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Humilde, mas nem tanto, Belo é o cantor das multidões – e do amor

Humilde, mas nem tanto, Belo é o cantor das multidões – e do amor

Avatar de Guilherme Lucio da Rocha
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O amor tem o poder de mudar os rumos da sociedade. E quem diz isso é a ciência. Pesquisadores apontam que, no século 18, os romances epistolares do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1717-1778), como “Júlia ou A Nova Heloísa”, serviram de combustível para a criação do que hoje conhecemos como direitos humanos. Já no caso das chamadas ciências duras, há uma série de estudos que apontam, há décadas, as marcas que o amor deixa no cérebro humano. No campo das artes, mais precisamente na música, o amor é uma forma secular de encanto. E o lado mais romântico desse nobre sentimento tem um porta-voz no Brasil: Marcelo Pires Vieira, o Belo.

Completando 50 anos, sendo mais de 30 dedicados à arte de cantar –principalmente pagode–, o Cantor das Multidões vive uma fase de pura magia. Seja lotando estádios pelo país com a turnê de 30 anos do Soweto, que o alçou à fama, seja cantando em espaços mais intimistas com seu “Belo In Concert”, ou mesmo em alto-mar, com seu cruzeiro temático. Isso sem falar na carreira nas telas, como ator das séries “Veronika” e “Arcanjo Renegado”, ambas da Globoplay. Ah, e vem aí um documentário sobre ele, retratando uma trajetória de altos muito altos e baixos muito baixos, também pela Globoplay, com previsão de lançamento para outubro. Hoje, Belo acredita viver o melhor de seus momentos.

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“Vivi o sucesso nos anos 1990 e, agora, estou num grande momento de novo. Acho que, daquela geração, só eu e Péricles [ex-Exaltasamba] conseguimos surfar essa segunda onda. É algo mágico, porque também estou vendo o gênero em alta. Não estamos sozinhos, tem uma galera nova com a gente. Fico feliz de ver Ludmilla, Gloria Groove, Felipe Araújo, MC Daniel, enfim, artistas de vários gêneros cantando pagode. É uma vitória coletiva”, diz ele, em entrevista à Billboard Brasil.

Esta reportagem está na edição #10 da Billboard Brasil; veja aqui

Nestas três décadas de estrada, o artista nunca deixou de cantar o amor. Quem já esteve em um show de Belo sabe bem. É nos palcos que o cantor faz da pessoa mais desiludida uma alma entregue à paixão. O próprio não tem receio de assumir que se enquadra na turma dos românticos.

“Sou um apaixonado idiota. Acredito muito no amor.”

No entanto, para entender o fenômeno Belo, é preciso decifrar Marcelo Pires Vieira. Esta reportagem se propõe a utopia de tal explicação, mas não pense que, ao final, você terá uma resposta clara sobre quem é a pessoa por trás do cantor. Assim como o sentimento que canta no palco, Belo é um personagem complexo.

A música entrou na vida de Marcelo ainda na infância. Seus pais, o pedreiro José e a costureira Terezinha, nascidos e criados “na roça” em Minas Gerais, e migrantes em busca da prosperidade em São Paulo, eram muito afeitos à música sertaneja e à música popular. O pai, que tocava violão e cantarolava em casa, foi quem ensinou os primeiros acordes de cavaco para o menino que, de tão namorador, ganhou o apelido de Belo. Suas primeiras aventuras foram em grupos de choro. “Era sempre o caçula. O segundo mais novo tinha 60 anos”, brinca. Depois, passou por bares e grupos menores, sempre tocando mais do que cantando, até reencontrar um amigo que mudaria sua vida: Jesme Robson Ignácio, o Buiú.

Jesme e Marcelo estudaram juntos entre a pré-escola e a primeira metade do ensino fundamental, na região sul da capital paulista. Criaram uma amizade para além das salas de aula, daquelas em que você chama a mãe do seu colega de “tia”. Até que Buiú precisou se mudar para o extremo leste da cidade. Numa era pré-internet, a distância de mais de 30 km era capaz de afastar até os mais unidos dos amigos.

Até que certo dia, quase uma década depois, caminhando pelo centro de São Paulo, Belo do Cavaco, como era conhecido à época, reencontrou Buiú. “Foi o destino, mesmo. O Buiú odiava que o chamassem de Jesme, só eu tinha essa liberdade. Gritei o nome dele na rua, foi até engraçado. Nos abraçamos, perguntei como estava a vida, e ele disse que tocava num grupo de pagode. Não acreditei. Disse que também estava tentando a sorte, tocando aqui e ali, e ele me falou para ir conhecer o pessoal do grupo, que estava precisando de um cavaquinista. Ele comentou que o Claudinho [de Oliveira] estava lá também, e eu sabia que ele já tinha um nome forte pelas composições. Era um sábado. Peguei o metrô na Saúde, atravessei a cidade e fui encontrá-los no metrô Arthur Alvim”, diz, relembrando o trajeto de mais de uma hora.

Ao chegar ao destino, Belo do Cavaco se juntou a Buiú (tantã), Claudinho (banjo) e Criseverton (pandeiro), todos da formação original do grupo. Belo convidou ainda dois amigos da zona sul, Ricardo e Mauro, que recusaram a proposta por terem outros compromissos e sugeriram outros dois músicos, Digo e Marcinho, que assumiram o repique e o violão, respectivamente. Os cinco formariam o grupo, que tinha Buiú nos vocais. Belo só passou a cantar meses depois, quando o amigo ficou doente. “Eu era o cara da harmonia, então, sabia todas as músicas. Foi só por isso que me escolheram [para cantar]. Uma galera já sabia que eu cantava. Quem não sabia ficou impressionado.”

Até 1993, o grupo se chamava Sob Medida. Porém, por conta de direitos autorais, mudou para Soweto. O nome, além de homenagear Djavan e sua canção homônima de 1987, é uma referência ao gueto próximo de Johannesburgo, na África do Sul, e que foi símbolo do segregamento racial no país a partir dos anos 1960.

No Brasil dos anos 1990, muitos grupos de pagode inundaram o país com sucessos radiofônicos e um quê de consciência racial –caso de Grupo Raça, Katinguelê, Negritude Jr., Só Preto Sem Preconceito. Com o Soweto não seria diferente: a escolha do nome foi reflexo de como aqueles jovens, com o letramento das ruas, compreendiam seu papel social e as dificuldades de viver em um país desigual.

Belo, ao ser perguntado se já se entendia um homem negro naquela época, abre um sorriso para demonstrar o mínimo de simpatia, antes de responder assertivamente. “Eu não me considero um homem negro. Eu sou um homem negro. A sociedade me mostra isso, com tudo o que passei nestes anos. Minha avó materna, por exemplo, foi serviçal do [ex-presidente] Juscelino Kubitschek [1902-1976] em Minas Gerais, sou descendente de escravos, tenho origem na roça. Minha negritude está aí, é algo óbvio”, afirma ele, que não costuma ser tão vocal sobre o assunto.

Após um bom destaque com o álbum “Vento dos Areais” (1995), o Soweto chamou a atenção do então diretor da EMI, João Augusto, passando a integrar o casting da gravadora. O grupo fez, então, seu novo disco, “Refém do Coração”. No dia 28 de julho de 1997, com o álbum pronto para ser lançado dali a poucos dias, Buiú decidiu dar uma volta de carro com uma amiga pela Vila Formosa, na zona leste paulistana.

Quando parou o veículo na avenida Eduardo Cotching, foi abordado por dois rapazes anunciando um assalto. Um deles, de apenas 15 anos, atirou contra o motorista. Belo soube que seu amigo de infância havia sido baleado, correu para o hospital e, ao chegar, recebeu a notícia de que Buiú estava morto. Foi o cantor quem reconheceu o corpo, mas não conseguiu avisar sua “tia” Ana Luiza, mãe de Buiú.
“Quando cheguei ao hospital, vi o cordão de ouro que ele usava. Fiquei sem reação quando o reconheci. Era ele mesmo. Por anos e anos, essa cena ficou na minha cabeça, foi o maior trauma da minha vida. Não tive condições de avisar para a família o que tinha acontecido. Até hoje, de todas as formas possíveis, o Soweto homenageia o Buiú e, para mim, é uma questão de honra. Ele mudou a minha vida. Não só a do Belo do Cavaco, que todos conhecem como Belo hoje, mas para além dos palcos. Tínhamos amizade, mesmo.”

“Refém do Coração” acabou sendo um sucesso estrondoso, com mais de 1 milhão de cópias vendidas, eternizando canções como “Derê”, “Estrela da Paz” e a música que dá título ao CD. Buiú aparece no encarte com uma foto onde se lê in memoriam. Dois anos depois, com cinco integrantes na formação, o Soweto lançaria “Farol das Estrelas”. O álbum vendeu ainda mais cópias, emplacou sucessos como “Búzios e Tarô, “Tudo Fica Blue”, “É Tudo” e firmou o grupo na liderança da corrida para o grande grupo de pagode que abriria os anos 2000.

Mas tudo mudou com a chegada do novo século. Belo decidiu seguir carreira solo e saiu do Soweto. Frontman de um dos principais grupos de pagode à época, com o gênero borbulhando pelos quatro cantos do Brasil, o cantor optou por um movimento incomum.

“Pode colocar aí na matéria que sou eu quem estou dizendo: eu fui o precursor nesse negócio de carreira solo em grupo de pagode. Alexandre Pires [ex-Só Pra Contrariar], Netinho [ex-Negritude Jr.], Salgadinho [ex-Katinguelê], todo mundo veio depois de mim.”

Mas essa saída não foi das mais fáceis –tanto que, até hoje, é associada ao imbróglio judicial com o ex-jogador e investidor do grupo, Denilson, que havia fechado um contrato para a venda de shows do Soweto. Após a saída de Belo, Denilson cobrou o cantor na Justiça. A disputa durou 23 anos, com muitas reviravoltas midiáticas. Em agosto do ano passado, os dois chegaram a um acordo de cerca de R$ 7 milhões. Em entrevistas, os dois garantiram que a amizade continuava, e até jogaram futebol juntos numa partida para arrecadar doações para as vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul.

Confusões legais à parte, a carreira solo fez com que Belo alcançasse o status de superestrela. Para comandar essa nova missão, o cantor convocou Wilson Rodrigues, o Prateado, produtor do primeiro álbum do Soweto. Além do feijão com arroz do pagode noventista, os dois pretendiam transformar o vocalista num intérprete de grandes canções de amor, extrapolando gêneros. E, logo no primeiro álbum, “Desafio” (2000), surgiu “Tua Boca”, tema de Petruchio (Eduardo Moscovis) e Catarina (Adriana Esteves), da novela “O Cravo e a Rosa”, sucesso da TV Globo em 2000. Ok, outras canções do disco também se destacaram, caso de “Procura-se um Amor”, “Ser Feliz de Novo”, “Um Dia, um Adeus”. Mas “Tua Boca” foi a faixa que tocou sem parar numa novela da TV aberta, ainda numa época em que as trilhas sonoras ditavam o que se ouviria pelo Brasil.

“Eu saio com um disco que se chama ‘Desafio’ porque ele era, realmente, um desafio. Tinha gente que falava que eu já estava acabado, que ia dormir na rua. ‘Tua Boca’ era o que eu sonhava fazer em termos de música romântica. Pode ver que é uma música que não tem um cavaco, um pandeiro, um tantã. Era isso que eu queria mostrar, que posso cantar de tudo, porque eu sou um intérprete. E sou um intérprete dos bons, tá?”, afirma ele, dispensando a desnecessária modéstia. E ele é mesmo.

Belo não tem medo de soar arrogante ao fazer esse tipo de afirmação. Durante uma hora e meia de entrevista, enquanto viajava do Rio até Maricá para um show, alternava a marra com uma humildade demasiada, atribuindo a terceiros qualidades que também são suas. Em vários momentos da conversa com a Billboard Brasil, Belo citava uma música, “um sucesso conhecido em todo o país”, em suas palavras, para na sequência questionar se o repórter já a havia ouvido.

Antes mesmo da resposta, começava a cantarolar alguns versos. “Todo mundo conhece, mas vou te mostrar um pouquinho”, dizia. Embora simpaticíssimo, Marcelo Pires Vieira não é uma pessoa simples de lidar. Ele próprio admite que é adepto do ditado “sou do sereno, não tenho hora”. Mas, quando abre a boca, é difícil encontrar alguém que não caia em sua lábia.

O cantor tenta dimensionar o seu sucesso, até para ter mais noção do impacto que causou na cultura brasileira. Em junho, o Soweto lotou dois shows no Allianz Parque, em São Paulo, na estreia da turnê de 30 anos do grupo. Ao todo, foram 90 mil pessoas só ali –isso sem contar as outras 29 cidades, como Rio de Janeiro, Belém e Brasília.

“Agora, me fala: que outro artista lotou o Allianz dois dias seguidos? É uma loucura, não posso normalizar, achar que é comum. Só o Soweto e a Taylor Swift fizeram isso, porra!”

Marcelo Pires Vieira é pai de quatro filhos e tem quatro netos. Ele diz tentar manter alguma privacidade, mas a profissão faz com que sua vida pessoal seja mais pública do que gostaria. Em 2004, inclusive, viu seu mundo ser revirado. Foi condenado por tráfico de drogas e associação ao tráfico, no que ficou conhecido como “escândalo do tênis”, quando, em um grampo telefônico, o cantor foi flagrado negociando um “tênis AR” –o que a polícia entendeu como sendo um fuzil AR-15.

Belo viu sua imagem sair dos cadernos de música e celebridades dos grandes jornais para estampar as páginas policiais. Cumpriu pena de três anos em presídios do Rio de Janeiro. Vinte anos depois, ele viria a interpretar um policial na série “Veronika” e conta que viveu um dos momentos mais emocionantes da sua carreira como ator –com direito a DRT, o tal registro profissional da categoria, como ele faz questão de deixar claro.

“Quando recebi o convite e tive o primeiro contato com o pessoal da Polícia Civil do Rio, eu senti muita vergonha. Fiquei três anos preso, enquanto minha música tocava em todos os lugares do Brasil. Foi um momento triste da minha vida, mas que definitivamente superei.” Os detalhes dessa história Belo prefere guardar para seu documentário. “Meus fãs merecem saber tudo o que aconteceu comigo, mas quem tem que contar isso sou eu mesmo”, define.

Ao falar de amor, porém, o cantor se solta e se diz honrado por elogios como o do colunista Chico Barney, que apontou Belo como um sucessor natural de Roberto Carlos –ele gostou tanto da sugestão que seu projeto “Belo in Concert” surgiu após a comparação com o Rei. “Não vou falar que eu sou o melhor, mas sou um dos maiores intérpretes de amor deste país. Não tem como negar. Antes, ainda tinha a questão do preconceito com pagode. Hoje, vão falar o que de mim? Quem canta sobre amor melhor do que eu? Se sair na rua e fizer uma pesquisa: ‘Quem é o cantor do amor?’, vão responder ‘É o Belo’.”

Até fora dos palcos Belo admite ser um romântico irremediável, daqueles que se embriagam de amor até a última gota. Diz ter aprendido com o pai, que abria a porta do carro e fazia questão de dar tudo do bom e do melhor para sua mãe, mesmo com condições financeiras limitadíssimas. “Ele me ensinou que não há nada mais caro do que o amor.”

Pois Marcelo disse ter replicado isso nos seus próprios relacionamentos, como os casamentos com a modelo Viviane Araújo (de 1998 a 2007) e com a influenciadora digital e modelo fitness Gracyanne Barbosa, de quem se separou recentemente, depois de 16 anos juntos. No seu relacionamento com Gracyanne, a internet foi um problema. Belo tenta ser reservado nas redes sociais, enquanto ela leva a vida como influenciadora digital, o que a faz ter, por obrigação, que se expor nas redes. O artista sabia dessa questão e não só abriu mão da privacidade como mergulhou na produção de conteúdo com a amada, aparecendo em fotos e vídeos do “casal Tudão”. Coisa típica de gente apaixonada.

“O Brasil todo viu, não teve como esconder. Olha como foi meu casamento com a Viviane, meu casamento com a Gracyanne. Muita gente falava: ‘Ah, esse cara é um bobão’. Mas é quem eu sou, vou fazer o quê? Eu vivo a minha verdade, e a minha verdade é o amor. Eu sou o amor mesmo e levo isso para a música. Talvez esse seja o segredo do meu sucesso. O amor. O Belo é o amor como ser humano.”

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