Filarmônica de Berlim leva ‘Europakonzert’ e reflexão para uma Geórgia em ebulição
'A música perfeita e uma mensagem de paz —uma amostra de possível união'
Uma apresentação musical pode ser poderosa a partir de quem toca e do que se toca, é claro. Mas, também, são importantes o “onde” e o “quando” para que essa equação tenha profundidade histórica. Os movimentos da Filarmônica de Berlim no concerto “Europakonzert” na Geórgia confirmavam isso.
Tiblíssi, a capital do país situado no limite entre Europa Oriental e a Ásia Ocidental, tem sido palco de manifestações contra a lei que pode impactar organizações não-governamentais e empresas estrangeiras de mídia, em favor do autocentrado governo russo. É nesse epicentro de disputas de narrativa entre os geórgicos e os aliados locais de Vladimir Putin que uma das mais aclamadas orquestras do mundo assentou peças de Schubert, Brahms, Beethoven e uma suíte dedicada ao compositor local Sulkhan Tsintsadze.
A apresentação foi maravilhosa: um show à luz do dia, ao ar livre, que se misturava aos cantos dos pássaros. A proeminente violinista Lisa Batiashvili, que migrou da Geórgia para uma residência na filarmônica alemã, apresentou solos do “Concerto em Ré Maior para Violino de Brahms com poder e sensibilidade extraordinária. O regente Daniel Harding substituiu o maestro titular Daniel Barenboim, por motivos de saúde.
Na noite seguinte, a orquestra levou o mesmo concerto para o Teatro Nacional —não tão distante de onde os protestos se organizam— e viu-se adornada por aplausos e pelo tremular, na plateia, de diversas bandeiras dos países da União Européia. É difícil de deixar o simbolismo do ato de lado —havia, ali, algo sobre o tamanho do coração das pessoas, mais do que sobre nacionalismo. A política nunca irá sobrepor a música, esta que é poderosa por si só, mas era claro, ali, o que essa música e esta Europa significavam para a audiência local. Às vezes, por outros meios, concertos são uma continuação da política.
Situado nessa linha fronteiriça e de tênues nuances, a Geórgia, geograficamente e também politicamente, sempre enfrentou o lado ocidental da Europa — principalmente por causa de sua maioria cristã ortodoxa e por ter sido parte da União Soviética antes de tornar-se independente. Em dezembro, no entanto, a Georgia foi oficialmente candidata a tornar-se membro da União Européia, com boa parte da população referendando o movimento, desejando o país mais próximo do ocidente, mais distante do seu passado. E, apesar do encontro do “Europakonzert” e dos protestos que tomam a capital serem apenas coincidentes, parece simbolizar a escolha de caminho que o país terá que tomar: um lugar mais otimista no mapa internacional ou um nacionalismo mais pragmático.
A cidade de Tsinandali, que fica a 79 quilômetros da capital, é um sítio da história da cultura europeia. Depois de entrar em decadência durante a era soviética, ficou identificada com o príncipe Alexandre Chavchavadze, um aristocrata local, que incrementava os jardins com vinho e música clássica. Gerido pela Silk Road, empresa de telecomunicações do país, o sítio histórico retomou seus tempos de glória e, agora, funciona com dois hoteis que ficam próximos de seus vinhedos e de um festival de música clássica para jovens músicos da região do Cáucaso. Certamente, isso é profundamente otimista.
“Como poderíamos trazer vida para cá?”, pergunta dialeticamente George Ramishvili, fundador e presidente da companhia. “Escolhemos a música clássica por uma questão de afinidade histórica”.
Anos atrás, Ramishvili conectou-se com a Filarmônica de Berlim e começaram a discutir uma vinda anual do “Europakonzert” para a Geórgia. “É a música perfeita, mas também uma mensagem de paz —uma amostra de união possível do continente. Europa é Geórgia e Geórgia é Europa”, diz Ramishvli.
Tudo o que aconteceu nos concertos fixou esse mote. Em ambos os momentos da “Europakonzert”, a audiência parecia ser uma classe média geórgica, um pouco mais velha e mais rica do que a população de protestantes, claramente mais jovem. Mas as duas querem um engajamento maior com a Europa que coloque os problemas de lado. A União Europeia, sim, possui suas contradições no tema, mas isso é um discussão mais aprofundada e futura do que qualquer coisa que esteja vindo da Russia.
Contudo, nenhum desses temas pairou sobre os concertos. O “Europakonzert” na Geórgia é simbólico por várias razões, mas qualquer um que não entenda de política ou simplesmente queira alienar-se encontraria ali algum apelo sem precisar de contexto para isso. Em Tsinandali, a muralha de pedras do anfiteatro tinha o poder de tornar os sons magníficos, como o canto de um pássaro que harmonizava-se às partes mais quietas da peça “The Magic Harp”, de Schubert. Lisa Batiashvili trouxe uma riquíssima tonalidade de cor ao “Concerto em Ré Maior Para Violinos” de Brahms, especiamente no Teatro Nacional, onde era possível sentir o poder da filarmônica.
O papel da música na diplomacia é tradicional desde, pelo menos, 1950, quando os Estados Unidos criou o “Jazz Ambassadors”, com Louis Armstrong, para uma turnê mundial. Músicos raramente resolvem problemas internacionaos —e isso não é do escopo da profissão— mas há uma amostra, desde então, de como shows podem aproximar países e expor o que de melhor um pode oferecer ao outro. Esses dois shows comprovaram a tese e o valor de uma ideia européia de comunhão e de uma expansão em potencial da mesma.