Ela está aqui: o valor de projetos que abrem espaço para a mulher na música
Plano de Menina conecta meninas de periferia a oportunidades também no mercado


Cena 1: “Nossa! Eu posso fazer isso também?”
A comissária de bordo se fez essa pergunta ao tripular pela primeira vez com uma capitã de aeronave. Hoje, ela é piloto há 20 anos, voando Américas adentro.
“Será que eu posso?” era uma questão recorrente na vida de muitas mulheres, aspirantes a qualquer coisa. Várias ficaram pelo caminho, escolheram profissões, amigos e roteiros possíveis e menos ruidosos, evitando conflitos.
No mercado musical, na última década, assistimos a movimentos como o WME (Women’s Music Event) e o Ela Produz, entre outros, fazendo conexões de mulheres para mulheres. Mulheres enquanto tribo, autorizando umas às outras a fazer, ocupar e dizer.
Cena 2: Uma cantora está sem o produtor durante a passagem de som. Quando questiona o som ruim de um dos instrumentos, o técnico da casa dá uma explicação preguiçosa e não resolve o problema. Isso acontece todos os dias.
Desde que entrei para o mercado de show business, vi mudanças importantes acontecerem. Fiz inúmeras turnês onde eu era a única profissional do gênero feminino. Hoje, andando por backstages de shows, já é possível ver meninas em camarins, na produção, na logística, no marketing e mesmo ocupando posições de decisão e poder.
Mas ainda há um coletivo de quase unicamente homens, em bermudões e camisetas pretas, circulando na técnica.
Aqui, há um empecilho cultural e sutil. O ciclo vicioso de não se enxergar naquele ambiente, por não vislumbrar muitas desbravadoras e, ao mesmo tempo, a cultura testosterona dos ambientes, desestimula possíveis novas guerreiras.
Quando decidi organizar um livro sobre os últimos 30 anos do show business, eu, uma mulher que dirige uma empresa só de mulheres, me peguei enxergando, em um primeiro momento, só homens. Vi o quanto o nosso olhar ainda é viciado, e o quanto as oportunidades não estão equiparadas.
Aprendemos cedo que, para ocupar esses lugares, deveríamos estar mais preparadas. E assim fizemos. A On Stage Exp, junto com o IATEC (Instituto de Artes e Técnicas em Comunicação) e a Music Rio Academy, além de algumas universidades, vêm cumprindo esse papel da capacitação há anos. O preparo, no entanto, transcende a teoria e a técnica. A barreira do “será que eu posso?”, no entanto, continua lá.
Ao olhar para a periferia e fazer um recorte racial, fica claro a mulher sob o estigma do “isso não é para mim”. Seja porque o pai, o marido, ou a maternidade prematura a impedia, ou apenas o olhar preconceituoso no ambiente a que ela não pertencia.
Essa mulher sequer formulou a pergunta que a comissária/piloto, ali no início do texto, se fez. O “não” é a única coisa que ela tem.
E aí, aparecem movimentos como o Plano de Menina, ou como o Deixa Ela Tocar, projeto construído por e para mulheres periféricas. Por meio de um olhar voltado a oportunidades e ao mercado de trabalho, tornam-se o porto seguro de tantas mulheres. Ou pelo menos parte da motivação de que elas precisam.
Vão, certeiros, não só ao tema de capacitação, mas na segurança pessoal, e toda a rede de apoio, habilidades e códigos sutis que essa mulher precisará e terá que dominar. E ainda a leva para o mercado de trabalho. Aqui, nós sabemos, a independência financeira pode significar vida.
Só falta ainda que mais empresas, profissionais e pessoas de todos os gêneros comprem a ideia e entendam que um ambiente diverso torna ruas e o escritório mais seguros. além de negócios com novos códigos de ética ainda mais lucrativos.
E o melhor, as mulheres voam, sem escala, do “não é para mim” para o “eu estou aqui”.
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SAIBA MAIS!
Festival Plano de Menina 2024
Em 5 outubro, das 12h às 19h
No Memorial da América Latina, Auditório Simón Bolívar (portão 12) – Avenida Mário de Andrade, 664, Barra Funda, São Paulo – SP
Grátis, com retirada de ingressos pelo Sympla
Haverá painéis como “O poder da autoconfiança” e “Inovar é sair da bolha”, entre outros, além de premiação, talks, shows e brindes.
*Fabiana Lian é cantora, empreendedora musical e produtora artística de shows internacionais desde 1995. Fundou a On Stage Exp, a primeira escola de negócios de música e entretenimento da América Latina. Atua em parceria com vários projetos, como as Fábricas de Cultura Poiesis e o Women Walk Together, que visa dar protagonismo a mulheres na produção. É sócia e VP de parcerias do World Creativity Festival. Concebeu e organizou o livro “Enquanto Você Toca – Guia Comentado e Biografia Coletiva do Showbusiness”, com lançamento previsto para dezembro.