Como João Gomes reconciliou um dos casais mais talentosos da MPB
Mãena e Bem Gil comemoram nova fase cantando hits do ídolo do piseiro
No universo musical, discussões entre casais (as “DRs”) por vezes geram belos trabalhos. Caetano Veloso exorcizou o final de seu casamento com Paula Lavigne no disco “Cê”, de 2006, que trazia canções como não me arrependo – aquela que dizia “Não me arrependo de você/ Cê não devia me maldizer assim…”. A poderosa Beyoncé dissecou a traição que sofreu do marido, o rapper e empresário Jay-Z, em canções de “Lemonade”, de 2016, e “Renaissance”, de 2018 (fãs da diva soul apontam “pistas” das puladas de cerca do marido em faixas como “Sorry” e “Plastic in the Sofa”). Da mesma forma, o relacionamento do guitarrista e produtor Bem Gil e da cantora Ana Cláudia Lomelino, a Mãeana, passou por um período de turbulência, que foi alardeado nas redes sociais. O diferencial é que o processo de reparação chegou no formato de piseiro. “Eu Tenho a Senha”, que o cantor pernambucano João Gomes soltou em 2021, mesmo ano em que Mãeana tornou pública uma traição do marido, marcou o início da reaproximação do casal. O símbolo dessa (re)união está em “Mãeana Canta JG”, nome do show e de uma série de singles aos quais ela vem se dedicando há pelo menos dois anos.
Mas, antes do momento fofoca, falemos um pouco de música. “‘Eu Tenho a Senha’ é o meu ‘Chega de Saudade’”, diz Mãeana, que batizou esse cruzamento musical de pisa nova. Bem Gil é o produtor dos singles ao lado do percussionista suíço Sebastian Notini, e os dois participam da apresentação, que atualmente faz temporada na Casa da Mãe, em Salvador.
Mãeana estreita ainda mais os seis quilômetros de distância entre Petrolina, cidade pernambucana onde cresceu João Gomes, e Juazeiro, na Bahia, terra de João Gilberto. Ali, “Fica Comigo” casa com o hino “Chega de Saudade”, “Mete um Block Nele” se aproxima de “‘S Wonderful” (de George Gershwin, mas que João gravou lindamente em “Amoroso”, de 1977).
Mistura estranha? Nem tanto. Um dos mandamentos musicais da Tropicália, movimento do qual Bem é herdeiro direto (precisa dizer quem é o pai dele?), é justamente celebrar a cultura popular, que era ignorada pela elite cultural do país. “Fiquei muito feliz quando Caetano Veloso veio ao show e fez essa comparação entre o show e o tropicalismo”, diz Mãeana. “As notas das canções gravadas por João Gomes e João Gilberto na voz da cantora se tornam maravilhas. Vários milagres acontecem. De JG a JG, o mau bom gosto se rende ao bom mau gosto”, escreveu Caetano, num tuíte de janeiro de 2023.
Bem Gil nasceu em 1985, poucas horas depois da apresentação do pai no primeiro Rock in Rio. Mas a música custou a se tornar uma de suas prioridades. Ele tinha 16 anos quando estudou violão com Cézar Mendes, lendário violonista do Recôncavo Baiano, parceiro de Caetano Veloso e Marisa Monte. Mãeana nasceu em outubro do mesmo ano e também foi criada em um ambiente musical.
Os caminhos dos dois se cruzaram quando eles participaram do Tono, grupo carioca que tinha ainda em sua formação o baixista Bruno di Lullo e o baterista Rafael Rocha. “A princípio, ela não queria muito ser a vocalista. Mas, certa vez, numa festa num sítio, improvisou em cima de um dub em italiano e acabou se tornando a cantora”, diz Rafael. Foi ali também que Bem e Mãeana iniciaram o namoro. “Eles começaram a chegar cada vez mais atrasados. Até que o Bem reuniu o grupo e avisou que eles estavam namorando.”
O Tono fazia um MPB/pop de características experimentais e tem pelo menos um hit: “Não Consigo”, de 2010. Embora nunca tenha terminado oficialmente, seus integrantes tocaram outros projetos.
Mãeana lançou seu disco de estreia em 2015 pela Joia Moderna, gravadora do DJ Zé Pedro –um fã assumido. “É a única de sua geração que tem a chancela de se tornar, o que chamávamos no tempo de Elis Regina e Gal Costa, a maior cantora do Brasil. Um emissão cristalina me tomou desde a primeira vez em que a ouvi”, elogia Zé Pedro. Bem, por seu turno, trabalhou com diversos artistas, como Jorge Mautner, Adriana Calcanhotto –e, claro, Gilberto Gil– e ajuda na produção dos discos de Mãeana.
“Mãeana Canta JG” é um projeto de seis singles com duas faixas, a exemplo dos compactos de décadas atrás. A ideia é que eles sejam juntados e se tornem um álbum, com uma canção bônus –a previsão inicial era para agosto. É um projeto para emocionar. A voz delicada de Mãeana torna ainda mais palatáveis o repertório do cantor e compositor pernambucano. Que, aliás, ficou tocado com a homenagem. “Uma bênção, né, véi? Fiquei sabendo por outras pessoas, sabendo que ela fazia relação com a minha música e fazia essa mistura com João Gilberto. Então, é uma honra saber que alguém dá esse grande valor à nossa canção, e é um grande sucesso. Ela é um sucesso. Ela talvez só não saiba disso ainda”, declarou o astro do piseiro para a Billboard Brasil.
O disco e o show acabaram por reforçar o processo de reconciliação do casal, que teve dois filhos, Dom e Sereno. “A apresentação é como se fosse um ritual para a gente fazer dar certo”, diz Mãeana, que nos shows faz referência ao imbróglio doméstico entre uma canção e outra. “A gente não conseguiu ficar longe um do outro. Mesmo quando expus o Bem na internet, ele nunca saiu do meu lado. Chorávamos juntos, e ele nunca me abandonou”, lembra ela.
“Muitos relacionamentos passam por essas nuances todas, né?”, diz Bem. “Mas a gente percebeu que queria continuar juntos, como um casal”, resume.
Que venham mais projetos de Bem e Mãeana. Mas sem crise, por favor.