MC Dricka transforma timidez em sucesso e se torna ‘Rainha do Fluxo’
MC Dricka é um dos principais nomes do funk paulistano


Fernanda Adrielli assumiu a persona de MC Dricka aos 21 anos de idade. Morava na zona norte de São Paulo quando foi surpreendida pelo sucesso astronômico de “Empurra Empurra”, faixa em que canta sobre levar uma “sarrada” do produtor que assina a música, o DJ Will DF. Quatro anos depois, a música tem mais de 77 milhões de visualizações só no YouTube. Desde então, a artista vem colocando sua voz grave em muitas outras letras, sempre com o mesmo tom sexual e debochado.
Quem ouve versos como “então ‘cê faz assim/ Chupa com carin’/ Seu pau vacilou/Mas sua boca tá aí” e “tô louca de lança, chama/ Que minha bunda balança” mal imagina que Fernanda é tímida e fala, em tom baixo e cuidadoso, sobre o funk, a vida e os bichos de estimação. “Tenho dois gatos e três cachorros”, diz. “Gosto de cozinhar, vou para a academia. Faço minha música em casa mesmo, cozinho e cuido dos meus bichos”, conta, resumindo a rotina de uma pessoa comum. Na cozinha, diz manjar de tudo, mas prefere ficar longe de doces. “Não me dou bem.”
Essa calmaria se estende até para a vida amorosa, o que é ainda mais surpreendente. Apesar da pouca idade, Dricka prefere relacionamentos sérios e longos. Inclusive, sonha em se casar. Tudo isso é resultado do amadurecimento, segundo ela. “Quando você é jovem, começa a ganhar dinheiro e não tem supervisão, acaba extrapolando. Hoje, eu me vejo bem melhor. Não me perdi tanto.”
Vestida de MC Dricka, a história é outra. Nos palcos não há espaço para véu e grinalda. Ela fala sobre empoderamento feminino, ostentação e, obviamente, sexo. Por isso e todo o resto, recebeu o apelido de Rainha dos Fluxos. “Em 2019, eu não sa- bia se iria conseguir ir mais distante”, desaba- fa. Quando “Empurra Empurra” a empurrou (com o perdão do trocadilho) para a cobiçada lista de músicas mais ouvidas do país, seu medo era que aquele fosse não só o topo, mas o fim da linha. “Até mesmo por ser mulher. Mas algo que eu achei que seria breve acabou se tornando meu para sempre.”
Para ultrapassar as barreiras que ela mesmo acreditava existir, Dricka assumiu uma persona fictícia. Além de nenhum traço da timidez de Fernanda ser vista no palco, a funkeira, que é uma mulher lésbica, decidiu cantar sobre o sexo heterossexual. “Eu recebo críticas de todos os lados. Pelo fato de eu ser sapatão, as pessoas me questionam por que eu canto música para hétero”, conta. Isso, segundo afirma, não a incomoda. “Minha parada profissional não tem nada a ver com a pessoal”, repete como um mantra.
É que a cantora diz ter percebido, ainda no início da carreira, que não havia espaço para uma mulher preta e lésbica no funk. Pelo menos não para uma que cantasse sobre transar com outra mulher. “Eu precisei me camuflar. Mas nunca deixei de representar a comunidade LGBTQIA+. Sempre me imponho sobre isso”, garante ela.
Hoje, o cenário é outro. Com a coroa de Rainha dos Fluxos bem encaixada na cabeça, ela acaba de lançar “Caldeirão da Dricka”, seu novo disco. Um dos singles, “Sapatão”, é justamente sobre o sexo lésbico. Isso porque Dricka acredita já estar em uma posição confortável para falar o que quiser, considerando que conquistou fãs fiéis que vão ouvir o que ela tem a dizer, independentemente do tema.
“As pessoas me cobraram muito, mas eu precisava lapidar meu público, me lapidar. Precisava firmar uma base… Sem uma base a gente não consegue mostrar, de fato, o que a gente quer mostrar. Primeiro você constrói um reinado para depois mostrar que tem um exército”, filosofa.
Tudo isso para poder cantar: “Sapatão que te pegar gostoso/ Eita hétero que te chupa gostoso”. Dricka acredita que, a partir de agora, o público vai passar a querer mais desse lado que, até então, pertencia apenas a Fernanda. “Eles não vão se dar por satisfeitos, vão pedir por mais músicas desse tipo. O público LGBTQIA+ está nos fluxos, mas na música ainda não. Meu intuito não era fazer por fazer. Eu queria que fosse algo visível.”
O restante do disco também representa um momento novo em sua carreira. Ela não deixa de cantar sobre a putaria que a consagrou, mas quer se aventurar por outros gêneros musicais, como o trap e o rap. Para dar conta desse desejo, tentou misturar tudo em um grande caldeirão (por isso o nome do disco). “Eu queria explorar outras musicalidades, foi por isso que nasceu esse disco. É um caldeirão mesmo, que você coloca várias paradas dentro. Tudo misturado.”
Acima disso tudo, o funk continua sendo o foco de Dricka —e também de Fernanda. Ela não pretende nem nunca pretendeu usar o gênero como uma catapulta para outro. “A gente deixou o impossível para o possível. Antigamente, as pessoas achavam que o funk era limitado, só ficaria ali nos bairros [da periferia], no máximo. Hoje em dia, a gente está desbravando o mundo”, celebra. No disco novo, ela se junta com a venezuelana Arca na faixa “Golpeame”. Para Drika, esse é o próximo passo: a carreira internacional.
*Esta entrevista foi originalmente publicada na edição #9 da Billboard Brasil impressa, cuja capa é estampada por Gusttavo Lima. Compre ou assine a revista aqui.