NTS: ‘dívida’ com Universal Music levanta dúvidas sobre futuro da rádio
Projeto inglês é bem sucedido entre DJs e pesquisadores
A emissora londrina NTS Radio, considerada por muitos a mais influente plataforma de rádio online independente da atualidade, firmou um acordo financeiro com a Universal Music Group (UMG) que começa a levantar dúvidas sobre o futuro de sua independência. Um documento apresentado à Companies House em abril revelou que a NTS ofereceu todos os seus ativos — incluindo propriedades, direitos autorais, marcas e patentes — como garantia de um novo empréstimo obtido junto à UMG.
A NTS é um dos projetos mais bem sucedidos de rádio online. Artistas brasileiros como os cariocas ANTCONSTANTINO e Iasmin Turbinha são residentes na programação.
Segundo a publicação especializada Network Notes, a medida não transfere automaticamente a propriedade da NTS à gravadora, mas permite que, em caso de inadimplência, a Universal possa assumir o controle legal sobre os ativos da rádio. O valor e os termos exatos do empréstimo não foram revelados.
O movimento é o desdobramento mais recente de uma relação iniciada oficialmente em julho de 2023, quando a NTS anunciou a seus apoiadores que havia finalizado uma rodada de financiamento com a entrada da UMG como investidora minoritária. À época, a estação garantiu que manteria “controle criativo e operacional total” e afirmou que a Universal “acreditava na missão da NTS pelos motivos certos”.
Em um e-mail enviado à sua base de apoiadores — formada por ouvintes que contribuem financeiramente com a emissora — a NTS explicou que buscou durante 18 meses o parceiro ideal para garantir sustentabilidade no longo prazo. A mensagem reforçava que a UMG não teria acesso a dados de ouvintes, tampouco interferência na programação, nem direito a assentos no conselho da rádio. “Seguimos sendo totalmente independentes”, dizia o texto.
Documentos públicos revelaram, no entanto, que a UMG passou a deter entre 25% e 50% das ações da NTS — com relatórios posteriores indicando uma participação exata de 25%, adquirida por cerca de 5 milhões de libras. Isso faria da Universal a maior acionista individual da empresa, embora a emissora mantenha o controle do seu conselho diretor.
Outros investidores incluem o músico Peter Gabriel, o festival espanhol Primavera Sound, e o empresário Kevin Kusatsu, conhecido por representar artistas como Diplo.
A direção da NTS, liderada por Femi Adeyemi, reforçou aos DJs residentes e à comunidade que “nada mudaria” na forma como a rádio opera. No entanto, registros da Companies House mostram que Adeyemi deixou de ser uma Pessoa com Controle Significativo no mesmo dia em que a UMG formalizou sua entrada, o que indica que sua participação acionária foi reduzida.
A rádio também evitou se pronunciar sobre possíveis colaborações com a gravadora, como iniciativas de A&R ou sinergias com o selo interno NTS Recordings. A ausência de um anúncio público mais robusto sobre a negociação, somada à recusa da NTS em comentar parcerias polêmicas do passado — como a colaboração com o controverso Bored Apes Yacht Club — levantou críticas nas redes e acendeu alertas sobre a real autonomia da emissora.
Mesmo assim, a NTS tem reiterado que o investimento da Universal foi necessário para manter a operação sustentável e continuar crescendo. A emissora já havia buscado parcerias com marcas como Adidas, Netflix, Sonos, Uniqlo e Carhartt, além de contar com apoio do Arts Council England e com os próprios ouvintes. Ainda assim, diante de um mercado cada vez mais competitivo, o financiamento adicional parece ter sido inevitável.
A pergunta que paira sobre o ar é: até que ponto uma rádio pode continuar sendo “independente” com uma corporação como a UMG entre seus acionistas majoritários? Por ora, a NTS segue operando como sempre — mas os fãs da música alternativa, marcados por desilusões recentes com outras plataformas como o Bandcamp, sabem que nem sempre as garantias no papel resistem ao tempo.
O histórico da união NTS e Universal
No final de 2023, ficou claro que a Universal Music Group havia adquirido silenciosamente uma participação minoritária na NTS Radio. A newsletter “First Floor” foi responsável pelo furo. À época, o jornalista Darren Hemmings questionou como essa venda havia ocorrido sem que outras entidades independentes tivessem a chance de apresentar uma proposta.
Segundo Hemmings, a Universal tem um modus operandi: adquire uma participação pequena em uma empresa e, eventualmente, acaba assumindo o controle total. Foi o que aconteceu com a [PIAS], cuja fatia inicial de 49% comprada em 2022 se transformou em 100% no ano passado.
Embora esse não pareça ser exatamente o caso com a NTS neste momento, os desenvolvimentos são, ainda assim, preocupantes. De acordo com documentos apresentados no Companies House, a NTS garantiu algum tipo de empréstimo com a Universal. Usando dois sistemas de IA para analisar as 34 páginas do contrato, a situação parece ser a seguinte:
Em 17 de abril de 2025, a NTS Live Ltd criou um “ônus legal” em favor da Universal Music Operations Ltd.
Esse ônus funciona como uma garantia — algo semelhante a uma hipoteca — sobre os ativos da empresa. Isso significa que a NTS concordou que a Universal pode reivindicar certos direitos sobre os seus bens caso não cumpra os termos do acordo (por exemplo, se não pagar o empréstimo).
O contrato cobre:
- Todos os imóveis que a NTS possui ou venha a adquirir (prédios, contratos de aluguel, etc.);
- Toda a propriedade intelectual, incluindo direitos autorais, marcas registradas e patentes;
- Encargos fixos (sobre bens específicos) e encargos flutuantes (sobre ativos gerais da empresa);
- E também uma cláusula de promessa negativa, impedindo a NTS de oferecer esses mesmos ativos como garantia a outro credor.
Resumindo: a NTS pegou dinheiro emprestado (ou garantiu uma linha de crédito ou investimento) da Universal Music, usando toda a sua propriedade e propriedade intelectual como garantia. Isso não significa que a Universal é dona da NTS — ainda. Mas se a NTS inadimplir, a Universal pode assumir o controle legal desses ativos.
