‘Funk Superação’, de MC Hariel, é o maior álbum da história do funk de SP
Artista se propôs a fazer algo marcante – e conseguiu
Chega nesta quinta-feira (29) às plataformas de streaming o álbum “Funk Superação”, de MC Hariel. Pensado para impactar, o disco já pode ser considerado o maior trabalho da história do funk de São Paulo. Sim, tal afirmação necessita de uma base lógica, pois aborda uma cultura com mais de 40 anos de história e milhares de outros álbuns, singles, produções e afins.
No entanto, o que Hariel acaba de fazer não encontra paralelo nesta cultura. E os números que esse trabalho alcançar passarão, daqui por diante, a ser um mero detalhe. Pois, mesmo nas condições atuais onde, muitas vezes, a qualidade de um disco é medida pelo impacto algorítmico, nada é mais importante do que se propor a fazer algo que, pode até não ser inédito, mas supera a própria história.
Vamos aos parâmetros…
No histórico de grandes álbuns do funk paulista, podemos voltar ao fim dos anos 1990, quando a dupla de MCs Danilo e Fabinho gravou “Junte-Se a Nós”. MC Guimê, grande estrela do funk ostentação, lançou em 2016 o “Sol Filho da Lua”, bem depois do auge do seu sucesso com “Plaque de 100”, “País do Futebol” e “Tá Patrão”. Mais recentemente, “Meu Nome Não É Igor %“, de MC IG, e “734”, de MC Kako, também se destacaram.
Ao longo desse tempo, o funk paulistano privilegiou o lançamento de singles em vez de álbuns. Com a virada da última década, vimos aumentar a produção das obras completas, apostando em carreiras mais longevas, divulgação mais linear e no chamado storytelling.
O que, de cara, já destaca o “Funk Superação” de MC Hariel em meio à cena paulista é ter envolvido nomes do passado e do presente, artistas de grande relevância em outros gêneros, do pagode à MPB –caso de Gilberto Gil–, passando pelas mais variadas vertentes do funk: da ostentação ao consciente.
No álbum de 14 faixas, nenhum feat parece ser gratuito, como muitos que visam apenas alavancar números em redes sociais e plataformas de streaming. Em seu novo projeto, Hariel tentou –e conseguiu– criar uma obra coesa, com um conceito bem amarrado.
Mas não foi só isso:
De Gilberto Gil a IZA
Qualquer artista do planeta Terra que conheça o Brasil consideraria uma honra ter Gilberto Gil como parceiro num trabalho. Em se tratando de um expoente de um gênero tão marginalizado como o funk, tal oportunidade se torna ainda mais relevante.
À Billboard Brasil, Gilberto Gil admitiu não conhecer a obra de Hariel até então, mas chancelou a importância do garoto de 26 anos para a música dizendo que achou “interessante um menino como ele fazer esse convite”. E isso sem precisar de arranjos entre gravadoras ou “troca com troco” de engajamento, algo muito comum na era do feat. em que vivemos.
Fã de pagode e pensando em atingir outros públicos, o cantor também convidou Péricles e IZA para as faixas “Eu Te Avisei” e “Manual de Como Te Esquecer“, respectivamente, dando ainda mais peso para seu projeto.
Respeito a quem veio antes
A falta de conhecimento da própria história é um problema entre os MCs de São Paulo. Isso é senso comum entre os próprios artistas. O funk chegou em São Paulo vindo da Baixada Santista no final dos anos 2000, onde o que prevalecia eram as vertentes consciente ou proibidão. Na capital, ganhou destaque com o chamado funk ostentação, que dava visibilidade para uma vida de luxo e excessos.
No álbum do MC Hariel, a trajetória do funk em seu estado natal é representada pelas participações de MC Neguinho do Kaxeta, um dos mais longevos do funk paulistano, cria Baixada Santista, e MC Kelvinho, um dos pioneiros da ostentação no funk da capital.
De olho no futuro
De olho no presente e, claramente, no futuro, MC Hariel convidou não só nomes de destaque na atualidade, como MC IG e MC Don Juan, como seria natural no que já chamamos de era dos feats., mas também aposta em uma nova safra do gênero, caso de MC Kanhoto e Tuto. Em “Funk Superação”, MC Hariel pareceu levar em consideração a obra de cada um de seus convidados, e não os números nas redes e plataformas de streaming.
Arroz com feijão bem feito
A ideia da gravação com instrumentos de corda que estão muito mais associados a uma orquestra do que a um show de funk não é novidade – o próprio já citado Kaxeta já usou deste expediente no seu DVD de comemoração de 17 anos de carreira, em 2018. Mas a direção musical de DJ Thi Marques e Joabe Estevam se destaca, acrescentando elementos mais próximos do pop em um trabalho que tenta manter suas raízes no funk.
Perpassando por todas as faixas, as violas, violinos e violoncelos se misturam com guitarras e teclado, até, obviamente, do beat do DJ.
União
Nos bastidores da gravação, realizada no dia 8 de julho, em São Paulo, toda a cultura baile funk do Estado foi bem representada. As principais produtoras –caso da GR6, que cuida da carreira de Hariel, além de Lovefunk, KondZilla, Sonar e outras tantas, estavam lá acompanhando a gravação, numa rara demonstração de respeito pela cena. Independentemente da disputa de mercado, houve um consenso entre os presentes sobre a grandiosidade e a ousadia do projeto.
Com todos esses fatores reunidos, o sucesso passa a ser um detalhe, uma mera consequência. Para o que MC Hariel se propôs, que era fazer história, o objetivo já foi alcançado.