do underground ao mainstream.
Seu primeiro trabalho de grande visibilidade na área foi como empresária de Flora Matos – que recentemente brilhou nos
charts da Billboard Brasil com “Piloto”, faixa de 2018 ressuscitada por desafios do TikTok. Após o fim da parceria das duas, Nicole decidiu se aventurar na produção de eventos corporativos. Se o hip hop estava bem distante daquela nova realidade, pelo menos o desvio de rota serviu para fazer caixa.
O período na Ceia
Foi daí que ela conseguiu capital para dar o pontapé no projeto que marcaria sua vida e o gênero musical: a Ceia Ent.
Criado por Nicole e por seu ex-companheiro, o rapper Don Cesão, o selo trabalhou com nomes como Djonga,
Tasha e Tracie, Kyan e Febem.
Quando tudo ainda era mato na relação entre publicidade e rap, a Ceia foi uma das primeiras produtoras do gênero
a estabelecer parcerias com grandes marcas, como Adidas e Budweiser. Fruto do trabalho de Nicole nos bastidores.
Ela ficava responsável pela parte administrativa, enquanto Cesão cuidava do artístico.
Assim, a Ceia voou no cenário nacional. Em seu auge, a companhia funcionava como uma espécie de família. Para isso, os empresários recebiam 10% dos ganhos, porcentagem bem abaixo da que é praticada no mercado. Porém –e sempre há um porém–, não havia contrato entre as partes. Afinal, qual é o sentido de assinar um papel, se a palavra é lei numa família extremamente funcional?
Mas, em 2021, no auge da pandemia de covid-19 que colocou todos os artistas dentro de casa, longe dos palcos e, consequentemente, dos cachês de shows, o barraco desabou. O rapper Djonga acusou Nicole de desviar parte do arrecadado nos acordos firmados entre eles. Até hoje, eles se enfrentam na Justiça.
“Eu me considero uma pessoa tranquila, fujo de polêmica. Imagina ver meu nome na internet como ladra? Acho que meu grande erro foi não ter firmado contrato, mas também foi meu acerto, pois o que fizemos na Ceia foi um marco. Ninguém no mercado da música teria coragem de fazer o que fizemos ali, trabalhando da forma que trabalhamos, recebendo o percentual que recebíamos”, defende-se.
Retomada
O imbróglio jurídico terminou por dissolver a empresa. Anos depois do fim do selo, em 2023, Nicole voltou à cena
como diretora artística do festival… Cena. E esse talvez seja um dos melhores resumos do papel que Nicole ocupa dentro do cenário do hip hop nacional. Mas não pense que foi um trabalho fácil: a edição de 2022 do festival havia deixado um prejuízo de R$ 13 milhões. “E todos os cachês dos artistas aumentaram de um ano para cá, com alguns rappers cobrando o triplo para se apresentar”, explica.
Hoje, o festival é um dos eventos de rap e trap mais sólidos do país. Outra vertente da empresária, fã de carteirinha de Belo e do Soweto, é a festa “Pagode da Negrole”. Completando dois anos, o evento que une o samba ao hip hop acontece de duas a três vezes por semestre e atrai amantes dos dois gêneros nascidos pretos.
“Eu quero que seja uma festa para a diversão, para além de um artista que esteja tocando. O foco é o evento, não quem
estará nele”, resume.
Ao analisar a própria trajetória, uma das maiores empresárias da cultura urbana brasileira tem dificuldades para explicar como chegou aqui. A única certeza é que está orgulhosa do que conquistou.