Como Thiaguinho usou a coragem – e a sorte – para mudar os rumos do pagode
Cantor virou sinônimo de unanimidade entre seus pares
Peço perdão para discordar do escritor Nelson Rodrigues (1912-1980) e utilizo a elasticidade do senso comum para dizer que nem toda unanimidade é burra. No meio do samba e do pagode, Thiaguinho é uma unanimidade. Talvez a exceção que confirme a regra. E como ele conquistou isso? Com coragem para romper padrões e um tanto de sorte. Antes de entrar no aspecto sobre o qual não há controle, a sorte, falemos daquele sobre o qual é possível ter o mínimo de ingerência: a coragem.
Se, no início dos anos 1990, o grupo Raça Negra ficou conhecido por profissionalizar o pagode, levando grandes estruturas para espetáculos ao vivo, não é exagero dizer que Thiaguinho estabeleceu a certeza de que ser independente pode, sim, dar futuro.
Após romper com a Som Livre, o cantor assumiu as rédeas do seu destino musical –um movimento pouco usual no pagode e que demanda um empenho total de gestão. Nascia assim sua produtora, a Paz e Bem. Aliado a isso, o pagodeiro, revelado pelo programa “Fama”, da TV Globo, e lapidado no Exaltasamba, teve a coragem de lançar um projeto audiovisual só com canções inéditas. Pode parecer besteira, mas num universo onde as regravações dominam, o cantor reuniu grandes compositores da nova e da velha guarda, e matou no peito a arriscada missão de fazer um público afeito à nostalgia aceitar novidades.
“Sou apaixonado por compor e sempre que posso quero mostrar músicas novas para as pessoas. Quero lançar canções inéditas para o resto da vida, amo ouvir novos compositores. Isso não quer dizer que não devemos regravar. Eu mesmo tenho o ‘Tardezinha’, que é meu espaço para isso”.
E é fundamental ter em mente que o pagode ainda é bastante dependente das rádios. Sendo assim, não é frequente ver canções do gênero em destaque nos charts, geralmente baseados no streaming – atualmente, no Billboard Brasil Hot 100, há apenas “Nosso Primeiro Beijo”, de Gloria Groove, e “Apaguei pra Todos”, de Ferrugem e Sorriso Maroto.
Para quem trabalha com rádio, a dinâmica de divulgação dos projetos é bem diferente da usada em plataformas de streaming, e é nesse ponto que as estruturas de grandes gravadoras e o poderio financeiro de investidores se destacam.
Há um mês, Thiaguinho lançou a segunda parte do álbum “Sorte”. O último trabalho do cantor havia sido “Meu Nome É Thiago André”, de 2022, um álbum repleto de regravações. E, em meio a isso, o cantor fez a turnê mais bem-sucedida da sua label “Tardezinha”, rodando o Brasil cantando clássicos de samba e pagode.
Ou seja: tudo indicava para que Thiaguinho não mexesse no time vencedor e se espelhasse no que o mercado do pagode oferecia como natural: um álbum com clássicos em novas roupagens e quatro ou cinco canções inéditas “para ver no que dá”. Afinal, segundo ele próprio, “os grandes sucessos foram inéditos algum dia”.
“Acho fundamental ter essa coragem e não tenho medo”. Sim, ele sabe que o risco de errar e cair existe. Mas, com a consolidação no mainstream, Thiaguinho pode se dar o luxo de arriscar, como no caso de “Sorte”. Há mais de dez anos em carreira solo, após uma passagem de sucesso como vocalista do Exaltasamba, o cantor é um dos maiores nomes da música popular da atualidade. Não é como se ele fosse se aventurar num mar revolto.
Porém, “Sorte” é um álbum com compositores iniciantes, participações como a do grupo IMBÁ –que Thiaguinho descobriu no YouTube– e toda uma produção que fica distante das rodas tradicionais. Thiaguinho apostou no seu taco, mas não foi só isso. Tem também a palavrinha que dá nome ao álbum, lembra?
O destino
Em meados dos anos 1990, o cantor viajou com a irmã para a Disney, como um presente dos pais, que ficaram no Brasil. Ele, que dava seus primeiros passos como pagodeiro em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, recebeu uma ligação de casa: tinham esbarrado com Péricles, sucesso à frente do Exaltasamba, e o músico deixou o contato da sua produtora para “ajudar” o cantor iniciante.
Anos depois, Thiaguinho dividiria os vocais do grupo com Péricles durante mais de uma década. Uma tremenda coincidência. “Quando meus pais me falaram que tinham encontrado o Péricles, eu nem queria mais saber da viagem. Só pensava que tinha perdido uma grande chance. A primeira coisa que fiz quando voltei para o Brasil foi ver o telefone que ele tinha deixado. E era verdade! Ligamos na produtora, mas acabou não indo para a frente. Anos depois, saí do “Fama” e recebi o convite do Exalta. Fui com a minha família conversar com o Péricles e a rapaziada. Ele olhou estranho para o meu pai e falou: ‘Te conheço de algum lugar’. Quando meu pai explicou, o Pericão quase caiu.”
Para sua carreira solo, depois de seis álbuns com o Exalta e um Grammy Latino em 2011, Thiaguinho tinha um sonho: criar com Wilson Rodrigues, o Prateado. O produtor e baixista que trabalhou com o próprio Exalta, além de Belo, Sensação, Os Travessos e tantos outros, era o nome em que Thiago André mais mirava. Ao receber o convite, em 2017, o produtor respondeu: “Vou assistir ao seu show. Se gostar, eu fico”. E ele ficou, ocupando até hoje o cargo de diretor musical do cantor. “Eu não escolhi o Prateado, o Prateado que escolheu trabalhar comigo. Temos uma sintonia incrível. Busco me cercar de pessoas que me enriqueçam. Acredito que essa troca é fundamental.”
Os dois episódios mostram como a sorte está presente na construção da carreira do pagodeiro. Mas também mostram como ele buscou se cercar dos melhores. Inclusive, ele faz questão de ficar com o radar ligado para novos nomes, entre intérpretes, compositores e arranjadores de todas as áreas da música para trazer para perto de si.
*Correção: a versão original deste texto afirmava que Thiaguinho rompeu seu antigo contrato com a gavadora Sony Music. Na verdade, o rompimento foi com a gravadora Som Livre.