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Como o RPM criou a versão brasileira da Beatlemania

Como o RPM criou a versão brasileira da Beatlemania

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O grupo paulistano RPM (Rui Mendes)

No início de agosto, o cantor e baixista Paulo Ricardo e o guitarrista Fernando Deluqui finalmente chegaram a um acordo sobre o uso do nome RPM. Paulo, que saiu do grupo em 2017, segue solo. Deluqui, que atuava na banda ao lado do baterista Paulo Pagni e do tecladista Luiz Schiavon –mortos, respectivamente, em 2019 e 2023–, passa a liderar o conjunto RPM O Legado. “A nova produção é uma espécie de tributo, de continuidade, mas não é o RPM. Não é uma questão estética, é uma questão de que uma banda é uma banda. John, Paul, George e Ringo tiveram suas carreiras solo, no entanto os Beatles sempre foram os Beatles”, declara o baixista.

Sim, é estranho que a história comece pelo fim, porém esta é a mais recente notícia que se tem sobre o RPM. E embora soe um exagero a comparação com os Beatles, o grupo formado por Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Fernando Deluqui e Paulo Pagni (o PA) foi o mais próximo que o Brasil teve de beatlemania. Legião Urbana e Los Hermanos, por exemplo, foram cultuados por seguidores fiéis. Já o RPM era histeria completa. “Era eles chegarem nos hotéis, abrirem o armário do quarto e se deparavam com meninas escondidas ali”, diz Rui Mendes, fotógrafo cujas imagens ilustram esta reportagem e amigo de longa data do quarteto.

Para se entender o sucesso do RPM, é necessário compreender também a sisudez de São Paulo, local que o lendário jornalista Artur Xexéo (1951-2021) chamava de “aquela estranha cidade ao sul do país”. Os grupos e a imprensa locais abominavam o “rock de bermuda” carioca: eram adeptos da sonoridade fria do pós-punk, do eletrônico e das críticas ácidas da imprensa musical inglesa. “Boa parte da minha turma vinha da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo), um ambiente politizado e bem alternativo esteticamente. E mesmo quem não vinha de lá tinha como referência as cenas musicais mais experimentais da Inglaterra, a new wave nova-iorquina, a cena pré-industrial de Berlim. Para nós era extremamente difícil compreender o rock de bermudas –mesmo porque a gente usava coturno”, diz Alex Antunes, editor da “BIZZ”, principal revista de música dos anos 1980 e 1990 e vocalista do grupo Akira S e Garotas que Erraram.

As raízes do RPM estão no rock progressivo, gênero pelo qual Paulo Ricardo era aficionado desde a adolescência. “Tinha 16 anos quando conheci o Schiavon, no fim dos anos 1970. Nossa primeira banda, Aura, de rock progressivo, foi o embrião do technopop que faríamos depois”, diz o vocalista, que nos anos 1980 adicionou o sobrenome “de Medeiros” e trabalhou como crítico musical. Numa dessas aventuras, passou seis meses em Londres, onde acompanhou de perto as mudanças no universo da música.

“O tempo que passei lá foi fundamental para a definição do corpo e da alma da banda. O sucesso que veio depois está ancorado na qualidade das composições e dos arranjos, passando pelo figurino, pela maquiagem e pelo lado tecnológico absolutamente contemporâneo, alinhado ao que acontecia no pop rock britânico, os sintetizadores, o techno pop, o new romantic etc, coisas até então inéditas no Brasil. O resto foi consequência”, explica.

De volta ao país, Paulo retomou a parceria com Schiavon –que era mantida à distância, por meio de cartas–, e a dupla criou uma nova estética sonora, mais fiel aos novos tempos. As gravadoras, por sua vez, viram no rock’n’roll daquele período um belo investimento. “Era mais fácil e mais barato gravar bandas de rock”, confessa Luiz Carlos Maluly, então produtor musical da CBS (hoje Sony Music). “A gente estava lançando compactos dos grupos daquele período. Quando escutamos o RPM, vimos que havia material para um disco.”

Com isso, Paulo e Schiavon teriam de recrutar outros músicos. O guitarrista Fernando Deluqui veio da banda da cantora May East. Júnior, o baterista, tinha 15 anos, o que o impedia de tocar nas casas noturnas. Charles Gavin (sim, dos Titãs!) ocupou a vaga até escolherem Paulo Pagni, o PA, como integrante oficial do RPM.

O álbum “Revoluções por Minuto” (1985), além da qualidade sonora –era um trabalho pau a pau com as produções feitas na Inglaterra e nos Estados Unidos naquele período–, trazia ainda letras bem elaboradas, algo raro no rock dos anos 1970. “Meus mestres são aqueles que homenageio em meu último single, ‘ O Verso’: Caetano, Vinícius de Moraes e Raul Seixas, além de Chico Buarque, Gilberto Gil, Gonzaguinha e Aldir Blanc, entre outros. Saímos de uma ditadura e queríamos expressar com liberdade e máxima intensidade o que sentíamos, o grito preso na garganta que defini como: ‘Façam a revolução!’”, diz Paulo.

Há, também, um detalhe que ajudou a propagação inicial da RPM mania: uma novidade chamada remix. “O primeiro single, ‘Louras Geladas’, demorou oito meses para emplacar. Foi quando a gente teve a ideia de torná-lo mais dançante”, lembra Maluly. Urdido para estourar nas danceterias, como eram chamadas as casas noturnas dos anos 1980, o remix ajudou a estourar o disco –estima-se que tenha vendido cerca de 5 milhões de cópias.

As apresentações do quarteto eram dirigidas por ninguém menos do que Ney Matogrosso e traziam até raio laser, algo impensável para a época. O sucesso da turnê rendeu um disco ao vivo, “Rádio Pirata ao Vivo”, que bateu a marca de 3,7 milhões de cópias. “Ninguém poderia estar preparado para a loucura que vivemos. Se eu pudesse escolher, talvez tivesse optado por uma carreira mais longeva e estável. Mas a verdadeira beatlemania que vivemos foi maravilhosa. A desvantagem é que foi tudo muito rápido, e conquistamos muitas coisas, mas não o equilíbrio e a estabilidade. O estrondoso sucesso nos deixou desnorteados, não houve consenso e, em cinco exuberantes anos, nós terminamos”, diz Paulo. “Conseguimos trazer para o Brasil o melhor do pop rock mundial na época, com inovações em todas as áreas do entretenimento, desde o visual, a atitude e a tecnologia, através de canções consistentes e revolucionárias, além de quebrar todos os recordes de público e vendas de discos”, enumera.

O RPM ensaiou retornos em 2002 e 2012. Paulo saiu em 2017, e os três remanescentes continuaram com o grupo. Quando se resumiu a Fernando Deluqui, o baixista entrou com uma ação contra o ex-companheiro, que foi resolvida em agosto. “Tínhamos um acordo homologado de que não haveria RPM sem os quatro integrantes originais. Mas agora, finalmente, terminamos de modo correto. O RPM e sua obra, seu streaming, sua discografia, seus vídeos, sua herança, é somente aquela com os quatro integrantes originais. Mas o RPM dos recordes, da beatlemania e que foi dirigido por Ney Matogrosso e deixou várias canções no imenso songbook da música popular brasileira, esse acabou em 2017. Foi muito bom enquanto durou”, finaliza Paulo Ricardo.

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