A incrível história de Jetro, carioca que tocou com Whitney Houston e Prince
Expulso da igreja, professor da Berklee rodou por 16 anos em turnê com a cantora
Pergunto a Jetro Da Silva como alguém é escolhido para ser pianista de Whitney Houston (1963-2012), uma das maiores vozes da música. “Eu estava inspirado, fiz uma música que era a cara… do Al Jarreau!”, começa explicando o músico rebelde nascido no Méier, mas também de Duque de Caxias, da Igreja Batista de São João de Meriti, do pastor Caio Fábio, de Emílio Santiago, da Berklee College Of Music, de Chaka Khan e, mais notoriamente, de Whitney.
Onze anos antes, Jetro via um show pela TV em homenagem a Nelson Mandela no qual Whitney era a atração mais esperada. “Um dia toco com ela”, pensou em voz alta. A frase ecoou pela sala, gerando risadas. Àquela altura, Jetro parecia ter ido longe demais para um preto da Baixada Fluminense: se achava bonito, era músico da banda de Emílio Santiago e havia transferido a família para um apartamento em Copacabana.
Para ler ouvindo: jam session de Jetro com o baixista mexicano Abraham Laboriel
Expulso da igreja pelo pecado de tocar música
Com 16 anos e formação na denominação batista, Jetro foi excluído da Primeira Igreja Batista de São João de Meriti — considerada, à época, também palco para excelentes músicos, corais e conjuntos da música cristã. “Faltou pedagogia e esclarecimento”, avalia.
“Eu cantava em corais, tava indo tocar na Assembleia de Deus e… fui expulso por ter tocado em uma Igreja Episcopal [como são conhecidas as igrejas anglicanas]. Aquilo só provou para mim a diferença entre comunidade e doutrina e, também como muitas das coisas escritas na bíblia vão contradizer as leis de instituições ou denominações”, conta Jetro, agora conhecido como rabino Moshe Wolf, convertido ao judaísmo.
“Hoje, mesmo como judeu, se me chamassem para ajudar o seminário batista, eu reforçaria a história do Brasil, das artes… Para não sair por aí dizendo besteira, ofendendo pessoas. Muitas coisas são relativas e as pessoas de fé cismam que são absolutas”, analisa.
De Santiago a Boston
A canção era “Pelo Amor De Deus” e Emílio Santiago já estava cansado de tentar achar um pianista no ano de 1988. “Vamos cantar essa porcaria, aí”, pediu um dos maiores intérpretes da música em sua grave voz aveludada.
Para ler ouvindo: Emílio Santiago cantando “Verdade Chinesa” no Domingão Do Faustão, com Jetro ao piano
Após ver Jetro debulhar ao piano, Emílio cai na risada, contaminando o ensaio todo. A música para. “Meu filho, qual seu nome? Uhm… Jetro… Que chique. Você tem teclado? Ih… Já vi que vou ter que contratar e comprar teclado”, disse o novo chefe, responsável por curtir um barato com a cara do contratado que começava a vida na MPB já tocando no Maksoud Plaza, outrora um hotel de luxo da capital paulista.
Dois anos depois, impulsionado pelo baterista Cláudio Caribé (ex-integrante do conjunto Renato e Seus Blue Caps) e por um bispo que pagou sua viagem, Jetro estaria em Boston. O novo lar mudaria radicalmente sua carreira, seus contatos e a forma de ver a si próprio.
O menino que não aceitava a Baixada Fluminense como seu único lugar viraria aluno e, posteriormente, professor na Berklee College Of Music, universidade tida como uma das mais importantes do mundo quando o assunto é música.
Mirando em Al Jarreau, acertando em Whitney Houston
Querendo ser ouvido pelo ganhador do Grammy Al Jarreau, Jetro recebeu outro convite quando ligou para um contato em comum entre ele e o pianista norte-americano: “Estou montando novas bandas para a Chaka Khan e para a Whitney Houston. Qual você quer?”, palavras de Ricky Minor, hoje diretor musical do Grammy e do Oscar. Jetro escolheu a segunda opção.
Jetro viraria não só pianista de Whitney, mas também um amigo acalentador, como se fosse um capelão, um pastor da cantora. A proximidade criou momentos únicos. “Eu nunca vou esquecer esse dia”, conta Jetro, em um contexto de véspera do primeiro casamento e da despedida da primeira turnê com a cantora, na Áustria. Tudo era muito forte e perceber que estava naquele espaço-tempo foi simbólico. “Estou lá tocando e, de repente, abro os olhos, ela está na minha frente. Comecei a chorar”.
Os risos desacreditados do apartamento de Copacabana, o televisor, a Whitney: tudo era verdade. Inclusive o fato de que, apesar do choro, do piano, e de Whitney, Jetro estava com a cabeça no próprio casamento e, por isso, sairia da turnê mais cedo.
Para ler ouvindo: Jetro da Silva’s Tribute to Ms. Whitney E. Houston (1963 –2012)
“Não! Eu vou casar!”, afirmava Jetro, após o show, para a equipe musical, sem saber que teria de repetir isso para a chefe, que rompia o hotel atrás do brasileiro fujão.
“Ela senta na minha frente… Era ela linda, né, bicho? E diz: ‘Jetro, seguinte: você vai preservar o seu trabalho ou vai casar?'”.
A cantora chegou a oferecer passagens de Concorde e a realização da cerimônia. Fiel aos planos do primeiro matrimônio, Jetro não aceitou.
O sonho e date com Whitney…
Jetro voltaria à banda de Whitney não por uma vez, mas por duas. Com a vida revirada pela imprensa norte-americana, a cantora era retratada como alcoólatra. Jetro já lecionava na Berklee quando foi chamado às pressas para uma turnê na China, em 2010. Seria a última da cantora. Relutante, foi.
“Tinha algo estranho no ar, não sei”, explica. A turnê seria diferente, Whitney avisara aos músicos. A cantora havia escolhido Jetro para uma dupla função: pianista e diretor bíblico da turnê. “Como eu não ia aceitar? Eu me tornei capelão. 2010 foi a turnê da minha vida. Problemas no casamento, aquela coisa toda”, conta.
A turnê passou pela Austrália, onde Jetro aproveitou para comemorar seu aniversário. A banda o levou para uma boate gay local e, no final da noite, foi parar em um date. Não pense que o date foi um prolongamento da vida noturna.
Era Whitney querendo contar, a sós, um sonho, uma visão envolvendo brasileiro. “Ela disse que viu um velho, de chapéu e barba, com meu rosto. E eu dizia a ela ‘você é o trompete dessa terra'”, conta Moshe Wolf, agora rabino-chefe da Federação Judaica Africana.
A cantora morreu em uma banheira de hotel, dois anos depois da turnê “The Nothing But Love World”. Jetro descobriu quando um ex-aluno seu o informou. “Eu liguei imediatamente para o irmão dela, Gary Houston. Era verdade”, publicou o pianista em texto introdutório para o concerto em tributo à cantora realizada pela Berklee.
“Foram 16 anos gloriosos em que eu me dividi entre estar na estrada e lecionar na universidade. Nós sempre vamos te amar, Nippy”. Nippy era uma espécie de alter-ego de Whitney, a personalidade livre das obrigações do showbiz.
… e um convite de Prince
Além de seu encontro com o judaísmo e com tudo o que o piano ofereceu para ele, Jetro coleciona encontros musicais. Tocou com Stevie Wonder, Celine Dion, Patty Labelle e… Prince. Foi o ex-baterista do baixinho, John Blackwell, que deu o toque no pianista. “O ‘Purple Rain’ quer te conhecer”.
“Passou um garotinho na minha frente e eu fiquei ‘nossa, as crianças aqui podem circular pelo estúdio'”, disse Jetro ao amigo Blackwell já dentro do lendário estúdio do artista, o Paisley Park, em Minneapolis.. Quando deu por si, Jetro ficou por dois dias em jams sessions com o tal garotinho, um Prince já realeza da música pop — e que só não era ainda mais pequenino por causa dos tamancos que usava.