O que faz de MC Hariel um funkeiro admirado por todos?
Cantor busca focar na família e, em segundo plano, vem o trabalho
Há dois anos, o maior desejo de Hariel Denaro tem sido estar em casa antes do anoitecer para ficar com o filho, Jorge. Se chega entre 18h e 20h, é um problema. Como o pequeno vai para cama às 22h, as duas horas com o papai acabam virando seis, entrando madrugada adentro num corre-corre sem parar pela casa. O menino também adora imitar o pai: veste a camisa do Corinthians e sai gritando: “Olha, eu tô igual ao papai”. Para Hariel, o pior momento é quando chega em casa depois das 22h, pois encontra o filho dormindo e sabe que perdeu mais um dia de convivência com ele –justamente em sua fase mais lúdica e divertida.
O dilema da vida faz Hariel chorar. O cantor de 26 anos está em grande fase na carreira, e chegar em casa com a noite alta é regra para um artista que vive de fazer shows. Ainda mais um funkeiro. No entanto, seu sonho de constituir família conflita com a vida de celebridade. A vida que pedimos a Deus, muitas vezes, é mais fácil de viver nos nossos sonhos.
Para complicar a situação, há pouco mais de três meses Hariel se tornou pai também de Maitê. Isso no meio do lançamento de seu trabalho de maior impacto: o ambicioso (e ótimo) DVD “Funk Superação”, que conta com participação de nomes como IZA, Péricles e Gilberto Gil. O cantor brinca que “Salve Jorge”, uma das músicas de seu mais novo álbum, é um pedido de desculpas adiantado aos filhos pela ausência do pai –o que parece ser o maior pesadelo do MC. O trecho inicial da canção diz: “Distância, estrada/ Vários pensamentos/ Mas isso é só uma reflexão/ Que a distância traz/ A dor que às vezes a falta da minha família me traz”.
Hariel é filho de Celso Ribeiro e Karin Christine. Músico talentoso e combativo, Celso integrou a banda latina Raíces de América e morreu quando o filho era adolescente. O funkeiro lembra que, em casa, ouvia muito rádio, “principalmente a Nova FM e essas dos sons mais antigos, muito MPB e samba”. Com essa bagagem, foi no funk que encontrou um lugar de pertencimento. Hariel começou rimando com amigos na zona norte de São Paulo e, enquanto seu sonho na música não dava certo, ele ajudava nas contas entregando pizza, como atendente de telemarketing, ou fazendo outros bicos.
Quando percebeu que o funk era inescapável, avisou sua mãe. Ela, a princípio, demonstrou preocupação. Mas nada impeditivo.
“Hoje entendo. É coisa de mãe, não tem jeito. Vida de artista, na noite, tem suas questões. E no funk, que é discriminado, ainda pior. Mas conversei muito com a minha mãe, e ela sabe a vida que eu vivo.”
O investimento no sonho de artista deu certo. Não que o funkeiro não tivesse pensado em desistir, em meio a crises existenciais por ver vários amigos “estourando” músicas enquanto ele ainda se virava para pagar as contas no fim do mês. A vida de Hariel só viria a mudar em 2017, quando lançou “Tem Café”, parceria com Gaab, que hoje acumula cerca de 500 milhões de plays no YouTube e no Spotify, e fez com que o MC ganhasse projeção nacional.
Desde aquele período, o cantor acredita ter evoluído artisticamente junto do gênero. “Eu falava que ia ter uma peneira no funk, que não ia restar espaço para MC que não tivesse noção de tom, de musicalidade. Hoje, se um beat está fora do tom, se o autotune está desalinhado, o MC já olha torto. Claro que muito disso vem com cabeçada, na intuição, mas a geração de hoje já aprendeu com estudo. Agora, acredito que a próxima peneira vai ser a do marketing. O artista que não souber trabalhar com seu público, passar sua mensagem, vai ficar para trás”, prevê.
Pode soar estranho Hariel falar de investimento em marketing numa era em que o funk conseguiu se aproximar de grandes marcas, fazendo de alguns artistas, como seus colegas MC Daniel e MC Ryan SP, concorridos influenciadores digitais. O próprio Hariel tem contratos com Nike e Lacoste, duas marcas globais. Entrando no detalhe, seu objetivo é que os próprios MCs, ou pessoas ligadas diretamente à periferia, tenham total controle sobre a arte produzida pelos funkeiros.
Investindo para se tornar um artista independente, Hariel começou montando a própria produtora audiovisual. Já comprou um estúdio de gravação para projetos publicitários, que está terminando de reformar. Esse lado empresarial se alia a uma mentalidade de devolver à sociedade o que vem conquistando de bom.
Como parte do projeto “Funk Superação”, Hariel deu uma bolsa de estudos para Danilo dos Santos, estudante de sociologia e política da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
“Minha arte é uma forma de servir. Quando perdemos essa função, quando atingimos um patamar em que pensamos que só podemos ser servidos, não faz mais sentido. A mãe do Danilo me agradeceu, e ele falou que cheguei no momento certo, porque estava passando dificuldades. Tive, então, certeza desse propósito de servir.”