Por que Elis canta ‘cada vez melhor’
Cantora ganha tributos no seu aniversário de 80 anos


Um dos bordões prediletos dos argentinos –em especial o fã de tango– é afirmar que Carlos Gardel está “cantando cada vez melhor”. Traduzindo, quer dizer que o cantor, morto nos anos 1940, causou uma revolução tão grande no gênero que ninguém conseguiu superá-lo em talento e criatividade.
Elis Regina de Carvalho Costa (1945-1982), 80 anos completados no dia 17 de março, também está “cantando cada vez melhor”. O impacto causado quando essa intérprete surgiu, na virada dos anos 1960 para 1970, foi tão grande que toda cantora que veio em seguida foi saudada como “a nova Elis Regina”. Claro que nenhuma, embora de talento reconhecido, chegou perto da comoção que ela provocou e ainda provoca. Para se ter uma ideia, o comercial de 2023 no qual Elis “ressuscitada” através de inteligência artificial, aparece ao lado da filha, a também cantora Maria Rita, aumentou em 965% o número de buscas pela intérprete de “Como Nossos Pais” e “O Bêbado e o Equilibrista”.
Em meio a diversas homenagens ao aniversário de Elis Regina, uma das mais emocionantes será o tributo organizado por um de seus filhos, o produtor e apresentador João Marcello Bôscoli. “ELIS 80” terá uma única performance no Teatro Unimed (São Paulo), que trará imagens inéditas da cantora, trechos de vídeo de entrevistas no telão e participação do cantor Pedro Mariano, outro rebento de Elis, de Fagner, Ivan Lins e João Bosco. Em entrevista à Billboard Brasil, Bôscoli dá detalhes sobre o tributo e de outros projetos relacionados ao legado da cantora.
A primeira pergunta é tão óbvia quanto necessária. Como será o show e qual a ideia de usar inteligência artificial (IA) na concepção do espetáculo?
A inteligência artificial se faz presente apenas na restauração do material. Não há uso criativo, emulação ou geração de um texto falado a partir de algo que ela escreveu. O uso é apenas para restaurar o material, tirar ruídos, chiados e vazamentos, tornando a audição mais confortável.
Por falar em IA, o comercial em que Elis Regina é “revivida” artificialmente para se encontrar com Maria Rita recebeu críticas –entre elas seria “propaganda enganosa” visto que Elis não está mais entre nós. Como você avalia essa situação?
Fico feliz de ver que a Elis, depois de quarenta e três anos de sua partida, foi capaz de colocar em pauta um assunto tão sério como esse e gerar um debate. A partir do momento em que você se emociona, como as pessoas se emocionaram naquele grau, me parece um momento para refletir a respeito disso. O que aprendi na vida é que, quando a gente está refletindo sobre temas assim, eles já estão estabelecidos. E evidentemente não foi o comercial que estabeleceu isso. A Elis teve a força de colocar essa discussão em pauta. Quanto à propaganda enganosa, eu confesso que achei, com todo o respeito, engraçado o argumento — meio fora da realidade, de tão distante do que eu imagino que seja a realidade.
A polêmica do comercial causou um aumento da procura por Elis Regina nos sites de busca da internet. Qual a lição que você tirou desse episódio?
Esse projeto foi um momento de superexposição da Elis, de apresentação dela a novas plateias e da chegada de um número muito grande de pessoas da nova geração. O que aprendi com esse projeto é que sempre existe o imponderável, porque eu nunca imaginei que fosse ficar desse tamanho. Nunca imaginei que ela fosse capaz de gerar um debate público e ainda emocionar as pessoas em uma campanha publicitária de um produto que nem está à venda. O que eu acho mais curioso ainda é que a Kombi que ela estava dirigindo é uma Kombi antiga, e a Kombi nova nunca esteve à venda. É mais um dado curioso em uma história única.
Você e seus irmãos são muito cuidadosos com o espólio de Elis Regina. Quais os critérios que vocês usam para liberar ou vetar qualquer coisa relacionada a Elis?
Em quarenta e três anos, que eu me lembre, só vetamos uma iniciativa, que era um monólogo — algo muito descabido. De maneira geral, tentamos funcionar como facilitadores, porque achamos que quem vai trabalhar com a Elis já tem uma grande responsabilidade e já enfrenta a opinião pública. Então, tentamos apoiar e não atrapalhar, além de termos nossas próprias iniciativas. Os critérios são subjetivos, mas a gente sempre tenta buscar excelência, ou pelo menos algo bem feito com ela. Claro que existe o imponderável — a gente nunca tem certeza —, mas nunca achamos que uma postura policial ou de censura fosse frutífera.
“Nada Será Como Antes”, do jornalista Julio Maria, é uma biografia sobre Elis Regina –e muitas vezes tem-se uma impressão pouco simpática da cantora. Como foi liberar uma obra dessa importância mesmo sabendo que ela não seria uma hagiografia?
Nós, os três irmãos, só vimos a biografia depois de pronta. Acreditamos que essa seja a maneira certa. A responsabilidade é de quem escreve. Não seríamos nós aqueles a dizer “não, tira isso, põe aquilo”, porque isso atrapalharia não só essa obra, mas futuras obras também. Então, o único modo de ser feito é dando liberdade. Se surgir algum problema depois, temos leis para serem acionadas, se for o caso. Quanto à postura simpática ou antipática, eu acho que isso é subjetivo — é uma questão de visão pessoal.
Elis Regina está para os brasileiros como Carlos Gardel está para os amantes do tango? Está cantando “cada vez melhor?” Aliás, qual a sua cantora preferida?
Eu acho que esse tipo de colocação de que ela está cantando cada vez melhor, de que as três melhores cantoras do Brasil são Elis Regina, Elis Regina e Elis Regina, é tudo no terreno do folclore e do bom humor. É engraçado e natural. Na realidade, não creio que exista essa figura de “a maior voz” — isso é muito subjetivo, mesmo. Acho solitário e antipático colocar a Elis nesse lugar. Cada um tem suas paixões — quem é fã sempre vai achar o seu ídolo especial e único. E é, porque a audição de música é uma experiência individual. A música é uma ilusão perceptiva criada dentro do nosso cérebro, e para cada um é uma experiência única. A Elis está entre as minhas cantoras favoritas, mas envolve tanta coisa que é difícil até de imaginar.

Quais os próximos projetos relacionados a Elis Regina? O projeto do desenho finalmente irá sair?
Temos como próximos projetos o relançamento do álbum “Elis” de 1973, restaurado, remixado e remasterizado. Também temos dois filmes baseados no meu livro, “Elis e Eu” — o diretor André Bushatsky comprou os direitos e vai fazer um documentário e um drama. Além disso, teremos a restauração, remixagem e lançamento digital de “Madalena” em espanhol. Temos ainda os três capítulos de uma série de trinta minutos cada, da Santa Rita Filmes, dirigida pelo Marcelo Braga, sobre a Elis.
Bom, nesse momento, são esses três os próximos projetos. Estamos sempre buscando coisas novas para continuar o trabalho de restauração e melhoria dos projetos audiovisuais da Elis. Por exemplo, o show no Japão, que nunca lançamos oficialmente — há anos buscamos uma solução para isso, e um dia virá.

Serviço
Espetáculo: ELIS 80
Apresentação: João Marcello Bôscoli
Artistas convidados: Ivan Lins, João Bosco, Fagner e Pedro Mariano
Local: Espaço Unimed
Endereço: Rua Tagipurú, 795 – Barra Funda – São Paulo/SP
Data: 28 de março de 2025 (sexta-feira)
Abertura da casa: 20h
Início do show: 22h
Ingressos: Ticket360
Classificação: 12 anos