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Por que o Clube da Esquina é um dos discos mais importantes da MPB

Por que o Clube da Esquina é um dos discos mais importantes da MPB

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Clube da Esquina Mario Luiz Thompson

Quando o disco “Clube da Esquina” chegou às lojas, em 1972, ele recebeu paulada atrás de paulada. A crítica implicou com tudo: dos vocais de Milton Nascimento (tiveram o desplante de escrever que ele tinha “voz de taquara rachada”) à presença de Lô Borges, chamado de  “adolescente insignificante”. 

A repercussão negativa ajudou a afundar os shows de divulgação do álbum. “A gente não conseguia sequer lotar um teatro de 300 pessoas no Rio de Janeiro”, recorda-se Lô, aos 72 anos, em entrevista para a Billboard Brasil

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Os narizes, contudo, não permaneceram torcidos por muito tempo. Em menos de uma década, o repertório que trazia “Tudo o que Você Podia Ser”, “Nada Será como Antes” e “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, entre tantos outros clássicos, era saudado por grandes nomes da MPB e da música internacional. Hoje, não há quem não reconheça sua importância. “Clube da Esquina” encabeçou a lista de “Os 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos”, livro editado pelo jornalista Ricardo Alexandre, e ocupou a nona posição em eleição semelhante da revista norte-americana “Paste” (o vencedor foi “Songs in the Key of Life”, de Stevie Wonder). 

Há ainda outros desdobramentos: “Aos Barões”, canção do primeiro álbum solo de Lô Borges integrou a playlist de Alex Turner, cantor e guitarrista dos Arctic Monkeys, durante a produção do álbum “Tranquility Base Hotel & Casino”, de 2018.

“O segredo do sucesso de ‘Clube da Esquina’ é que se trata de um trabalho feito com muita liberdade de criação. É diferenciado. Minhas influências fazem um contraponto com as do Bituca [apelido de Milton Nascimento]”, diz Lô. As raízes do álbum estão fincadas no Edifício Levy, no centro de Belo Horizonte, para onde Milton Nascimento se mudou em 1963. Ali, conheceu Lô Borges (então um menino) e seu irmão, o letrista Márcio Borges. Milton já era amigo do pianista e maestro Wagner Tiso. Lô, por seu turno, era parceiro do também guitarrista e compositor Beto Guedes. Porém, demorou quase uma década para a parceria se fortalecer.

“Uma vez, Lô e eu fomos a um bar e pedi batida de limão e um guaraná para ele. Mas Lô pediu também batida de limão. Foi ali que percebi que ele tinha crescido”, diz Milton, 81 anos. Saíram dali e compuseram “Clube da Esquina nº 1”. 

O grupo de músicos ganhou agregados, como o guitarrista Toninho Horta, os bateristas Robertinho Silva e Paulo Braga, a cantora Alaíde Costa, Paulo Moura e Nivaldo Ornelas (sopros) e o percussionista Naná Vasconcelos. É este amálgama de músicos de diferentes origens e influências que fazem “Clube da Esquina” ser um trabalho abrangente e capaz de agregar todas as escolas e estilos.

O “Clube da Esquina” é, por exemplo, apreciado pelos principais intérpretes da MPB. Nos anos 1970, Elis Regina e Simone incluíram composições do álbum em seu repertório. Dois anos atrás, Mônica Salmaso, uma das principais cantoras da atualidade, soltou “Miltons”. 

Gravado em parceria com o pianista André Mehmari –que, aliás, fez um disco instrumental contendo clássicos da trupe mineira–, traz composições do repertório do cantor como “Saudades dos Aviões da Panair” e “Paula e Bebeto”. “‘Clube da Esquina’ foi um divisor de águas, um movimento cultural, uma árvore na música brasileira. A confluência desses compositores trouxe uma abertura própria: tem música mineira, música pop norte-americana, bossa nova… Foi um divisor para mim também quando passei a entender a música”, diz Mônica. 

O lado jazzístico do repertório atraiu também os pianistas Amaro Freitas e Zé Manoel. Eles tocaram o repertório do álbum em shows. O cantor Zé Ibarra –que participou dos últimos concertos de Milton– traz a influência dos mineiros em seu canto. 

A geração do pop mineiro dos anos 1990, contudo, demorou para demonstrar esse apreço pela geração de Milton Nascimento, Lô Borges & cia., ainda que sempre os tenha admirado. “Um dia, cheguei ao ensaio do Skank todo feliz porque o Lô Borges tinha afinado o violão de um amigo meu”, confessa o tecladista Henrique Portugal. Mas havia um certo desconforto dessa geração em ser comparada aos antecessores –o guitarrista John Ulhoa, do Pato Fu, chegou a ironizar as diferenças estilísticas entre eles. 

“Se falavam em roupa no varal e na janela lateral, nós queríamos falar de Ferrari”, disse ele, numa entrevista para o jornal “Folha de S.Paulo”, em 1997. “Se houve algum mal-entendido, ele se desfez quando Milton me convidou pra gravar ‘Um Gosto de Sol’ com ele. Depois, estivemos juntos num Som Brasil, da Rede Globo, em sua homenagem”, amacia Fernanda Takai, também do Pato Fu. “Fernando Brant, Márcio Borges, Wagner Tiso e Ronaldo Bastos sempre foram muito legais com a gente, incentivando mesmo.” 

A cantora, compositora e guitarrista –que está em “Tobogã”, faixa-título do novo disco de Lô Borges– reconhece o valor do Clube em sua formação musical. “No início dos anos 1990, quando comecei minha carreira, era influenciada pelas bandas brasileiras e inglesas dos anos 1980. Mas meu pai sempre guardou LPs e cassetes com muita música brasileira: tinha memórias de canções do Clube da Esquina e das músicas desse pessoal que tocava nas rádios”, lembra ela. 

O Skank foi o grupo que melhor agregou os valores musicais do Clube, embora também fizesse questão de manter um distanciamento no início da carreira. “Quando a gente ia mostrar nossa fita para as gravadoras, nos chamavam de ‘os montanha’, porque achavam que a gente falava apenas de mata e cachoeira’’, disse o guitarrista e vocalista Samuel Rosa, numa entrevista à revista “BIZZ”, em 1994. Este estranhamento, contudo, se desfez no ano seguinte, quando o grupo se uniu a Lô e depois a Lô e Milton em apresentações –cantaram “Você Fica Bem Melhor Assim” e “Raça”. “O Clube da Esquina passou um bom tempo na periferia dos grandes movimentos musicais brasileiros, entre eles a tropicália e a bossa nova, além de Novos Baianos e Jorge Ben Jor”, continua o músico. Em 1996, Lô Borges selou a aproximação ao gravar “Te Ver”, do Skank. Posteriormente, ele e Samuel se reuniram em turnês e na realização de um disco ao vivo. “Mudei a minha maneira de compor, incorporando um monte de influências de Beatles e Clube da Esquina. ‘Maquinarama’, que o Skank lançou em 2000, traz muito dessa maneira de ver a canção”, contiua Samuel. Lô participaria ainda de “Dois Rios”, primeiro single de “Cosmotron”, disco que o Skank lançou em 2023.

As novas gerações não apenas reconhecem a influência do “Clube”, mas também demonstram essas influências. O grupo mineiro Transmissor, por exemplo, lançou o single “Noites com Gosto de Sol”, que faz fartas referências à sonoridade daquele período. “Sempre tivemos uma ligação muito grande com o ‘Clube’, porque aqui em Belo Horizonte esse movimento é muito representativo da cultura do mineiro”, diz o guitarrista Thiago Correa. “O negócio era tão sofisticado e soava tão simples que todo mundo podia cantarolar sem nem pensar, mas olhando de perto era uma loucura de originalidade. A música ‘Trem Azul’ é um exemplo. Até o Tom Jobim já gravou essa canção que o Lô fez com 16, 17 anos. Parece uma balada bonita para o desavisado, mas é um tratado de harmonia.” 

O grupo psicodélico goiano Boogarins, que fez shows com o repertório do “Clube da Esquina”, se encanta com o tom de rock de garagem de certos integrantes do combinado mineiro. “É impossível não sentir isso ao ouvir o ‘disco do tênis’ [como ficou conhecido o álbum solo de estreia de Lô Borges, em 1972], ou o ‘Página do Relâmpago Elétrico’, de Beto Guedes. A musicalidade deles influenciou aquela sonoridade onírica e pop, e eternizou essas melodias que ouvimos desde pequenos”, diz o guitarrista Benke Ferraz.

O mais importante é perceber que seus principais integrantes se mantêm na ativa. Milton Nascimento, que se despediu dos palcos em 2023, lançou neste ano um disco em parceria com a baixista e vocalista Speranza Spalding. Lô Borges soltou seis discos em seis anos. O mais recente, “Tobogã”, saiu em agosto. Ele ainda equilibra suas performances solo com shows em parceria com Beto Guedes e Flávio Venturini, companheiros de “Clube”. “Sou um cara da canção e gosto da inquietação do criador”, diz ele. Ah, sim. Clube da Esquina era o cruzamento das ruas Divinópolis com Paraisópolis, localizado em Santa Tereza, bairro boêmio de Belo Horizonte. E até hoje é palco de peregrinação. “Uma vez, minha mãe, que morava por ali, disse que um tal de Pat estava batendo na porta e queria me conhecer”, diverte-se Lô. O “tal” era nada menos que o guitarrista Pat Metheny, lenda do jazz. Até que os “moleques insignificantes” foram longe.

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