‘Inimigo’ de Paul McCartney, Brian Wilson redesenhou a música pop
O criador dos Beach Boys morreu de causas não reveladas. Tinha 82 anos.
Em “Many Years from Now”, biografia de Paul McCartney escrita pelo jornalista e escritor Barry Miles, o ex-Beatle se permitiu trazer à tona alguns de seus segredos. Um deles era que, ao contrário do comentado na imprensa inglesa, os Rolling Stones nunca foram rivais do quarteto de Liverpool. Pelo contrário, muitas das estocadas por parte de ambos os grupos eram dadas para aumentar esse boato. O outro, mais importante, é que McCartney contou o nome do compositor que sempre desafiou seu processo criativo: um sujeito chamado Brian Wilson.
O cantor, baixista, tecladista e mentor dos Beach Boys, um dos principais grupos americanos em todos os tempos, morreu nesta quarta-feira, dia 11 de junho, em Los Angeles, de causas não reveladas. Tinha 82 anos e um histórico de estabilidade mental –era esquizofrênico. No início de 2024, foi diagnosticado como portador de demência. Os demônios que se instalaram em sua mente, no entanto, não o impediram de produzir uma música próxima do divino.
Brian Douglas Wilson nasceu a 20 de junho na cidade de Inglewood, estado da Califórnia, e mudou a música de várias maneiras. Primeiro, conquistou o público jovem. À frente dos Beach Boys, grupo que formou ao lado dos irmãos Dennis (bateria) e Carl Wilson (guitarra) e do primo Mike Love e do amigo Al Jardine (guitarra) ele criou a trilha sonora da Califórnia do início dos anos 1960: uma compilação de hinos sobre praia, surf, carros possantes e garotas. Embora classificados como “surf music”, gênero que obviamente falava de surf e praia, os Beach Boys traziam em sua receita as harmonias dos grupos vocais dos anos 1950 –em especial The Four Freshmen–, o rock’n’roll de Chuck Berry (1926-2017) e as arquiteturas sonoras do produtor Phil Spector (1939-2021), conhecido por um método de gravação chamado wall of sound –basicamente uma combinação de vários instrumentos, que somados se transformavam numa base sonora poderosa. Os principais sucessos daquele período eram justamente sobre a juventude –”Surfin’ in the USA”, “I Get Around” e “California Girls” talvez estejam entre as mais representativas dessa fase–, mas Brian se permitia criar hinos sobre introspecção e melancolia. Casos de “In my Room” e “The Warmth of the Sun”, esta última criada sob o impacto da morte do presidente americano John Kennedy, em 1963.
“Pet Sounds”, de 1966, é considerado um dos discos mais perfeitos da música em todos os tempos. Brian então criou uma obra-prima sobre amadurecimento, usando como base os músicos da Wrecking Crew, grupo de musicistas que trabalham com seu ídolo Phil Spector. As canções falam de casamento, da crise que chega com a idade adulta e até da sensação de não pertencer àquele mundo (“I Just Wasn’t Made for These Times”, tão linda quanto dolorosa). É desse disco que sai “God Only Knows”, canção que Paul McCartney considera a mais bonita em todos os tempos. E “Caroline No”, sobre a decepção que sentiu ao reencontrar uma amiga de adolescência que tinha perdido a inocência.
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O clássico dos Beach Boys marcou o início da rivalidade entre os Beach Boys e os Beatles. Brian Wilson criou “Pet Sounds” por causa do impacto que “Rubber Soul”, álbum que inicia a temporada “adulta” do quarteto inglês causou nele. Os Beatles se assustaram tanto com a maturidade de “Pet Sounds” que decidiram dar o troco. A balada “Here, There and Everywhere” foi composta logo após a audição do disco dos Beach Boys em Londres. Em seguida, criaram “Revolver”, um de seus melhores trabalhos. Brian tinha esperanças de responder o quarteto inglês com “Smile”, uma intrincada mistura de pop e música sinfônica. Atormentado por problemas internos, demorou para finalizar a obra. Enquanto isso, os Beatles lançaram “Sgt. Pepper’s” e mudaram a cara da música para sempre. Brian Wilson, por seu turno, entrou num processo de depressão auto destruição que deixou sequelas para sempre.
Os problemas, contudo, não o impediram de continuar produzindo. Em 1988, Brian deu início a uma carreira solo cujo um dos muitos destaques foi uma homenagem a George Gershwin (1989-1937). Nada mais adequado. Da mesma maneira que o autor de “Rhapsody in Blue” mudou a música de seu tempo, o cancioneiro americano nunca mais foi o mesmo depois da passagem de Brian Wilson.