Conheça Cátia de França, musicista de 77 anos que lança disco ousado
Cantora está de volta com o álbum 'No Rastro de Catarina'
Cátia de França, de 77 anos, afirma que em sua casa, na Paraíba, “podia faltar manteiga, mas nunca faltaria um livro”. Sua paixão pelo mundo das artes é traduzida até hoje através de sua música, e se mantém firme e forte em seu novo álbum “No Rastro de Catarina”, lançado em abril deste ano.
O novo álbum
A artista, que foi “redescoberta” pela nova geração com o relançamento em LP, em 2021, de “20 palavras ao redor do Sol”, de 1979 – um de seus seis discos – parece ter combinado energias com os jovens que agora a idolatram, não poupando entusiasmo com seu novo projeto.
“Eu, na idade em que estou, me esbaldando no rock e reggae”, reflete sobre a necessidade de fazer o que ama enquanto está lúcida em entrevista ao jornal “O Globo”. “Não posso parar, música é como oxigênio para mim!”
O disco, produzido por Marcelo Macedo, percorre sua própria história, e seus arquivos pessoais. A paraibana, que saiu de casa aos 19 anos para percorrer seus sonhos, mostra ao público as poesias e sonoridades que a colocaram no mapa, incluindo “Indecisão”, uma faixa inspirada em um poema romântico que escreveu com apenas 14 anos.
“Negritude”, escrita em 1962, traz uma mensagem pra lá de atual sobre o racismo. “Já não tenho medo/ minha pele agora é minha lei/ meu cabelo é diferente/ a vasta mistura me torna mais gente”. “Temos a perseguição das religiões de matriz africana, as cotas sendo aceitas de cara feia… mas tá melhorando, tem novela com uma autoridade negra, um advogado negro. Isso incomoda os arianos”, conta para o jornal.
O projeto conta com outras faixas políticas como “Academias e lanchonetes”, de 1988, e “Bósnia”, de 1994, mas as equilibra com o romance de composições mais recentes, como “Meu Pensamento II”, de 2023, dos versos “Meu pensamento /por dentro do teu vestido /essa carne morena /frases soltas sem sentido, sentido”. “Podia mentir, mas há muito tempo saí do armário. Só não sou xiita, como amigas minhas que batem de frente com os homens”, Cátia entrega ao “O Globo”.
Trajetória
Cátia, que é filha de Adélia de França, conhecida como a primeira educadora negra da Paraíba, começou a tocar através do piano, em que arriscava no Chopin por influência da mãe. Logo o violão, que a acompanha até hoje, entrou em cena, quando se mudaram para Pernambuco.
Seguiu tocando, inspirada em nomes como Carlos Santana e José Feliciano, e foi acusada de “tocar igual homem”. Após ganhar um concurso e gravar música em compacto, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, como a esmagadora maioria dos artistas da época. Foi datilógrafa, sofreu ao ter que escrever anúncios de emprego em inglês com dizeres racistas, e até se arriscou no teatro.
Um dia, finalmente, foi descoberta, e gravou “20 palavras ao redor do Sol”, disco de canções inspiradas em poemas de João Cabral de Melo Neto, que teve participações de Bezerra da Silva e Sivuca a Dominguinhos e até Lulu Santos. Apesar de ter críticas positivas, o projeto não se saiu como esperado – e que, hoje, através de seu relançamento e o novo disco, está “tendo o que merece”, como os jovens gostam de dizer.