Atriz celebrada, Emanuelle Araújo retoma as raízes da axé music
Popstar baiana dá gostinho da nova fase em 'Vai na paz do Senhor'


Na Quarta-Feira de Cinzas de 2002, em São Paulo, Emanuelle Araújo fez sua última performance como vocalista da Banda Eva. Era o fim de uma temporada de três anos, na qual enfrentou o desafio de substituir nada menos do que o furacão Ivete Sangalo. “Tudo o que aconteceu até ali foi mágico, revolucionário, instigante. Mas meu corpo e minha mente queriam novos desafios e um aprofundamento nas artes e na música”, diz a cantora, à Billboard Brasil. “Teve chororô, público gritando, banda emocionada e, dentro de mim, um alívio de poder tirar aquele abadá que andava apertado no corpo.”
Depois da Banda Eva, Emanuelle partiu para outras manifestações artísticas, sobre as quais falaremos no decorrer deste texto. Mas, no início de julho deste ano, ela deu sinais de reaproximação com o sacolejante ritmo baiano com o single “Vai na Paz do Senhor”. A canção, de autoria do percussionista Leonardo Reis, é o prenúncio de um disco dedicado totalmente ao gênero, que deverá ser lançado na íntegra até o Carnaval de 2025. “Senti que era hora de homenagear essa minha essência”, diz Emanuelle, que no momento seleciona o repertório do álbum ao lado do produtor carioca Kassin. “Ele vivia me perguntando quando iria sair o meu trabalho de axé”, brinca.
A axé music percorre as veias dessa cantora, atriz e dançarina de 46 anos desde a adolescência. Ela era vocalista da Beer Banda, que fazia releituras do cancioneiro dos blocos afros da Bahia, em especial do Olodum. Às vezes, antecipavam canções que depois se tornaram sucesso no país. “Sabe ‘Beija-Flor’, que estourou com a Timbalada? Pois ela foi feita para a Beer Banda”, jacta-se. Emanuelle seria posteriormente convidada –mais precisamente em 1999– para o posto de vocalista da Banda Eva. A passagem da cantora pelo grupo baiano foi marcada pela queda da popularidade do axé no país –tanto em execução quanto em vendas. Além disso, havia ainda um luto pela saída de sua antecessora. “A gente perguntava ao público o que achava de Emanuelle, e as pessoas diziam que sentiam falta de Ivete, mas não conheciam a performance dela”, diz Maurício Magalhães, empresário e um dos sócios da Banda Eva. “Mas Emanuelle foi a melhor escolha que poderíamos ter feito.”
Depois de sair do Eva, Emanuelle se mudou para o Rio. Ali, investiu na carreira de atriz. Em 2004, criou o Moinho ao lado da percussionista Lan Lanh e do guitarrista Toni Costa. O trio se especializou em diversos tipos de samba –do samba-rock ao samba-soul. “Além de ser uma grande cantora, Emanuelle tem uma sensibilidade enorme na feitura dos roteiros dos shows. Dá opiniões muito coerentes e serve de balança entre eu e Lan Lanh quando a coisa esquenta”, derrete-se o instrumentista.
Emanuelle tem dois discos solo. “O Problema É a Velocidade”, de 2016, que tem uma característica mais pop, e “Quero Viver sem Grilo – Uma Viagem a Jards Macalé”, que reúne criações do genial tropicalista carioca. Os maiores destaques, contudo, ficaram para o universo do cinema e das plataformas de streaming. Emanuelle foi Gretchen (sim, a rainha do bumbm) em “Bingo, o Rei das Manhãs” (2017), filme de Daniel Rezende. “Me cobrei bastante por ter muito respeito pela Gretchen e saber que ela ia assistir. Sou muito orgulhosa desse trabalho!”, admite. Viveu também uma ex-personalidade infantil no seriado “Samantha!” (2018), da Netflix. “Uma personagem tão potente e divertida e também uma comédia ácida e cheia de ironia. Samantha não foi baseada em alguém específico, mas em vários ícones dos anos 1980, naquele boom televisivo infantil. Em toda a dicotomia entre o politicamente incorreto dos anos 1980 e o momento contemporâneo.” Mais recentemente, foi uma vilã em “Meu Sangue Ferve por Você” (2024), que conta a história de amor entre Sidney Magal e a então adolescente Magali West. No filme, Manu é a mãe da menina, que não vê com bons olhos a união do cantor e de sua filha. “Amo o Magal! E estou muito feliz por essa história de amor estar no cinema de forma tão leve e bonita. Ver o público gargalhando me dá alegria de ter encarado a maratona de fazer cinema e teatro juntos. Merecemos falar de amor e festa com irreverência e liberdade!”, emociona-se.
O single “Vai na Paz do Senhor” é calcado principalmente em duas instituições da música da Bahia: o Olodum, representado pela batida de samba-reggae, e o cantor e compositor Gerônimo, que explorou não apenas o axé, mas o universo da música caribenha –aqui, representado pelos metais. “Quanto mais crescemos, mais sentimos necessidade de saudar a nossa ancestralidade. Vejo algo de muito bonito nisso. Nos últimos anos resolvi mudar e fazer tudo que eu queria fazer. Há 20 anos faço”, diz ela, citando Rita Lee. “Agora quero unir a tudo isso os ritmos que me tornaram artista e pessoa”, explica Emanuelle. Que, como toda menina baiana, tem o jeito que Deus dá.