Major RD: como um ex-camisa 10 da série C entrou para a elite do rap
Ele também descobriu que a vida de rapper não é um clipe do Ja Rule
Perguntado sobre como é ser um rapper que dá ouvido às opiniões alheias, Major RD reflete. Um de seus maiores sucessos, “60k”, só foi possível porque ele se despiu da marra de ex-camisa 10 e abaixou a cabeça para Xamã (rapper e mentor que, agora, foi contratado para a Rock Danger, gravadora de RD). “Nunca tinha pensado nisso. Eu dou ouvido às pessoas!”, assusta-se como se em uma terapia o rapper do Vilar Carioca, em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Nascido Rodrigo Freitas Fernandes Morais, ele lançou, no mês passado, “Ascensão Do Cisne Negro”, seu aguardado segundo disco no qual discute a fama e o cansaço de trabalhar e trabalhar em um mundo bem diferente dos clipes de Ja Rule.
RD gosta do fight. Foi por isso que Xamã confiscou-lhe o celular, evitando que o pupilo entrasse numas de responder treta, não sem antes aplicar-lhe um sermão que foi ouvido por respeito ao amigo. Rodrigo (por isso o “RD”) foi para o cantinho do castigo (e entre um freestyle e outro), viu um e-mail novo na caixa de entrada.
Era um beat de Baratapai —que, assim como o sermão, também foi levado em consideração. Nascia “60k”, faixa com mais de 40 milhões de visualizações só no YouTube.
‘Quem é esse tal de Felipe Amorim?’
“Eu estava dando banho no meu cavalo”, diz RD sobre quando foi surpreendido por um convite para entrar em estúdio. Era Felipe Amorim, dono do hit mais trompete-chiclete do ano.
“Eu perguntei lá no haras quem era esse cara do forró cheio de números”, continua, se referindo ao momento como um “encontro raro”. A nova amizade rendeu “Dose De Gin”, faixa que funciona como uma introdução ao lado B do disco novo.
Antes dela, são quatro faixas que só falam de trabalho, trabalho, trabalho.
“Mano, vou te falar? Antes de fazer algum sucesso, eu achei que minha vida ia ser roupão, charuto, piscina. Igual ao clipe do Ja Rule”, conta o rapper, empresário, dono de um haras, quatro cavalos e, agora, pai da recém-nascida Maju. “Show, aeroporto, filha, reunião, clipe, publicidade, conta pra pagar, cavalo fica doente…”. O número de obrigações aumentou e mudou o ex-meio-de-campo do Bonsucesso (e de outros times da série B e C do futebol carioca).
Camisa 10 marrento e fechadão em campo, o rapper agora é crítico consigo. “Às vezes, a gente se defende indo para cima do problema… Talvez pela forma como fomos criados, como eu fui na favela, na escola pública. Aquilo do ‘se bater, eu bato também’. Faz um tempo que eu não sou mais essa pessoa [que entra em briga]”, reflete.
A última que pipocou (com Kyan e Mu540, ambos da cena drill de São Paulo), Major despreza. “Essa nem fui eu que comecei. Eu não tenho confusão com ninguém no rap. Ele me chamou pra conversar em São Paulo: não foi maneiro, não foi uma conversa sadia de ‘vamos resolver’, mas para demonstrar poder. Quero que a minha vida ande, não falo mais nada na internet”, finaliza o assunto citando a também treta com o rapper Klyn, resolvida após um “culto” no qual os varões se entenderam sobre um possível plágio de um rock-rap de Major. Sim, rock-rap.
‘Mostra pra tua mãe que você é roqueiro’
“Eu percebi que, no começo da carreira, eu cantava um boom-bap e a galera ficava meio pensativa, para baixo”, analisa RD. As pauladas de rock que o rapper dá em “Ascensão…” são culpa do pai. “Ele pegava um papel e me mandava assinar assim ‘eu sou roqueiro’ e depois dizia ‘mostra lá pra sua mãe'”, conta.
Slipknot, Linkin Park, U2, Legião Urbana, IRA!, Engenheiros do Hawaii foram algumas das referências passadas pelo pai. “Eu observei os shows de rock e é aquela ‘pulação’, coisa voando pro alto, nego pintando cara. Aí comecei a conversar com meus produtores para misturar trap com rock. Nas músicas antigas, eu já falava do ‘perigo do rock'”. Não à toa, o nome de sua gravadora é Rock Danger e um dos maiores sucessos do selo é “Só Rock 2”.
“A única coisa que eu tenho certeza é que a gente não pode perder espaço como o rock perdeu. O rock caiu na mão de grandes empresários, virou outro movimento. A gente precisa manter o rap conosco, sem entregar a receita para a elite, para a ‘playboyzada’, para quem tem os melhores equipamentos, os melhores contatos”, reflete o empresário
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O rapper que não quer ser a baleia do Sea World
“Ah! Eu falo disso em ‘Tilikum'”, exclama Major quando perguntado sobre burnout, já que fala de trabalho em oito das dez canções do novo álbum. O nome é estranho, a história dolorosa. Afastada dos pais na Islândia, a baleia Tilikum é forçada a virar uma estrela adestrada do Sea World, onde mata três treinadores. “Eu fiquei meio doido com esse documentário. Eu seria a Tilikum, com certeza.”, responde Major sobre o estranho parque de diversão que é a indústria da música, mencionando “Blackfish”, documentário que explora a construção do parque aquático em cima dos traumas da captura das baleias.
“Na época de cachê mais baixo, qualquer festinha tinha show meu. Tava me fazendo mal. Não dormia, não comia. Quando vi o documentário, eu pensei ‘nossa, vou acabar morrendo, essa entrega toda ainda vai me matar”, diz recitando o verso da canção que leva o nome da baleia.
O primeiro cachê do artista foi R$ 50, pagos por Xamã, a quem acompanhava no começo da carreira, logo depois de ter sido detido por porte de drogas. A pena foi convertida em cestas básicas, coisa que um desempregado e moleque Rodrigo não sabia muito bem como arcar. Hoje, bancos digitais disputam como vão aparecer na letra do rapper. E não aparecem.
“Eu aprendi que não devo falar mais de marca alguma, a não ser quem me paguem. Eles não querem vincular a imagem deles com a gente, ao que somos”, explica quando perguntado de quando foi ameaçado pelo Nubank.
A canção “No Bank” ganhou (mais) evidência porque o banco digital pediu a remoção da citação à marca. “Meu advogado falou que eles não podiam me processar e que, se eles entrassem, a gente ganhava. Mas aí eu falei ‘quer saber? Você acha que eu vou ficar brigando com banco?'”, zomba o rapper que diz ter recebido várias propostas de concorrentes do banco roxo, como C6 e Pague Seguro. “Tá maluco? Nada a ver. Eu nem visualizei, nem respondi”, finaliza.
Lançamento CANCELADO!
Risco de Processo ❌O banco que se diz ser o “Banco dos Jovens” 🟪 não se identifica comigo, nem com minha música e afirmou que não queria ser vinculado a mim (Rapper), por mais que eu o cite de forma positiva na música.
É nós Tropa 🧸 pic.twitter.com/9lZNEbYiGK
— Major rd 🧸✨ (@eumajorrd) June 17, 2023
Carinho ou maldade?
“Eu quero acreditar que seja isso, né?”, resigna-se ao lembrar do cordão que lhe fui puxado durante um show, em abril, no Recife. “Eu fiquei com muita raiva. Mas depois fiquei pensando se não foi porque a pessoa gostava tanto de mim, daí ela foi lá e pegou, eufórica”, conta relembrando o pingente de urso, benzido pela mãe, que usava em todas as suas apresentações. O cara ficou com tanta raiva que doou todas as joias que tinha em sua casa. “Dei pulseira, dedeira. O cordão que tem a letra ‘M’? Dei pro Maneirinho [MC carioca com quem divide peladas no Rio de Janeiro]”.
Covardia é fazer isso com o mano que briga com os seguranças por você, o mano que bate de frente com organizado de evento, o mano que tenta atender a todos. Eu to indignado ! 😡 pic.twitter.com/j5fXtJqJaZ
— Major rd 🧸✨ (@eumajorrd) April 23, 2023
A história mostra um pouco do temperamento de Major RD. “Quero mais fazer joia, não. Agora não canto mais com joia, não desço para falar com o público, não faço mais roda punk”. A marra não durou muito, um amigo designer de joias o convenceu a voltar a reluzir. “Ele me convenceu a tirar o molde da ferradura do meu cavalo Belini. Quando ele me deu, eu falei ‘c…’. Toda de prata, cheia de brilhinho. Aí já era, voltei a comprar tudo de novo”, conta.
a maior felicidade do dia foi descobrir que o Major RD anda pra caralho DE CAVALO? isso sim é um flex máximo. fodace seus porsche irmao taligado pic.twitter.com/jsdtx7sGpf
— Lucas Silveira 😔😭 (@lucasfresno) April 10, 2023
“E digo mais: refiz o pingente que foi roubado”, conta o rapper que, além dos fãs, fez a felicidade do seu ourives Atos Joias. “Ele ganhou na Megasena, pô!”, se diverte.