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Bailes funk viram refúgio para comunidade LGBTQIA+ pelo Brasil

Bailes funk viram refúgio para comunidade LGBTQIA+ pelo Brasil

Frequentadores estão cada vez mais confortáveis nos bailes do Rio, SP e Recife

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Ramon Coutinho, de 36 anos, nasceu em Vitória, no Espírito Santo, mas está no Rio faz uma década. Ator e produtor de peças teatrais, é um habitual frequentador dos bailes funk esparramados pelos morros cariocas. Encantado pelas batidas que ecoam nesses fluxos –lonas de circo que cobrem as pistas de dança improvisadas–, gosta de ir aos bailes para ficar atento às últimas novidades do pancadão. Mas não só. Ah, sim: Ramon é gay e encontrou nesse ambiente um lugar para dançar sem ser incomodado por atitudes homofóbicas.

“Logo na primeira vez em que fui ao baile, vi uma cascata de fogos e gays como eu dançando na moral. Foi o auge para mim”, diz ele, em entrevista à Billboard Brasil.

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A impressão de segurança em um baile pode soar contraditória diante da descrição de um ambiente escuro e com muitas armas à vista, como no Rio; ou iluminado por sinalizadores náuticos e sonorizados por uma combinação ensurdecedora de dezenas de motos roncando com paredões, como em São Paulo. Mas esse cenário tem sido um refúgio para pessoas LGBTQIA+ se divertirem com liberdade.

Gabriel Alencar, de 23 anos, é frequentador assíduo do Baile da Brota, no centro do Recife. Há cerca de um ano, o estudante de veterinária ouviu falar de um lugar onde –segundo suas próprias palavras– “é possível sair do escuro e estar confortável para fazer o que quiser”. Ao som do brega funk, uma combinação do pancadão carioca com o gênero local, ele congrega com pessoas que, como apregoa a letra de “Galeria do Amor”, sucesso do cantor Agnaldo Timóteo, são “gente à procura de gente”. “Gosto de estar cercado por uma galera que se respeita e emana preocupação com o outro”, declara.

Relatos como esses fazem parte de um cenário cada vez mais comum nos bailes funk espalhados pelo país. O mais importante, no entanto, é que eles contradizem a ideia de que esses “fervos” seriam ambientes pouco inclusivos. “Tem lugares e lugares. Mas, no geral, existe uma coletividade. É na zona sul do Rio que eu me sinto hostilizado”, define Ramon.

Surgido há dez anos, o antigo Baile da Gaiola (atual Baile da Selva), tradicional na zona norte do Rio, é tido como o marco zero dessa mudança de foco no funk. Quatro anos atrás, DJ Rennan da Penha, anfitrião da festa, teve a ideia de fazer uma edição dedicada ao público LGBTQIA+. Foi um escândalo.

“Muita gente disse que eu estava me aproveitando desse público, que só fazia pelo dinheiro”, disse ele para a Billboard Brasil. As críticas, contudo, não impediram os bons resultados da iniciativa: foram quase 24 horas ininterruptas de festa. O pioneirismo de Rennan acabou por influenciar outros bailões inclusivos, não apenas na cena carioca como também no resto do país.

O Baile da Brota, no Recife, nasceu seguindo os caminhos abertos pelo Baile da Gaiola. Surgido dois anos atrás nas ruas da capital pernambucana, ele reuniu 2.000 pessoas em sua noite de estreia. O sucesso foi tão estrondoso que acabou virando uma festa. “É uma festa feita para e por pessoas LGBTQIA+, não como se fosse algo preparado para receber gente da comunidade”, diz Vanderson Santos, DJ e idealizador do evento recifense.

A preocupação maior dos organizadores é justamente com as pessoas trans. “A gente pede muito cuidado na hora de conferir a documentação para que não haja constrangimentos em relação ao gênero morto e respeito ao nome social.”

A favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, é palco do Baile DZ7, um dos mais famosos do funk nacional. Embora os organizadores neguem ter sido influenciados pela atitude de Rennan, eles observam que a frequência da comunidade LGBTQIA+ por lá tem sido cada vez maior.

“Acredito que essa coisa do acolhimento seja muito uma visão de quebrada, na verdade. Não queremos saber quem você é. Se você está aqui para se divertir, vai ser recebido da melhor forma”, teoriza Raul Nunes, dono do Clube DZ7, uma espécie de bar que se transformou numa produtora musical da região.

“Eu frequentei muito o baile da DZ7 e recomendo para pessoas próximas, porque lá é um lugar superaberto e receptivo. É um local de lazer”, explica MC Dricka, autora dos sucessos “Empurra, Empurra” e “Foi Bate Bate”, e que se declara lésbica.

Um dos pontos em comum entre os bailes é a sensação de hospitalidade. Isso se deve ao fato de seus habitats serem nas regiões periféricas, onde a noção de comunidade está acima de tudo. Cria do bairro Casa Amarela, no Recife, Vitor de Souza Lima, de 28 anos, diz que sempre vai visitar o irmão e a avó, que moram no fundão da localidade.

“As novas gerações entenderam mais rapidamente do que a minha o ‘ser gay’, e o contato entre eles e a comunidade faz com que esse vínculo de segurança seja mais forte”, analisa. “O baile é o lugar onde você encontra todos os tipos de pessoas. É onde você se sente bem”, reforça Iasmin Turbininha, a primeira DJ mulher e, como ela mesmo diz, sapatão do funk.

Ela conta que a realidade não era essa anos atrás, quando amigos drag queens perguntavam se era possível subir o morro para ir ao baile. “Como os bailes estão mais acessíveis, você vê as pessoas montadas indo curtir”, conta a produtora. Ela foi percebendo essa relação de confiança crescendo nos bailes funk cariocas em geral. Tanto é que, em 2019, Iasmin foi uma das atrações de um dia histórico para o funk carioca: a tal edição queer do Baile da Gaiola.

“Ter duas pessoas pretas em um mesmo recinto era um motivo para nos conectarmos, virarmos amigos”, analisa Mauricio Sacramento, o DJ Fresh Prince da Bahia, mas também empresário e produtor da Batekoo, festa soteropolitana que vingou em São Paulo ao se tornar porto seguro para gays negros a partir de 2013. Diferentemente da DZ7 ou do Baile da Gaiola, a Batekoo é um evento que não acontece nas ruas, mas tenta emular parte da dinâmica desses eventos.

O acolhimento à comunidade LGBTQIA+ não se resume aos bailes funk. Beyoncé, por exemplo, rendeu suas homenagens aos ícones pretos e gays da cena Ballroom (ou ball, competição de dança underground), com samples, citações ou mesmo os enaltecendo em “RENAISSANCE”, seu álbum mais recente.

A cena ball marcou a história da música pela ascensão da house music e por ser um espaço onde pessoas latinas e negras dançavam como na coreografia do clipe de “Vogue”, de Madonna. Em sua atual turnê, “Celebration”, aliás, a Rainha do Pop não só celebra sua própria carreira, como também homenageia amigos gays que morreram vítimas da Aids.

Com o funk não é diferente: nascido e criado como marginal nas principais capitais do país, o gênero vem empatizando com os corpos também marginais que compõem suas comunidades, berço das pancadas sonoras exportadas a partir dos bailes. Cansado de apanhar, o funk parece agora mais disposto a abraçar os seus.

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