Era domingo à tarde e Chico Science e tinha pressa. O cantor, compositor e mentor de uma das maiores inovações sonoras dos anos 1990 –o manguebeat– tinha nada menos do que três compromissos. O primeiro seria um encontro de maracatus em Olinda (PE). Pouco tempo depois de sair do apartamento que dividia com sua irmã, Gorette, Chico estava morto. Ele perdeu a direção do Fiat Uno Mille que dirigia e se chocou contra um poste de iluminação. Um defeito na lingueta do cinto de segurança fez com que ele se quebrasse, e Chico ficou preso nas ferragens do veículo.
O cantor sofreu fraturas múltiplas no rosto e no tórax. Embora tenha sido socorrido pouco depois do acidente, ele não resistiu aos ferimentos e morreu a caminho do hospital. Era 2 de fevereiro de 1997. Pouco depois do anúncio de sua morte, aventou-se a possibilidade de ele estar bêbado (não estava), sob efeito de drogas (também não estava), ou mesmo que estaria correndo acima da velocidade permitida –o que também não faz sentido porque, como o trecho onde ocorreu o acidente pertencia à rodovia PE-1, que liga Olinda à cidade de Paulista, a velocidade ali oscila entre 80 a 100 quilômetros por hora. Embora tivesse pressa, Chico não estava correndo.
A tragédia envolvendo um dos ícones do pop nacional gerou um processo contra a montadora Fiat por causa do defeito do cinto de segurança (que, para variar, arrastou-se por décadas até ser finalizado em 2007, com uma vultosa quantia para a família do cantor). O que pouco se fala, contudo, é da participação de um outro veículo no acidente –e que foi omitido nos processos e nas reportagens a respeito da colisão que vitimou o cantor. “Nunca foi lavrado um boletim de ocorrência. As matérias daquele período pouco falaram disso”, diz o jornalista pernambucano José Teles, autor de “Criança de Domingo”, biografia de Chico Science, com lançamento previsto para outubro pela editora Belas Letras.
Mas Teles aponta um documento escrito por Antonio Accioly Campos, advogado da família de Chico, no qual ele cita a participação de um segundo carro no acidente. O veículo, pertencente a um oficial da Polícia Militar, simplesmente invadiu a faixa ocupada pelo cantor e atingiu o carro do intérprete de “A Praieira”, fazendo com que ele fosse de encontro ao poste. Ou seja, foi uma colisão, não uma fechada. O fato foi ignorado pela perícia, que se preocupou com o acidente ocorrido momentos antes ao de Chico, entre o tal outro carro e um ônibus da viação Caxangá. “Além dos graves defeitos que se observaram com a deformidade da estrutura da carroceria do veículo e com o rompimento inusitado do cinto de segurança, também poderá ser atribuída culpa concorrente ao condutor de outro veículo não identificado que, com um toque, veio a desestabilizar o Fiat Uno conduzido por Chico Science”, alega Campos. “Os oficiais da Polícia Rodoviária Estadual, que lavraram os autos de ocorrência dos acidentes que se verificaram no local, tentaram dissimular um segundo acidente, não relacionado com o principal, que teria envolvido o Chevette conduzido pelo militar e um ônibus”, conclui.
A batida ceifou a vida de um dos principais nomes do cenário musical brasileiro dos anos 1990. Francisco Ferreira de França, nascido a 13 de março de 1966, foi o ideólogo do manguebit –rebatizado depois como manguebeat, para fazer uma analogia ao termo “batida”, em inglês.
O disco “Da Lama aos Caos”, de 1994, chamou a atenção para a cena musical do Recife e fez do movimento tão importante quanto a tropicália. A morte de Chico, felizmente, não arrefeceu a criatividade dos artistas locais –vide a crescente efervescência cultural que até hoje transborda naquele estado.