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Guilherme Dantas, sanfoneiro cego, se recusou a morar nos EUA por saudade do forró

Guilherme Dantas, sanfoneiro cego, se recusou a morar nos EUA por saudade do forró

Ele foi dos teclados pra a sanfona e de Mastruz com Leite a Tarcísio do Acordeon

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A entrevista com Guilherme Dantas começa, sem querer, falando sobre cores. Deficiente visual, o sanfoneiro diz não ter intimidade com o grená, coincidentemente a cor da roupa dos envolvidos na entrevista para Billboard Brasil, realizada num hotel em São Paulo. Com um sorriso largo marcando o tom do papo, o tecladista autodidata, que migrou para a sanfona e se recusou estudar nos Estados Unidos porque queria ficar mais tempo junto ao forró, narrou sua trajetória.

“Essa cor que você botou nome é nova pra mim”, retrucou quase que em forma de piada, aliviando o que poderia ser uma gafe do repórter. Nova para Guilherme é também a função de cantor. Apesar de cantar desde que se entende por gente, Guilherme tinha como marca registrada as composições que emplacou em três gerações do forró.

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Depois de anos de carreira que quase empatam com seus 32 anos de vida, o músico se adaptou aos palcos maiores do que aqueles dos idos tempos de Fortaleza, quando era um adolescente dotado de ouvidos absolutos. Seu palco tem indicadores no chão, com texturas que guiam seus pés e sua equipe faz uso do ponto eletrônico para situá-lo.

Isso não livrou o músico da ignorância do mundo ao redor.

‘Eu choro todo dia para ir para casa’

“Quando eu comecei a querer ser cantor, eu enfrentei um olhar… Não sei se essa é a palavra”, começa refletindo, também caindo nas armadilhas do léxico quando a conversa envolve um deficiente visual. “Mas algo preconceituoso das pessoas. Elas têm tendência a olhar diferente para aquilo que não é comum, né? Aí eu senti essa pressão de ser um bom cantor, de entregar um bom show”.

O primeiro show em Fortaleza, sua cidade natal, um “showzinho pequenininho”, prova isso. “Uma rádio da cidade ia transmitir e eu pedi para meu empresário colocar um técnico de som para ficar bom”. A resposta, inicialmente, foi negativa. Mas Guilherme insistiu.

E foi o fole da sanfona que mudou a trajetória de Guilherme, antes tecladista. Depois de inúmeras experiências no forró, no axé e “no que aparecesse”, ele foi estudar em um dos conservatórios mais respeitados do Brasil, o Souza Lima, em São Paulo. E lá, ao completar 18 anos, recebeu um convite. Só que a saudade de Fortaleza e, principalmente, o banzo do forró chamaram Guilherme para outra missão —que o fez deixar de lado a Berklee College of Music, considerada uma das melhores do mundo.

“Moço, eu vou ser sincero com você: vou voltar para o Ceará. Eu choro todo dia para ir para casa”, disse Guilherme, negando o convite irrecusável. A volta da prata da casa rendeu: autodidata, assumiu a sanfona como instrumento e, de repente, já estava tocando com o Mastruz com Leite.

Do Mastruz com Leite a Tarcísio do Acordeon

“Foi muito doido isso. Eu era muito fissurado em Mastruz com Leite. Pronto. Fui parar na banda deles”, conta. Guilherme acabou completando o ciclo do forró: depois de chamar a atenção de uma das bandas pioneiras do gênero nos anos 1990, dedicou um álbum ao expoente Dorgival Dantas, passou a escrever para o Aviões do Forró, chegou a Wesley Safadão e, de quebra, é tratado como um xodó por Tarcísio do Acordeon, sanfoneiro que, junto com João Gomes, é expoente da vaquejada.

“Eu cheguei e falei ‘Gordinho, queria chamar você para participar do meu DVD. Queria saber se você pode'”. A resposta veio no tom certo. “Eu participo de quantos DVDs você me chamar. Eu sou muito grato a você”. É de Guilherme a autoria de “Deixa Eu Te Superar”, sucesso do Gordinho, hoje com mais de 22 milhões de plays no Spotify e 35 milhões no YouTube.

Recentemente, com Xand Avião, ele lançou “Mantenha Distância” como carro chefe dos EPs “Prazer, Guilherme Dantas, Pt. 1 e Pt.2”.

A relação com Xand e Safadão, inclusive, remete à uma história eternizada em “Toca o Meu CD”, composta por Guilherme e gravada em 2012 pelo Aviões do Forró. “Existia uma rixa entre o Aviões do Forró e o Garota Safada”, relembra o compositor, citando o grupo que revelaria um cabeludo e carismático vocalista de nome Wesley. “Era uma música bem safadinha, eu nem lembro bem a letra”, diz.

Fato é que a letra expõe a esperteza da caneta de Guilherme no forró. Uma das estrofes da canção provocava o Garota Safada com os versos “a minha banda é boa, completa e afinada /essa banda aí, pode crer não tá com nada /o baixo não tem suíngue e a sanfona tá furada /nem precisa falar que é levada e clonada”. Se Wesley Safadão ficou magoado com Guilherme? Que nada.

“Depois disso, escrevi várias músicas para ele. Teve ‘Me Ama ou Me Deixe’ [gravada no DVD ‘Ao Vivo Em Brasília’, de 2017]. Ele já tinha gravado outras músicas minhas que não tiveram tanta repercussão. Mas essa aí… O povo cantando aquilo ali, no Estádio Mané Garrincha lotado, foi uma realização, né? Foi a primeira música grandona, assim, minha”. Depois viria “Zero Boi”, hit feito para o cantor Mano Walter.

Fã de Djavan, o sanfoneiro lamenta ter perdido o show do alagoano em Fortaleza (“eu fiquei sabendo no dia. Esses caras anunciam para quem?”, esbraveja) e mira dois artistas inusitados que gostaria de ver gravando suas composições. “Eu sou muito fã do Michael Sullivan”, surpreende citando o autor de hits nos anos 1980 como “Um Dia De Domingo” (eternizado pelas vozes de Gal Costa e Tim Maia) e “Me Dê Motivo”(também gravada por Tim) e “Whisky a Go Go” (hit maior do Roupa Nova). “São essas as minhas fontes. Eu quero que a minha música seja atemporal, de alguma forma”, finaliza.

Published by Mynd8 under license from Billboard Media, LLC, a subsidiary of Penske Media Corporation.
Publicado pela Mynd8 sob licença da Billboard Media, LLC, uma subsidiária da Penske Media Corporation.
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